sexta-feira, fevereiro 29, 2008

Nunca houve um verão como o de 1978





Começou pequeno, lá no início dos 70, em bares de reputação duvidosa na área do Greenwich Village, freqüentados por homens divorciados, mulheres liberais, bêbados, solitários, freaks, gays e outros rejeitados pela sociedade. Gente cheia de problemas: casamentos desfeitos, vícios, lares desestruturados, passagens pela polícia, brigas judiciais pela guarda dos filhos, rejeição amorosa, abandono familiar, vivendo de favor na casa de amigos e outros transtornos de tirar o sono.

E o que fazer quando a sociedade moralista norte-americana olha para você como se olhasse para um rato de esgoto?

Se matar?

Não, vamos dançar!

E onde estava a classe média, a maioria silenciosa, o cidadão comum norte-americano? Curtindo a ressaca dos anos 60 e ouvindo o som choroso de um James Taylor, de um The Carpenters, um Eagles, uma Carole King, uma Carly Simon, um Elton John ou um Cat Stevens.
Mas como eu costumo dizer, a tristeza é um privilégio. Quem tem muitos problemas não pode se dar ao luxo de ficar triste.

Pois a medida que a década avançava, a desilusão com o governo Richard Nixon (reeleito em 1972), a indignação com o escândalo Watergate - que levaria Nixon a deixar o governo em agosto de 1974 -, o agravamento da recessão econômica - em grande parte provocada pelos gastos com a guerra do Vietnã - e o total descrédito nos movimentos sociais, fariam com que a classe média se visse às voltas com um montanha de problemas.
E o que fazer quando se está com a hipoteca da casa vencendo? Ou com a filha adolescente grávida? Ou com o filho viciado? Ou com o desemprego batendo à sua porta?
Nova Iorque sempre dependeu de verbas federais para pagar suas contas e quando Washington lhe negou ajuda pela primeira vez na história, a metrópole mergulhou numa crise sem prescedentes, com as greves emperrando a máquina administrativa, os serviços essenciais parando e a desvalorização em ritmo tão acelerado, que em diversas áreas, muitos moradores preferiam incendiar seus imóveis para obter o seguro, do que vendê-los.
E o que fazer quando se está cheio de problemas pessoais e ainda se vive numa metrópole à beira da falência?
Se matar?
Claro que não. Já nos idos de 1974 setores mais antenados da imprensa já falavam da onda entre os descolados da cidade de ir a algumas casas gays dançar um som vindo da Filadélfia. Era um ritmo originado do funk, só que muito mais acelerado, sincopado, frenético, eletrônico. As músicas convidavam a todos a levantarem, esquecerem suas tristezas e dançar.
Em poucos meses Chicago, Los Angeles, São Francisco, Miami, Boston e outras grandes cidades americanas estavam apaixonadas por este som que já tinha nome: disco music.
Mas como toda moda, a coisa evoluiria lentamente do cenário underground das metrópoles até o mainstream. O norte-americano típico, aquele que vive em Illinois, Missouri, Georgia ou Nebraska, ainda precisava ser encorajado a entrar na onda do dance and shake your tamborine.
E esse trabalho ficou a cargo de Tony Manero, o personagem de John Travolta, que tinha um emprego medíocre durante o dia, mas que à noite, esquecia sua vida sem perspectivas, tornando-se o rei das pistas.
You should be dancing, nome de uma das canções do filme, era mais do que uma palavra de ordem, era uma cachaça, um ópio. Olhando para trás, percebo que o que havia na época era a dança ser usada como uma forma desesperada para se esquecer os problemas.
E dançava-se muito. O que veio depois de Tony Manero foi algo inacreditável. Academias e escolas de dança nos EUA lotadas de gente de meia idade sedenta para aprender a dançar como Travolta e suas companheiras de pista.
Os Embalos de sábado À Noite estreiou aqui no Rio no dia 25 de dezembro de 1977 e conquistou a classe média. Mas ainda faltava o povão, acostumado com o samba e se recusando a "dançar música de gringo." O povão só caiu mesmo no som disco quando Sônia Braga apareceu na novela de Gilberto Braga, Dancin´Days, rodopiando ao som das Frenéticas. Sônia foi o nosso Tony Manero.
Mas entre a estréia de Os Embalos... e Dancin´Days houve um verão. Quente, agitado e inesquecível. Havia um certo frenesi emocional no país. Afinal, o governo do general Geisel dava seus últimos suspiros e tínhamos motivos para comemorar. O processo de abertura política continuava em andamento. A censura estava mais branda, não havia mais prisões ou torturas, o direito de greve havia sido reconsquistado e em breve os exilados começariam a voltar.
E o que fazer quando se é jovem, saudável, está no verão de um país tropical e numa das cidades mais lindas do mundo, durante o fim de uma ditadura?
Dançar? Claro. E transar também. Acho que nunca se transou tanto como naquele verão. Minhas olheiras na foto para a carteira de identidade na época não foram por causa do vestibular que se aproximava. Podem ter certeza.

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segunda-feira, fevereiro 25, 2008

Encosto de Princesa

"Alô, Hollywood? Vocês me devem esta."

Não assisti nenhum dos principais premiados, mas A Rainha, do Stephen Frears, sair apenas com melhor figurino foi uma injustiça histórica. Quando olhei o resultado, imediatamente me perguntei se os críticos realmente assistiram ao filme. Se assistiram, ao ver o desempenho magistral de Hellen Mirren, na pele de Vossa Majestade, eles só se preocuparam em ver se a atriz estava vestida adequadamente?
Diana deve se transformado numa pomba-gira.

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domingo, fevereiro 24, 2008

Aquela praça...

Cuauhtémoque. O nome é horrível, mas assim é chamada uma pracinha que fica bem próxima aqui de casa. Como fica escondida no final da Praia do Flamengo, imprenssada entre o final da Rui Barbosa e o início da Oswaldo Cruz, só é freqüentada por moradores da região. A maioria profissionais liberais e altos funcionários públicos. A nata da classe média.
Não se vê um papel no chão. Os brinquedos funcionam perfeitamente. Não há pixações e nunca vi um morador de rua por lá.
Pelas manhãs, babás uniformiazadas tomam sol com os filhos dos patrões. À noite, a garotada vai bater-papo, escutar um som ou jogar uma bola. Nos finais de semana, não é raro ter alguém fazendo churrasco ou comemorando seu aniversário no local. Festas juninas, desfile de cães e batucadas também não são raras. Tudo na maior paz, limpeza e segurança - há uma cabine da Pm em frente e guardas municipais aparecem, de vez em quando.



Os próprios moradores cuidam dos brinquedos e da limpeza. E cobram do poder público cuidados para esse cantinho, como se ele os pertencesse. Mas na verdade, pertence. Acho que é aí que mora a diferença entre essa praça e a maioria das outras. Os freqüentadores tratam o lugar porque têm a consciência de que ele lhes pertence.

Deu certo aqui. Por que isso não acontece em outros lugares? Talvez a resposta esteja nos anos de governo militar que esse país enfrentou. Na época, o cidadão poderia ser punido por sujar um local público, por exemplo, porque estava fazendo uso inadequado de um lugar que não o pertencia. Locais públicos pertenciam ao Município, ao Estado ou à União. Esta foi a mentalidade difundida durante anos, como uma lavagem cerebral.



Sem a repressão do governo militar, as pessoas adquiriram a idéia maléfica do "foda-se, não cuido disso aqui porque não me pertence. Vou sujar, vou pisar na grama, vou pichar e vou quebrar porque não tenho nada a ver com isso."
E essa pequena e bucólica praça com nome horroroso é um ótimo exemplo do que pode acontecer quando o cidadão entende que os locadouros públicos são como uma extensão da sua casa.


A voz do povo é a voz de Deus. Devido a minha absoluta falta de tempo, não tenho mais Crimes e Perversões para vender. Mas vou preparar uma quinta edição para breve. Por favor, perdoem-me e aguardem!

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terça-feira, fevereiro 19, 2008

Músicas que podem lhes ser úteis - Parte IV

Tá certo. Você já está cansado de trabalhar e pensa em se aposentar mais cedo. Mas não tem o tempo mínimo exigido pela previdência. Então, só por incapacidade, certo? E aí você pensa...e se eu desse uma de louco?


Pois a letra dessa música pode lhe ser útil na entrevista com o psicólogo do do INSS.


No fim da noite

Eu escuto o caçador

Com seu revólver

Apontado pra a lua

Ou meu cabelo

Preciso me esconder

Na tempestade ou no chão

Sei que ele vem me procurar...

Não tenho medo

Eu só quero ir em paz

Com minha sombra

Eu só quero aquela lua

No fim da rua

Não deixe o caçador

Mirar em cima de você

Ele quer achar seu coração

Talvez o caçador

Não tenha tempo de atirar

Quando de repente amanhecer...


Decore e boa sorte!

* Caçador, Lô Borges, do famoso disco Tênis, que completou 25 anos no ano passado.

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sábado, fevereiro 16, 2008

Dívida




"A História do amor

é mais rápida do que uma piscadela

A História do amor

é olá e adeus

Até nos encontrarmos de novo"








Estas palavras foram enncontradas em um pedaço de papel no quarto de hotel em que Jimi Hendrix estava, quando começou a passar mal, naquela manhã de 18 de setembro de 1970. Jimi morreria na ambulância, a caminho do hospital. A princípio acreditou-se tratar-se de um bilhete de despedida. Mas, depois, descobriu-se ser a letra de uma canção.

Ficou devendo essa pra gente, Jimi.


Para Bárbara










Mas a minha filha, o Crimes e Perversões já está na quarta edição. Acorde logo e peça pelo juliocorrea19@gmail.com.

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terça-feira, fevereiro 12, 2008

As cavernas obscuras do nosso ser


"Ah, olha só a vadia! E encolhe, e solta, e mexe, e sacode e rebola. E eu, a serpente, vou saindo do cesto, maravilhada e à mercê dos seus encantos. Como o velho leão de circo que faz o seu número para ganhar a suculenta carne no final.
E o meu número é arrastar-me até este lugar sujo e mal freqüentado, para deixar-me ser enfeitiçado por ela. Deus sabe como tenho resistido todos esses anos. Não posso, não devo, dizia eu — um homem bem sucedido e chefe de uma família adorável —, enquanto o demônio (um sujeito simpático e de boa conversa) me fazia deixar o meu confortável escritório e, nesta noite de chuva, vir até a um lugar sórdido como este, na parte suja e feia da cidade, onde, só ou em bando, vive-se em apartamentos apertados ou em vagas. Um lugar de gente ansiosa e disponível, onde o calor humano é mais barato.
Olho em volta e vejo que não sou o único. O que não me serve de consolo, pois me considero especial, levando em conta de onde venho e que o grande herói da minha vida foi o xerife Anderson..."


Trecho inicial do meu conto Dança do Ventre, do meu livro Crimes e Perversões, que você pode adquirir, mergulhando aqui: juliocorrea19@gmail.com


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sábado, fevereiro 09, 2008

E o Síndico virou livro



Nos anos 70, o Tim morava em Copacabana e freqüentemente era abordado por guardas de trânsito das redondezas, pois além de dirigir sempre sem carteira, seu carro constantemente tinha um farol quebrado, pisca-alerta com defeito ou outra infração qualquer. E o velho Tim sempre soltava uma cervejinha para os PMs, que o passaram a chamar de "cartão de crédito".

Um dia, o "Síndico" iria fazer uma reuniãozinha para amigos, após um longo dia de gravação.

Quando chegou na porta do seu prédio, ele se deu conta que os bancos já haviam fechado e ele estava sem um tostão.

Sem pensar muito, ele procurou os guardinhas das dedondezas para que lhe dessem algum dinheiro.

E em pouco tempo conseguiu o bastante para, pelo menos, para algumas cervejinhas. Acho que foi a primeira vez que policiais garantiram a cervejinha de alguém.

O livro Vale Tudo, a biografia do Tim, lançado no final do ano passado pelo jornalista, crítico musical e também amigo do Síndico, Nelson Mota é um livro típico para o verão, com histórias deliciosas de um ícone da nossa música, muito conhecido pela sua simpatia e comportamento polêmico, mas que também sofreu muito. Principalmente por amor. Ninguém escreve um clássico como Azul da cor do mar sem motivo.

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quinta-feira, fevereiro 07, 2008

É Verão e estou na praia...


Ilustração tirada da crítica do New York Times.

"...O dia de outubro quando ele viu pela primeira vez os seios dela nus precedeu em muito o dia em que pôde tocá-los - 19 de dezembro. Ele os beijou em fevereiro, embora não os mamilos, os quais roçou com os lábios uma vez, em maio. Ela se permitia avançar sobre o corpo dele ainda com maior cautela. Moviemntos súbitos ou segestões radicais da parte dele podiam arruinar meses de trabalho."

O trecho acima é o mais belo que li a respeito da época da inocência, antes da revolução sexual dos anos 60, quando um jovem casal tinha que lutar contra seus desejos, pois a virgindade era ainda contava pontos.
É verão estou Na Praia, o best seller do britânico Ian McEwan, lançado aqui pela Companhia das Letras no ano passado com grande estardalhaço. Cheguei até a fazer um post a respeito. Meu interesse por esse inglês, prestes a completar sessenta anos, cresceu após assitir à Desejo e Reparação, o filme de Joe Wright, que virou o filme da estação pra mim, sério candidato ao Oscar, e que foi baseado na obra de McEwan (Atonement, eleita pela revista Time, como o melhor romance de 2002).
A história de Na Praia poderia ser resumida em uma linha: "Dois adolescentes virgens irão ter a sua primeira relação na noite de núpcias, numa praia inglesa, Chesil Beach, no verão de 1962. Tudo corria bem até que um fato inesperado vem mudar a vida dos dois para sempre. Falando assim, pode parecer que daria um bom conto e não um romance. E para falar a verdade essa foi a impressão que tive no início. Mas McEwan é desses escritores que nos supreendem e o perfil psicológico é descrito com uma grandeza capaz de de emocionar e incomodar pretensos escritores invejosos como eu. Mais do que um clássico sobre a perda da inocência, Na Praia é sobre as brincadeiras - muitas vezes de mau gosto - que o destino faz com a gente.
Em Desejo e Reparação, McEwan chega às raias de um Nelson Rodrigues, descendo aos subterrâneos mais sombrios da alma humana. O filme poderia ser um pouco menor e pode ser confuso, devido ao tratamento quase fantástico dado a algumas cenas. Mas ficaria feliz ao vê-lo ganhar a tatueta.
Aliás, como foi a sua primeira vez, querido leitor? A minha foi...psicodélica. E-mais para julio-correa19@gmail.com.

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sexta-feira, fevereiro 01, 2008

Checkhov e a casa seis no mapa astral



É fácil fazer teatro apenas com uma história dramática? Não. Nelson Rodrigues, Edward Albee, Tennessee Williams, Arthur Miller e outros grandes do teatro mundial que o digam.


Mas todos concordariam que fazer bom teatro apenas com as mazelas ordinárias do nosso cotidiano é bem mais difícil.


E nisso Anton Chekhov era fera.


Existe uma coisa em astrologia que é a a casa seis em nosso mapa astral. A maioria das pessoas que procuram uma consulta astrológica querem saber do amor, do emprego que vai mal, das dívidas que preocupam, da viagem sonhada, etc. Enfim, as nossas grandes aflições. Poucos se dão conta de que são as pequenas mazelas do dia-a-dia que nos desgastam, que enferrujam nosso entusiasmo, infectam os nossos sonhos e podem tornar o nosso viver mais cinzento. Não são as grandes tragédias que nos derrubam e nem são os momentos de felicidade que importam. Pois todos eles passam. O que realmente importa é como lidamos com os nossos dias


Checkhov sabia disso e escrevia sobre isso. Infelizmente, ao morrer em 1904, não deixou herdeiros. Seus textos, que contavam a nossa miséria humana diante da crueldade e das maravilhas do cotidiano, não encontraram seguidores.


Mas graças à mamãe web, não perdemos o contato com esse gênio. Pois o mestre Anton Checkhov também era contista e descobri uma overdose de textos seus aqui, que merecem ser lidos (em inglês).

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