quinta-feira, agosto 31, 2006

Os Sopranos, Quem Diria, Acabaram Em Padre Miguel

O bicheiro Anésio Gebara e seus filhos. Legítimos e Ilegítimos, na grande série Filhos do Carnaval .

Meu útlimo post foi sobre o renascimento da tv americana em termos de qualidade. Falei de algumas séries que têm feito a cabeça do público, mesmo aqui no Brasil. E para que a justiça seja feita, tenho que destacar uma série nacional que não fica muito atrás do padrão do melhor que está sendo feito nos EUA. Trata-se de Filhos do Carnaval, uma superprodução do canal HBO, com direção de Cao Hamburger e um superelenco que inclui o veterano Jesse Valadão, Enrique Diaz, Rodrigo dos Santos, Mariana Lima, entre outros. A tv brasileira estava precisando e merecendo um trabalho deste nível há muito tempo.
Só a abertura já avisa que você não está diante de mais uma serizinha qualquer, feita com o objetivo apenas de obter IBOPE. A produção, a trilha sonora, as imagens, o roteiro, tudo surpreende nesta série. Mas o que tem me deixado de boca aberta é o desempenho dos atores. A maioria não-global. Eles não parecem estar atuando e, sim, sendo filmados com uma câmera escondida. Ao invés das tradicionais caras-e-bocas, muita naturalidade. Saem os clichês interpretativos e entra muita ousadia, desenvolvida, certamente, após um aprofundado trabalho de pesquisa.
Mas sobre o que é Filhos do Carnaval? Sobre a família de um grande bicheiro. Para quem não sabe, bicheiro é o dono de uma banca de jogo de bicho, que controla milhões de reais em dois sorteios diários. Bicheiros existem em vários estados, mas grande parte da história desses vilões passa pelo Rio. Como fui criado no subúrbio, sei muito bem do poder que esses obscuros personagens exerceram até a década de 80. Como aconteceu com a máfia italiana em Nova Iorque, a nova geração de bicheiros não está tão interessada na contravenção e os negócios foram diminuindo, mesmo por que os grandes nomes do Bicho ou estão muito velhos ou estão mortos. Para os mais novos, não custa lembrar que os bicheiros já tiveram um poder muito maior do que os traficantes e qualquer facção criminosa dos dias atuais. Em muitos bairros cariocas, eles simplesmente mandavam. Assim como tinham grande parte da política e da polícia nas mãos.
Apesar de tudo, o cinema nacional poucas vezes teve corajem de abordar os negócios desses barões da ilegalidade - a investida mais famosa foi Boca de Ouro, do Nelson Rodrigues, levada às telas no início da década de 60. E isso aumenta o valor desta série primorosa, onde os negócios do bicho são dissecados e o poder que esses barões ainda exercem, sobretudo na indústria do carnaval - a escola de samba (supostamente a Unidos De Padre Miguel) que pertence ao Anésio Gebara, protagonista,é o motivo do título da série - , é mostrado sem meia-palavras. E mais, bandido fala como bandido, puta fala como puta, empresário fala como empresário e bicheiro fala como bicheiro.
Filhos do Carnaval foi, imagino eu, baseada em outra série que há anos vinha dando o que falar na mesma HBO: a polêmica Família Soprano. Assim como os bicheiros aqui do Rio, muita gente em Nova Iorque pensava que a máfia italiana estava morta e enterrada. Mas essa série mostra que elas não só continuam atuando - embora sem o mesmo poder de antes - , como diversificaram os seus negócios ilegais. Prostituição e tráfico de heroína é coisa do passado. O negócio agora vai desde venda de cartelas clonadas de telefones públicos para imigrantes até coleta de lixo. Mas o mais sensacional são os personagens, muito reais, bem construídos e interessantíssimos. O personagem principal, Tony Soprano, interpretado pelo gorducho James Gandolfini, para se ter uma idéia, faz análise para tentar controlar a culpa pelos seus atos truculentos, suas crises de pânico e os problemas com sua família pra lá de problemática. A mesma coragem e ousadia em que o submundo do jogo do bicho é vasculhado pelos Filhos do Carnaval, aqui, o cotidiano de uma família mafiosa é mostrado sem rodeios. Aliás, as duas séries têm mesmo muito em comum. Sorte a nossa!

Mas se você pretende conhecer a série americana, corra. Lá, ela já saiu do ar e a última temporada irá ser exibida aqui, em outubro.

Tony Soprano (o de preto, à frente): análise para suportar filho maconheiro, mãe tirana, filha rebelde e mulher infiel.

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E FELIZ BLOGDAY PRA TODOS!!

domingo, agosto 27, 2006

A Verdadeira Caixa de Surpresas



Ontem, domingo (27), os norte-americanos esolheram 24 horas para a grande ganhadora do 58o. Emmy, ou como o que de melhor assistiram em sua tv no último ano. A série escolhida merece realmente um grande PARABÉNS! Não só por ter sido eleita a melhor série da tv mais assistida do mundo, mas também por que esta mesma televisão há alguns anos vem passando por um período de ouro e há até quem ache que, pela primeira vez desde o seu surgimento no início do século passado, ela está passando a frente do cinema em termos de qualidade.
Acho que a coisa começou lá em 1985 quando anunciou-se que o canal CBS iria produzir uma versão do maior clássico do teatro americano: A Morte do Caixeiro Viajante, do Arthur Miller. Muita gente riu. A tv americana até então era motivo mesmo de riso tal era o descrédito em relação a sua dramaturgia. A maioria dos americanos só ligava a tv para assistir filmes, acompanhar os jogos de baseball, ouvir as notícias e conferir as previsões meteorológicas. Havia alguns programas que fugiam a regra, como o veterano Saturday Night Live. As novelas eram desprezadas e, embora algumas séries tenham feito história, como a famosa Raízes, em 1977, a maioria era tida apenas como passatempo. Poucos filmes produzidos para a tv quase nunca eram levados a sério.
A tv americana também era tida com um cemitério de atores. Só atuavam ali quem havia levado um chute ou uma porta na cara, em Hollywood. Participações de atores famosos no cinema aconteciam, mas eram, geralmente, pequenas participações "para dar uma força" ou "para atender ao pedido do amigo diretor chato". Aparecer em séries de tv era pagar mico e logo gerava boatos sobre uma possível queda de prestígio. Por isso, os americanos ficaram de boca aberta ao saber que o famosíssimo Dustin Hoffman havia aceitado fazer o papel principal na versão do Caixeiro. E o queixo dos ianques caiu ainda mais ao assistir o próprio espetáculo, que além de ter recebido excelentes críticas, foi considerado a melhor adaptação do clássico até então. Dez anos depois, uma outra versão de um clássico do teatro, Um Bonde Chamado Desejo, com Alec Baldwin e Jessica Lange nos papéis principais, ganharia os mesmos elogios. Mas aí, muita água já havia rolado.
De olho no fato de que os americanos estavam preferindo ficar cada vez mais em casa (excesso de trabalho, ingressos caros ou medo da violência), a tv americana decidiu investir em si mesma. Passou a contratar melhores atores, melhores roteiristas e passou a abordar temas mais adultos. Tudo na tentativa de se aproximar do cinema.
A primeira série, talvez, a expressar esta mudança, foi Friends. A história do grupo de amigos novaiorquinos que dividiam um ap trazia personagens carismáticos, temas atuais e um roteiro veloz e espertíssimo, léguas distantes do conservadorismo e do previsível, que sempre foram as marcas da tv americana.
Seinfield e Mad About You, onde casais adultos discutiam, com muito humor, temas adultos, comuns a qualquer casal de uma cidade grande, também se transformaram numa febre. E ao longo dos anos 90, outras séries como Melrose, The Nanny, Married With Children, Everwood, Frazier, Will and Grace, ER, Dawson´s Creek, Ally MacBeal, The King of Queens, CSI, The West Wing, etc, conquistariam até mesmo os mais jovens, que sempre acharam que televisão era coisa para velho. Isso sem falar em desenhos que nada tinham de infantis: Os Simpsons e, mais tarde, South Park. Tá certo, a maioria eram sit-cons. Mas séries policiais cada vez mais realistas e melhores do que muitos filmes de ação hollywoodianos, passaram a chamar a atenção dos mais exigentes, tipo Nova Iorque Contra O Crime, Homicide, Lei e Ordem, 24 Horas(a premiada).
Com o passar do tempo, o cada vez mais respeitado lado dramatúrgico da tv, começou a atrair profissionais desiludidos com a queda de qualidade na indústira cinematográfica. Sim, porque não só a tv havia melhorado. O cinema americano dava sinais de que estava com problemas de criatividade. E até astros do cinema e celebridades começaram a correr atrás de de diretores de séries televisivas. "Não tem uma pontinha pra mim, aí, não?". Afinal, Robert Downey Jr. foi destaque em Ally MacBeal. Woopie Goldberg, Geena Davis e a veterana Cybil Shepherd também tiveram as próprias séries. O machão Michael Douglas fez um policial gay em Will and Grace, onde também Madonna, Cher e Elton John apareceram sorridentes.
No início do século, quando Sex and The City virou o assunto do momento, ninguém mais teve dúvidas: assistir tv estava na moda. E quem ainda achava que a caixinha iria perder o fôlego, com o encerramento de muitas séries populares nos anos 90, se surpreendeu ao ver o lançamento de outras ainda mais bem feitas, adultas e ousadas, como A Família Soprano, Six Feet Under, Desperate Housewives e L World, esta última voltada para as meninas que nunca gostaram de nenhum tipo de boneca.
Mas o que realmente aconteceu com a tv americana? Simples: enquanto o cinema se preocupa com aventuras futuristas, monstros, catástrofes e muuuuuuitos efeitos especiais, a tv oferece apenas boas histórias, enredos inteligentes, temas interessantes, personagens inesquecíveis. Ou seja, mais dramaturgia, mais roteiro. Isso ainda é a melhor forma de se conquistar o espectador.

E qual é a minha série favorita?


Há dezesseis anos no ar, Lei & Ordem é tudo que um amante de literatura policial quer.
No início deste vídeo, os detetives da Unidade de Vítimas Especiais estão sendo entrevistados por um psiquiatra da polícia. O desempenho dos atores é fantástico ao falar dos seus problemas pessoais e a barra de encarar o dia-a-dia desta unidade, que lida com estupros, pedofilia, prostituição infantil e práticas sexuais das mais folclóricas. Em um dado momento, perguntam a um deles porque continuar naquele tipo de trabalho tão desgastante. E a resposta: "Alguém tem que fazê-lo" Os roteiristas brasileiros deveriam assistir Lei & Ordem e alguns outros seriados americanos umas 600 mil vezes para aprenderem a fazer roteiros sucintos, inteligentes, criativos e reais.
Aliás, Mariska Hargitay, interpretando a detetive Olivia Benson, faturou o Emmy de melhor atriz em drama. Justo, justíssimo.
E é isso. Vou assistir minha tv. Fui!

quinta-feira, agosto 24, 2006

E Zuzu Angel Morreu Outra Vez


Zuzu Angel sofreu a dor de ter um filho morto pela repressão. Não foi uma morte comum. Primeiro, o sequestraram. Depois, levaram-no para a tortura e, como se não bastasse, sumiram com o seu corpo. Poucas mães suportariam tal dor. E esta foi a primeira morte de Zuzu.
Mesmo morta Zuzu lutou contra uma ditadura insana para tentar resgatar o corpo de Stuart Angel Jones, seu filho querido. Foi chamada de louca pelos militares, viu amigos se afastarem e sofreu ameaças. Zuzu nunca dessistiu. Até que um acidente misterioso trouxe a sua segunda morte.
Mas ainda que morta fisicamente, Zuzu prosseguiu como mito, como símbolo da luta de uma mulher corajosa, íntegra e inteligente.
Mas no início deste mês, chegou às telas Zuzu Angel, obra do diretor Sérgio Rezende e com Patrícia Pilar no papel da estilista. E Zuzu morreu outra vez. Agora morria um pouco o mito, tão mal construído neste filme que deixa muito a desejar.
Na verdade, o Sérgio tinha três opções para abordar a vida de Zuzu. A primeira era a da mãe do guerrilheiro. Não era uma opção boa, pois ele poderia fazer um filme panfletário e rancoroso. Poderia optar por dar um tratamento o mais real o possível na tentativa de nos fazer sentir a dor de Zuzu sentiu, durante um dos períodos mais negros da história do país. Essa me parecia ser a melhor opção, por contar o Brasil que muitos não conheceram, por contar quem foi essa mulher lutadora, por justificar o dinheiro gasto na história de uma mulher sobre a qual - infelizmente - não se fala mais.
Mas o Sérgio optou pela terceira opção: contar apenas a história da mãe Zuzu. Tudo neste filme de pouco menos do que duas horas gira em torno da figura da mãe sofrida em busca do seu filhinho querido, nas mãos da ditadura malvada. Mas a história de Zuzu não é só isso. Porque só isso vira drama mexicano. Seria preciso dar ênfase também ao contexto em que a luta de Zuzu transcorreu, para se entender melhor o que essa mãe teve que enfrentar, para se conhecer melhor a luta do filho, para se conhecer melhor o Brasil que Stuart queria mudar. E é justamente aí que o filme escorrega.
Talvez devido ao baixo orçamento, a restituição de época é falha, a seleção das músicas, infeliz, e as interpretações da maioria do elenco são decepcionantes. O problema de muitos atores brasileiros é que eles não conseguem se desvincular dos seus trabalhos nas novelas e levam para a tela atuações-clichês e pouco inspiradas. É o caso de Paulo Betti no papel de Lamarca, que repetiu as mesmas caras-e-bocas com as quais havia interpretado o mesmo guerrilheiro, no filme de 1991. Patrícia Pillar é dramática, mas não emociona no papel de Zuzu e Luciana Piovani no papel de Elke Maravilha é de fazer chorar de pena. Daniel de Oliveira também não convence como Stuart e até o veterano Othon Bastos está caricato como o brigadeiro que preside o inquérito sobre a morte do guerrilheiro. Durante toda a exibição, sentimos a desconfortável sensação de estarmos assistindo a um especial de tv e temos a impressão de que ouviremos o Plin-Plin! da Globo a qualquer momento.
Tudo isso é fruto de uma direção descuidada e oportunista que optou pelo mais fácil. Lógico que o drama de uma mãe atrás do corpo do filho levaria multidões aos cinemas. Ele sabia disso. Só não parece entender que Zuzu não foi uma mãe qualquer e sim um mito. Um mito que merecia muito mais do que ser morto pela terceira vez, num filme tão decepcionante.
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Em 13 de abril deste ano, prestando uma homenagem a Zuzu Angel, postei o texto abaixo e avisei sobre o lançamento do filme em questão. Sugiro àqueles que não leram o texto e ainda pretendam assistir ao filme, que o leiam antes para entender o que foi o mito Zuzu.
Zuzu
Por volta das 8 horas da manhã de 14 de maio de 1971, um opala seguia pela avenida 28 de setembro (hoje bouleavard), no bairro boêmio de Vila Isabel, quando foi cercado por dois outros veículos de cor preta. Homens de terno escuros saltaram destes dois últimos veículos, já com armas em punho, e tiraram do opala um jovem de boa aparência, que não demonstrou reação. Os homens eram membros do CISA, Centro de Informações da Aeronáutica. Um deles tomou a direção do opala, enquanto o jovem bonitão era levado para um dos carros de cor preta. Foi a última vez que o jovem bonitão foi visto em público.Na zona sul, no outro lado da cidade, uma mãe deve ter recebido um e-mail da sua intuição materna: "Aconteceu aquilo que você mais temia."
A mãe aflita em questão era a maior estilista do país, a mineira ZuLeika Angel Jones, que na época tinha uma coluna de moda no O Globo. Seu filho Stuart Edgard Angel Jones, que havia completado 26 anos em 11 de janeiro, estava na clandestinidade desde 1969 e podia ser preso a qualquer momento. Seu retrato constava em um cartaz colado em muros e postes pela cidade. Também em aeropostos e outros locais públicos. Seu crime? Ter largado o curso de economia na UFRJ para integrar o grupo de luta armada Movimento Revolucionário 8 de outubro, que lutava contra o regime militar. Ele era casado com Sônia Maria Morais Angel Jones, estudante de administração e economia na UFRJ, militante da Aliança Libertadora Nacional e que, na época estava exilada na frança, após ter sido presa numa panfletagem no feriado de 01/05/69, na Praça Tiradentes e libertada em agosto do mesmo ano.
Com a entrada de seu filho na luta armada, Zuzu começou a se aproximar de autoridades do governo, inclusive costurando para a primeira dama, Yolanda Costa e Silva. Também passou a manter contato com importantes autoridades internacionais, para o caso de vir a precisar delas. Foram dois anos de angústia até o e-mail da intuição.
Quando foi preso, Stuart estava indo se encontrar com Alex Polari, outro integrante do MR-8, com quem teria um ponto - como os guerrilheiros chamavam seus encontros - às 10h. Mal sabia que Alex havia sido preso na véspera. Bastante torturado, concordou em levar os militares ao local do ponto. Mas para despistar ele disse que o horário marcado seria às 8h. Para falta de sorte dos dois, Stuart apareceu mais cedo.
Levado para o CISA, ao lado do então Aeroporto Internacional do Galeão, foi submetido a uma sessão de torturas cruéis, comandadas pelo famoso Brigadeiro Burnier. Por fim, Stuart foi amarrado à traseira de um jeep e arrastado pelo pátio, com a boca presa ao cano de descarga do veículo (vá respirar fumaça de óleo diesel!, como escreveria Chico Buarque em sua Cálice).
Todo esse ritual sangrento foi presenciado por Alex Polari, atrvés de uma pequena janela na porta da cela onde se encontrava. Dias mais tarde, Alex fez chegar a Zuzu uma carta em que contava a forma como Stuart havia sido morto. Imediatamente Zuzu dedicou-se a um outro tipo de desfile. Percorreu órgãos da imprensa, aqui e no exterior, denunciando a morte do seu filho querido. O governo do general Médici, que jurava que não havia tortura no Brasil, ficou irado. Um processo foi aberto para apurar as denúncias. Zuzu comparecia às audiências, na Auditoria Militar, usando elegantes vestidos negros e um ainda mais elegante véu negro encobrindo o seu rosto. "Estou de luto pelo meu filho." , dizia à imprensa. Furiosos, os militares continuavam negando a morte do estudante. Os cartazes com sua foto continuavam a ser espalhados cinicamente pela cidade. Zuzu continuou a sua luta. Chegava a fazer pequenos discursos em lugares públicos, irritando ainda mais os militares. Ela chegou a ser convidada a visitar o sinistro DOI-CODI, no sombrio quartel do Exército na rua Barão de Mesquita. Lá encontrou dependências limpas e nenhum sinal das torturas que, hoje se sabe, eram praticadas ali. No final da visita, Zuzu virou-se para o comandante que a acompanhava e disse: "Sr. comandante, demita o seu oficial do dia! Ele é um incompetente! Ele não sabe nem armar uma mentira. O senhor acha que irei acreditar nessas camas com lençóis esticadinhos deste jeito?"
A farsa teve fim em setembro do mesmo ano, quando um reltório da marinha foi divulgado, dizendo que Stuart havia sido morto num tiroteio com membros da repressão, em 05 de janeiro de 1971. Mas o corpo estranhamente não fora encontrado. A Aeronáutica negava qualquer envolvimento e o fato de que Stuart tivesse passado por suas dependências.
Zuzu lançou-se então em outra luta: recuperar o corpo do seu filho, que nunca seria encontrado. Há suspeitas de que tenha sido jogado na Baía de Guanabara de um helicóptero da aeronáutica.
Com a imprensa brasileira ainda sob os rigores da censura, Zuzu passou a distribuir cartas a autoridades internacionais, explicando a sua luta. O senador Edward Kennedy chegou a levar o caso ao congresso norte-americano, o que deixou Médice roxo de raiva. Zuzu conseguiu o apoio também de artistas como Liza Minelli, Joan Crawford, Kim Novak, Veruska, Jean Shrimpton e Margot Fontein. Em 1972, chegou a fazer, em Nova Iorque, um desfile de roupas com desenhos de tanques, armas e muitos anjos. Símbolos da repressão que se vivia por aqui e também do seu filho.
Nessa época, Sônia, a viúva de Stuart volta clandestina ao Brasil e promete ajudar Zuzu a esclarecer a morte do marido e localizar o seu corpo. Mas pouco pôde fazer, pois foi presa juntamente com Antônio Carlos Bicalho Lana, em novembro de 1973, numa viagem de ônibus entre São Vicente e São Paulo. Ambos foram mortos sob tortura, num caso ainda não esclarecido. Assim como Stuart, os dois constam na lista dos desaperecidos políticos.
Zuzu também passou a ser perseguida, enquanto continuava sua luta incansável. Recebia telefonemas anônimos, teve a correspondência violada, o telefone grampeado e era seguida nas ruas por carros suspeitos. Aconselhava as filhas a sempre andarem pelo meio da rua à noite, para o caso de precisarem fugir.
Chegou a ser detida em 1975, na porta do hotel Sheraton, na zona sul do Rio, ao interpelar o Secretário de Estado dos EUA, Henry Kinsinger, em visita ao Brasil. Zuzu conseguiu entregar-lhe uma carta na qual contava o seu martírio. Os militares chamavam-na de louca e continuavam a negar que Stuart tivesse morrido sob torturas.
Depois desse episódio no Sheraton, Zuzu passou a temer pela própria vida e começou a enviar cartas a amigos dizendo que se "algum acidente vier a acontecer comigo, os culpados serão os mesmos que tiraram a vida do meu amado filho."
O último a receber a tal carta foi Chico Buarque, que pouco pôde fazer, pois a censura não dava trégua à imprensa. Apenas compôs Angélica, canção lançada anos mais tarde.
Zuzu morreria uma semana depois, por volta das 3h da madrugada de 14 de abril de 1976. Ela havia saído de uma festa e espatifou o seu carro na atual Auto-Estrada Lagoa-Barra, próximo à entrada do Túnel que hoje leva o seu nome, em São Conrado. Não foram encontrados sinais de derrapagem, não estava chovendo e várias testemunhas garantiram que ela não havia bebido nada na festa. Mesmo assim, a perícia fechou o laudo como "vítima de acidente automobilístico". E ponto final. Ninguém discordava da perícia naquela época. Foi mais um fato sinistro numa época sinistra.
Ufa! Você acha que a vida de Zuzu daria um filme? Pois é justamente isso que acabou de acontecer. Zuzu Angel é o drama que o cineasta Sérgio Rezende deverá estrear em 04 de agosto, com Patrícia Pilar na pele da protagonista, Daniel de Oliveira como Stuart e Leandra Leal como Sônia.
Uma bela homenagem a essa brasileira que é um exemplo de coragem e, por isso mesmo, tem feito muita falta, nessas três décadas de sua ausência.
Luz pra você, Zuzu.

terça-feira, agosto 22, 2006

Foi Bonita a Festa!


Rosana Hermann, rápida no gatilho, faz uma das suas muitas observações inteligentes. À sua esquerda, uma tímida Raquel-Bruna-Surfistinha-Pacheco. À direita, o jornalista Marcelo Duarte. Ao seu lado, Indigo, e na ponta, Ivana Arruda.

E está dando o que falar o debate “Blog e Literatura: Blog é Literatura?”, que rolou na tarde do último sábado, em meio à Primavera dos Livros, no Centro Cultural São Paulo. O tema já está meio gasto, vamos combinar. Pois, desde que os primeiros blogs literários surgiram que se tenta responder esta pergunta. Mesmo depois do blogueiro Marcelino Freire, ter ganho recentemente o Jabuti pelo seu livro Contos Negreiros e outros como Daniel Galera terem sido contratados por grandes editoras.
O debate tendia a repetir o mesmo blá-blá-blá de sempre. Mas não foi. As poucas dezenas de pessoas que compareceram àquele auditorio, assistiram um bate-papo agradável e esclarecedor de quatro mulheres que blogam por motivos diferentes, mas com a mesma paixão. Eram elas, Raquel Pacheco, mas conhecida como Bruna Surfistinha, sobre a qual já postei aqui; Rosana Hermann, jornalista/escritora, dona do famosíssimo Querido Leitor; Índigo, escritora voltada para o público infantil e a veterana Ivana Arruda, que tem o seu Doidivana. Mediadas pelo jornalista Marcelo Duarte, que tem o site Guia dos Curiosos, as quatro passaram pouco mais de uma hora falando dos motivos que a levaram a blogar (Raquel, necessidade de desabafar; Rosana, continuar a fazer textos jornalísticos, após ter perdido o emprego na Folha; Indigo e Ivana, pela necessidade de obter uma resposta mais rápida do público em relação aos seus textos, sem ter que esperar seus livros serem publicados), falaram também das suas relações com o público (Raquel teve textos copiados e Rosana foi ameaçada de morte), a preparação dos seus posts (Índigo os faz como rascunhos do que deverá ser publicado e Ivana costuma postar contos inéditos sempre que quer se vingar da editora que está lhe devendo alguma grana), sobre a importância dos blogs em suas vidas (neste ponto todas combinaram que não vivem sem os seus sites, embora de vez em quando lhes bata aquela vontade de deletá-los). Enfim, assuntos de meu interesse e de todos nós. Aliás, na platéia, blogueiros velhos de guerra e os quais eu admiro, como o Idelber, o Alexandre Inagaki (recentemente o seu Pensar Enlouquecefoi eleito pela revista Época, como um dos melhores do Brasil), a Andréa Del Fuego, a Lucia do Frankamente e o Biajoni.
Em resumo, foi um encontro nada acadêmico ou científico, mas simpático, agradável, sincero e, de certa forma, esclarecedor, com gente que simplesmente bloga como tantos outros e teve o seu trabalho reconhecido (Rosana com cerca de um milhão de acessos por dia e as outras com livros publicados). A pergunta principal não foi respondida. Na verdade, a resposta estava lá fora. Seja no encontro com o Daniel Galera lendo trechos do seu livro ou na emocionante leitura do Marcelino Freire, lendo um conto inédito chamado Da Paz, sobre a hipocrisia da sociedade diante do desafio PCC. Era só dar uma circulada pelos estandes das pequenas editoras e encontrar vários livros de blogueiros.
Aliás, quanto ao evento em si, achei muito organizado, com os encontros e palestras começando mais ou menos no horário, o local muito apropriado com cafés e bibliotecas, bem localizado, próximo ao Centro e com uma estação do metrô perto. Os preços estavam convidativos, mas o número de estandes eram bem inferior aos da Primavera carioca. Em todo caso, foi uma bela festa.
Foi Bom ter ido a Sampa e ter visto de perto tanta gente que tanto admiro virtualmente. O dramaturgo Mário Bortolotto circulava por ali, assim como o escritor Marçal Aquino e o escritor e agitador literário Claudinei Vieira. Tanta gente boa e talentosa ali, na minha frente, eu pude cumprimentá-los e abraçá-los. Foi bom ter ido a Sampa, cidade que me recebeu tão bem, quando lá morei nos anos 80, pela qual tenho um carinho muito grande e até já expressei isso aqui.
E o dia terminou, como não podia deixar de ser, na Mercearia São Pedro, templo da nova literatura paulistana, e que também já foi motivo de post aqui.
Foi ótimo ter ido a Sampa.



Mesa concorrida. Eu, Vidal da Bagatelas, lá atrás, o cabeludo de camisa vermelha é o Marcelino Freire com uma amiga. No outro lado, as escritoras Indigo (de azul) e Andréa Del Fuego (de óculos) e o casal Diego Landucci e Tatiana Bortolozzo, donos da Livraria do Crime.
Aí embaixo, mais Mercearia. Eu, Vidal e o casal da Livraria criminosa.


domingo, agosto 20, 2006

40 anos do Revolver


Diz a lenda que numa tarde do verão de 1966, Phil Lesh, o guitarrista e fundador da banda psicodélica Grateful Dead caminhava por uma rua de São Francisco, quando um amigo, eufórico, o carregou para o interior de uma loja de discos.
"Ouça essa música que está tocando! Ela vem daqui."
Lesh olhou para o disco nas mãos do amigo e, por alguns segundos, ficou sem respiração.
"Cara, eles entraram na nossa!", finalmente conseguiu dizer.
A surpresa dos dois tem sentido. Até então o psicodélismo era tido como coisa de hippie doidão da Califórnia e, embora estivesse crescendo a passos largos, a mídia insisistia em desprezá-lo. Mas o que aconteceria quando o maior grupo musical da época começasse a fazer aquele som revolucionário?
Durante muito tempo ninguém ousava negar que Seargent Peppers Lonely Hearts Club Band era o melhor trabalho dos The Beatles. Até que algum corajoso questionou se o disco anterior, lançado em agosto de 1966, não mereceria o posto. Se querem a minha opinião, tenho dúvidas. Mas a única certeza que tenho é que Revolver é um dos melhores trabalhos da década de 60.
Este lp foi lançado numa época em que o quarteto estava se esforçado para melhorar a qualidade do seu som, depois de serem taxados de medíocres por seu ídolo, um cara chamado Bob Dylan. A primeira providência foi não lançar mais dois álbuns por ano e, sim, concentrar-se na realização de um único. A segunda, e mais drástica, foi abandonar os palcos, já que desde o lp Rubber Soul, de 1965, eles haviam timidamente começado a navegar nos mares perigosos do experimentalismo psicodélico e estava cada vez mais difícil levar tanta sofisticação sonora para os shows.
Revolver assume o que Rubber Soul apenas insinuava: uma mudança radical nos rumos da banda inglesa. A capa desenhada por Klaus Voormann já demonstra a perda de inocência pela qual os rapazes passavam, principalmente por causa do uso de drogas. Muitos destacam os complicados arranjos de algumas faixas, consideradas revolucionários para a época, como em Got to get Into My Life ou na intrincada sonoridade de Tomorrow Never Knows, faixa que encerra o álbum e que foi o motivo da surpresa de Phil Lesh e seu amigo. Eu prefiro jogar os holofotes sobre as letras muito bem cuidadas, aliás, uma preocupação cada vez mais constante no mundo do rock, de então, desde a chegada do furacão Dylan. Podia citar a ironia da primeira faixa, Taxman, ou a criatividade de I´m Only Sleeping ou na beleza singela de Here, There and Everywhere. Mas não dá para deixar de destacar Eleonor Rigby, em que, através de frases maduras como...
...ela espera na janela
com uma expressão facial que mantem num jarro
atrás da porta.
Para quem?
Oh, os solitários!
De onde eles vem?
Oh, os solitários!
A que lugar eles pertencem?
...os Beatles calaram a boca de Dylan.
Aliás, letras, sons, arranjos e melodias, tudo neste álbum ainda nos causa surpresa, quarenta anos após o seu lançamento. Não que ele ainda choque ou seja revolucionário. Mas é que ele nos lembra que já houve um tempo em que os discos ainda nos surpreendiam.

terça-feira, agosto 15, 2006

Viagra Sonoro

"Coloquei-a sobre a pia. Ela abriu suas pernas e o que havia entre elas me excitou ainda mais. Atraquei-me com ela com violência, como um bicho. Fodemos sujos como os bichos; sórdidos como os humanos. Quando terminamos e a vi sair, me sentia realmente mais forte e poderoso. Era como se tivesse o poder de salvar vidas. Eu havia sido bom o bastante para curá-la."
Trecho do meu conto O Caso Elizabeth Lewd, do meu livro Crimes e Perversões, a ser lançado em breve.


Nos anos 70, velhos boêmios cariocas costumavam dizer que não existia mulher difícil e sim cantada mal dada. Atualmente eu adcionaria: e também trilhas sonoras erradas.
Músicas sensuais que servem de pano de fundo para um momento romântico ou sexual, não são coisas novas. Nancy Sinatra cantando Fever ou Let´s get it on e Sexual Healing do mestre Marvin Gaye são exemplos. Mas com o aparecimento do vídeo-clipe, a coisa cresceu.
Cherish The Day é do cd Love Deluxe e tocava muito em motéis, em 1992. O curioso é que, ao contrário das outras canções citadas, ela nem tem uma letra com apelo erótico, mas a melodia é de uma sensualidade tão envolvente que nem mesmo septuagenário durante uma crise de depressão conseguiria ficar indiferente.
Convide aquela pessoa especial para um jantar a meia luz, um bom vinho e Sade surrando esta canção ao fundo e depois me conte o resultado.
O vídeo é uma beleza. E caso você esteja sozinha(o), com essa música acontece algo estranho. Mesmo que você a esteja ouvindo no rádio de um fusquinha, em meio a um engarrafamento, será como estar num conversível importado, correndo pelas areias de uma praia deserta. Ela faz você viajar, faz você se sentir sensual, faz você se sentir bem, faz você massagear a sua alma, o que muitas vezes, é melhor do que muito sexo que há por aí. É como fazer sexo consigo mesmo sem utilizar as mãos.
Por isso, faça um bem para sua alma. Aperte o play, aperte o pause e dê um tempo. Vá fazer outras coisas, enquanto o vídeo é carregado. Relaxe, abra um vinho ou cerveja, sei lá! Depois paperte o play de novo e tenha um loooooooongo prazer.
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*** No resto da semana não vai haver mais posts. Vou dar um pulinho em Sampa e volto já. Fiquem quietinhos. Até a volta. Fui!

sexta-feira, agosto 11, 2006

Uma Avenida Chamada Dropsie

Três vagabundos grandalhões estão na frente de um prédio decadente. Estão esperando por um rapaz judeu para surrá-lo. Só por diversão.
Para se divertirem ainda mais, eles resolvem dar uma chance ao coitado. Ele deverá escolher entre dois papéis enrolados e com algo escrito, nas mãos do vagabundo-líder. Se o judeu tirasse o papel onde estaria escrito INOCENTE, ele seria liberado. Caso o contrário...
Só que nos dois papéis estaria escrito CULPADO.
Então, o jovem judeu, muito franzino, chega e é forçado a participar da brincadeira. Ele abre o papel escolhido, arregala os olhos ao ler o que está escrito e engole o papel.
"Ei, você engoliu. Como vamos saber se era culpado ou inocente?" - pergunta um dos vagabundos, irado.
"Pegue o outro papel?", pede o jovem judeu, "Então? O que está escrito?"
"CULPADO.", responde o grandalhão.
"Então quer dizer que sou inocente.", diz o judeu, saindo apressado, em seguida, deixando os vagabundos com cara de otários.

Semana passada fui assitir Avenida Dropsie, o espetáculo que está causando no Rio o mesmo frisson que causou em São Paulo em 2005. A peça, em cartaz no Conjunto Cultural da Caixa Econômica, é toda baseada na obra homônima do famosíssimo artista gráfico Will Eisner, cuja a capa está lá em cima. Parece que os quadrinhos estão mesmo na moda. Depois do sucesso no cinema no ano passado em Sin City, obra de Frank Miller, agora fazem bonito no palco, neste espetáculo, onde o universo criado por Eisner é tratado com uma maestria pouco vista até hoje na história dos palcos brasileiros. Isso graças ao roteiro e a direção primorosa de Felipe Hirsch e as interpretações fantásticas dos 8 atores do grupo curitibano Sutil Companhia (Guilherme Weber, Erica Migon, Duda Mamberti, Graziella Moretto, Leonardo Medeiros, Paulo Alves, Mauro Zanatta e Maureen Miranda), que interpretam mais de cem personagens. Fora isso, existe o cenário, os figurinos, a trilha sonora (com músicas que vão do jazz ao rap) e os pequenos efeitos especiais - como o aguaceiro (5 mil litros de água) de cerca de vinte minutos que desaba em pleno palco. E há ainda a narração de Gianfrancesco Guarnieri, que ainda estava vivo na montagem paulista, e que fica muito mais emocionante na montagem carioca. Tudo é bonito e bem feito em Avenida Dropsie.
Na verdade, a obra de Eisner é uma colcha de retalhos de fragmentos do cotidiano do que se passa na frente e dentro de um prédio em Nova Iorque. Bêbados, mendigos, vagabundos, viciados, assaltantes, namorados, tarados, amantes, golpistas, idosos, judeus, imigrantes. Todos são personagens das centenas de pequenas cenas que formam a colcha do panorama da vida numa cidade grande. Seu lado humano e seu lado monstruoso. Seus dramas e suas situações cômicas. Tudo é contado em cenas muito pequenas, isoladas, mas que de alguma forma se interligam. O Embate entre os grandalhões e o rapaz judeu é uma das histórias.
Quando as duas horas de encenação terminam, o espectador está extasiado com tanta beleza, emoção e virtuosismo. Pra quem gosta de teatro, como eu, foi um orgasmo triplo!
Na verdade, não acho que Avenida Dropsie seja um espetáculo teatral. É um acontecimento teatral.

Salve Jorge!


"Vadinho o primeiro marido de dona Flor, morreu num domingo de carnaval, pela manhã, quando, fantasiado de baiana, sambava num bloco, na miaor animação, no Largo Dois de Julho, não longe de sua casa. Não pertencia ao bloco, acabara de nele misturar-se, em companhia de mais quatro amigos, todos com traje de baiana, e vinham de um bar no Cabeça onde o uisque correra farto à custa de um certo Moysés Alves, fazendeiro de cacau, rico e perdulário."

Este é o parágrafo incial de Dona Flor e Seus Dois Maridos.

No último dia 10, Jorge Amado de Faria, completaria 94 anos, se vivo fosse. Idolatrado por uns e menosprezado por outros, o autor de clássicos como Dona Flor, Capitães de Areia, Mar Morto e Tereza Batista Cansada de Guerra, entre outros, é o escritor nacional mais popular em todo mundo, depois do mago Paulo Coelho. Criou personagens inesquecíveis e foi sucesso no cinema - Dona Flor é até hoje o campeão de bilheteria na história do nosso cinema - e na tv. Por tudo isso e muito mais, o marido da dona Zélia merece a homenagem que está sendo prestada a ele na Festa Literária de Paraty. E merece também todo o nosso respeito. Salve Jorge!

quarta-feira, agosto 09, 2006

O Rio de Janeiro Continua Lindo...

"Então, falei, pensativa, que não conseguiria viver longe do Rio. “Sua beleza me esbofeteia. É uma beleza arrogante, prepotente. Eu e esta cidade mantemos uma relação imoral de sadomasoquismo explícito.”
Trecho do meu romance A Arte de Odiar.

Não sei até quando. Portanto, corra e mergulhe aqui.

A Solidão dos Privilegiados

Foto: Site Treck Lens

Há alguns posts atrás eu escrevi sobre pessoas que, por serem especiais, não conseguem se encaixar neste mundo. Pois voltei a pensar nisso, ao ler Gênios Da Vida Real, um artigo escrito pelo Julio Dario Borges, do Digestivo Cultural, e que nasceu após um e-mail recebido de uma leitora que não quis se identificar. O texto, além de muito sofrido, é quase um pedido de socorro e expõe o drama daqueles que vivem num país que despreza quem têm um quoeficiente de inteligência acima da média e, com isso, é condenado á mais terrível solidão. O Brasil definitivamente não sabe aproveitar os seus gênios e o depoimento desta mulher emociona pela coragem de expor a dor que não é só dela, é de milhares de outros que vivem calados, acuados, sentindo-se culpados por serem especiais.
Tomo a liberdade de reproduzir um trecho dessa matéria:

"Sabe, eu fui menina-prodígio, e do tipo raro, porque dominava mais de uma linguagem criativa: cantava afinadíssima desde os três anos, decorando letras em duas línguas além do português: o italiano e o francês. Desenhava desde os dois anos figuras humanas com olhos e bocas. Aprendi a ler e a escrever sozinha dos três aos quatro anos e escrevia poemas aos seis.Minha mãe e meu pai não sabiam o que fazer comigo, mas guardaram os registros: tenho fita gravada da minha voz, primeiros desenhos, poemas. Fiz um teste de QI aos cinco anos mas nunca me disseram o resultado exato, mas sei que foi bem acima da curva de Gauss. A pedagoga, segundo minha mãe, sugeriu que eu levasse uma vida tão normal quanto possível, estudando num colégio normal, etc, etc.Contudo, quando a gente é mesmo muito diferente, não adianta: a gente sofre muito. Não tô fazendo apologia do sofrimento de artista não, é sério. Fiz tentativa de suicídio duas vezes. Fiz psicoterapia (o que me salvou e ainda me salva quando estou no limite) muito tempo. Tiro um transtorno bipolar grau 4 de letra.Tô te confidenciando isso pq o artigo me tocou muito. Ninguém consegue ficar perto de gente anormal (acima da média do anormal, quero dizer, pq de perto...) muito tempo. É horrível. Na escola, na faculdade, vc tem sempre a sensação de estar absolutamente só, ser sempre o discordante, de não ter um grupo com o qual se identifique, e quando se tem um temperamento agressivo e se fala muito, como é o meu caso, consegue discutir e se dar muito mal na maioria das vezes, por mais bem intencionado que vc seja."

Para ler a matéria completa, mergulhe aqui.


Atoladinho - Reloaded




Pois é, gente. A chapa voltou a esquentar. Estou sem tempo de novo e os posts voltarão a ficar temporariamente curtinhos e esparços.

Peço perdão também por não estar respondendo aos comentários e por não estar visitando todos os blogs amigos como eu gostaria.

Grato pela compreensão

A gerência

domingo, agosto 06, 2006

Eu Quero A Minha MTV

Por volta do meio dia de 1 de agosto de 1981, os americanos que sintonizavam uma faixa de tv a cabo, levaram um susto ao ver as imagens de um foguete sendo lançado e a voz cavernosa de John Lack anunciando: "Ladies and Gentlesmen, rock and roll". Na verdade, estava entrando no ar muito mais do que isso. Era o início de um dos maiores fenômenos ocorridos na tv mundial.
Para explicar esta história precisamos voltar um pouco no tempo, mais precisamente para os meados dos loucos anos 60. Naquela época, gente como o recém-falecido Syd Barret, já como líder do Pink Floyd, tinha a idéia de colocar em seus shows, pequenas telas, onde eram exibidos espécies de vídeos, cuja a trilha sonora era a música que a banda estava tocando no palco. Era algo bem rústico, sem roteiro e nem cuidados especiais. No outro lado do mundo, em São Francisco, Jerry Garcia, do psicodélico Grateful Dead, também passava a exibir imagens em telas para embalarem seus concertos muito loucos que, às vezes, chegavam a durar mais de dez horas (quase uma prévia das raves dos anos 90). O próprio Pink Floyd chegou a fazer filmes sobre suas canções. Arnold Lane e See Emily Play, ambas no início de 1967, ganharam pequenos filmes que as utilizavam como trilha sonora. Os próprios Beatles fizeram, na mesma época, filmes com as suas Penny Lane e Strawberry Fields Forever. Eram os primórdios do vídeo-clipe.
É claro que vídeos feitos para promover músicas já haviam sido feitos. Mas o som estava sempre em primeiro plano e a imagem era a coadjuvante. Agora som e imagem recebiam o mesmo tratamento, pois tinham a mesma importância. Um casamento perfeito!
O som psicodélico havia surgido para se exercitar a mente. Era como se fosse a trilha sonora para longas viagens de LSD. E esta onda psicodélica originou o rock progressivo, que igualmente massageava a mente, embora de uma forma menos experimental. Nos anos 70 fui a algumas festinhas, onde entre um tapa e outro, deitava-se (da mesma forma que a garotada se esparrama em lounges nos dias atuais) em enormes e coloridos almofadões indianos, espalhados pelo chão, para curtir longas viagens ao som de Yes, Pink Floyd, Jethro Tull, King Crimson, Gênesis, etc.
Nessa época a indústria do vídeo-clipe ainda não havia prosperado, devido ao alto custo de se produzi-los e também pela falta de locais onde pudessem ser exibidos. Para tentar resolver o problema, surgiu na tv americana, um programa chamado PopClips, no qual vídeos de sucessos da época eram mostrados e votados pelo público.
Em 1977, a Warner-Amex Cable se juntaria a American Express para criar um sistema interativo de tv a cabo voltado para o entretenimento, chamado Qube, que na verdade era um pool de pequenos canais especializados para determinados públicos. Um deles era o Sight On Sound, que mostrava shows e programas musicais, nos quais o público também podia votar em seus artistas.
Esta foi a idéia que gerou a Music Television, que iria ao ar oficialmente naquele verão de 1981.
E a indústria do entretenimento nunca mais foi a mesma.
Um canal de tv especializado em vídeo-clipes logo chamou a atenção e foi inicialmente visto apenas como uma curiosidade. Naquela época os vídeos eram de uma pobreza de dar dó. Mesmo assim em dois anos, a jovem MTV já disputava audiência com até mesmo a veterana CBS. Por trás disso tudo estava o talento do visionário produtor Bob Pittman, um veterano dos anos 60 e que devia ter se deitado em muito almofadão indiano, para sonhar com um canal de tv onde som e imagem pudessem ter uma relação equilibrada.
Como sempre, nem tudo foram flores. O primeiro problema foi a acusação, por parte dos artistas negros, de que o novo canal era racista. Realmente não se via irmãozinhos de cor ali, embora o rap e o hip hop estivesse em ascensão. Mas quando Michael Jackson chegou no topo da Billboard e por lá ficou durante quase um ano com Thriller, não deu outra. Um negro finalmente estreava na tv musical mais bem sucedida do planeta.
Depois vieram as críticas dos mais exigentes, que acusavam Pittman de ter traído a geração-almofadão-indiano, ao criar um canal que funcionava como um delivery de fantasias, dando aos espectadores viagens mentais já prontas, impedindo-os de criar as sua próprias em cima das músicas.
Por outro lado, houve quem acusasse o canal de assassinar a fantasia que se criava também a respeito dos ídolos. Ou seja, se por um lado, o jovem podia ficar meses ou anos criando expectativas em torno da experiência de assistir a um David Bowie cantar, agora, era só ligar a tv e Bowie surgia na tela várias vezes ao dia.
Mas enquanto os cães ladravam a MTV crescia e no final dos 80 já estava tão presente no dia-a-dia do jovem americano, que passou a influenciar também a forma de se fazer tv e até o cinema. Nascia a chamada “linguagem MTV”, rápida, informativa e fragmentada, que fez muito diretor hollywoodiano arrancar os cabelos para adaptar os seus roteiros.
Na música, o surgimento da Music Television foi devastador. De repente, o apelo visual passou a ser mais importante. Não era por acaso o festival de roupas sensuais, cabeleiras coloridas e horríveis topetes que surgiam na década de 80. Parece que aparecer na MTV era obrigatório. Isso fez com que muitos artistas passassem a compor já em função do vídeo-clipe. Bandas como Duran Duran, The Police, A-ha, New Order e artistas como Prince, Cindy Lauper e George Michael são alguns dos muitos que têm a agradecer ao canal. Em 1985, os ingleses do Dire Straits cantavam na faixa da sua música Money For Nothing, o slogan do canal: I Want My MTV, como numa espécie de bajulação. Quem mais tirou vantagem disso tudo foi a espertíssima Madonna. Quem não se lembra da loura, vestida de noiva, rolando no chão, enquanto cantava Like a Virgn, na entrega do I MTV Awards? A própria Madonna seria protagonista de outros dois escandalosos vídeos. Primeiro, o de Like a Prayer, do cd I´m Breathless, em março de 1989, quando contracenava com um Jesus Cristo Negro. Depois, no vídeo de Justify My Love, com cenas de troca de carícias entre travestis, lesbianismos, sadomasoquismo e sexo tórrido. O vídeo foi lançado no dia 20 de outubro de 1990. No dia seguinte, o jornal New York Post, colocava na capa a foto de uma das cenas do clipe e, em letras garrafais: VAGABUNDA!!! Era mais um gol de placa de Madonna.
Nessa época, surgia a MTV brasileira – a européia e a latina já existiam. E hoje já são 30. O impacto da sua entrada no país foi mais lento, mas forte. Até a poderosa Globo teve que fazer algumas adaptações para competir com a suposta ameaça que chegara. Quando a MTV anunciou que iria lançar o vídeo de Justify My Love, por exemplo, a Globo correu e lançou toda aquela putaria na hora do jantar, no Fantástico, um dia antes.
Com o passar do tempo o canal passou a se dedicar a programas diversos, de talk-shows a desenhos animados. A audiência caiu nos EUA e eles criaram outros canais de músicas com a marca MTV. Em janeiro deste ano, o canal entrou na era da alta definição, transmitindo de um único estúdio, todos os canais da, agora, rede MTV. São eles: MTV, com a programação tradicional; o VH1, com programas diversos, como reality shows, por exemplo; e o CMT, voltado para o público de country music. Há ainda o MTV2, 24 horas de vídeo-clipes e programas sobre música.
Mas apesar de todas as críticas, sempre amei o canal 25 da NET. Tenho fitas e mais fitas dos anos 90, testemunhando o nascimento, apogeu e morte do movimento grunge e o sucesso de bandas como Alice ´n Chains, Black Clowes, Pearl Jam, Massive Atack e artistas como Bjork, Tori Amos, P.J. Harvey e Nick Cave. Lembro-me de programas espertos como X-po sobre música eletrônica e o Yo! MTV, sobre som negro; drops de reportagens sobre o festival Loolapalloza; o Lado B, com o Flavio Massari, sobre músicas alternativas de bandas que logo chegariam ao estrelato, como Nine Inch Nails e Smashing Pumpkins; um outro chamado Clássicos MTV, mostrando bandas dos 60 e 70; e os famosos Rock History, mostrando a carreira de determinado grupo ou artista. Um deles foi sobre o Floyd. E ao ver Syd Barret cantar na tela, juro que percebi um sorriso zombeteiro, como se dissesse: “Eu sabia que iria acabar nisso.”
Feliz aniversário MTV!

sexta-feira, agosto 04, 2006

Cadê o aluno que estava aqui?


“A cada hora 31 crianças abandonam a escola no Brasil. De cada 100 crianças matriculadas no primeiro ano do ensino público, somente 57 chegam à oitava série e desses uma parte substancial chega com vários anos de atraso e – como se não bastasse – a maioria sem condições de aproveitar o que quer que seja de seu “ensino”.”


O trecho acima está no jornal MontBläat, número 192, de 25 de julho último.
Às vezes me sinto um idiota por estar produzindo literatura neste país.