sábado, agosto 29, 2009

A bela e cruel história do preconceito

O título deste post talvez desse um bom filme ou uma peça de teatro. Seria um trabalho bonito porque mostraria que muitos preconceitos morreram. Mas, por outro lado, seria feio porque outros surgiram na mesma proporção.

Sou de uma época em que uma mulher separada, por exemplo, era mal vista. Uma mulher que ousasse a discutir sexo com o parceiro, seria taxada, se tivesse sorte, no mínimo de vagabunda. Um homem que deixasse aflorar sua sensibilidade ou admitisse ajudar a mulher nas tarefas domésticas, ouviria piadinhas. Um homem ganhasse menos do que a parceira, seria olhado com desconfiança e a sua parceira seria taxada por sem vergonha, por sustentá-lo. Casamentos intraraciais eram considerados quase que um pecado. A menina que optasse por permanecer virgem, um rapaz que dissesse que frequentava um local GLS (na verdade essa sigla nem exisita), o homem que optasse por não ingerir nenhum tipo de alcóol ou se uma mulher dissesse que estava abrindo mão do casamento para se dedicar a sua carreira, então, teriam muito que se explicar!
Os tempos mudaram e os costumes também. E com eles, novos preconceitos nasceram. E este post é sobre um deles.

Que as pessoas estão cuidando mais da saúde e, como consequência, estão vivendo mais, ninguém duvida. Nunca fui muito dado a esportes, embora tenha praticado alguns, como surfe, natação e ciclismo. Mas sempre valorizei o que tenho de mais importante. E sigo minha vida dentro dos limites da idade.

Pois bem, outro dia, num evento social, a amiga de uma amiga me perguntou: "Quando é que você vai assumir a sua idade?"

A pergunta caiu como uma bomba, não por eu ter me sentido agredido, mas pelo fato de nunca ter pensado nisso.

"Tenho 50 anos, por quê?", foi a minha resposta.

Então, a pessoa começou a enumerar os motivos pelo qual eu não me comporto como um homem da minha idade: roupas muito básicas, o fato de não viver sem um tênis, gostar de bike, estar sempre com um ipod pendurado, viver em academia, gostar de uma mochila e ter um blog (!).
Demorei alguns segundos para entender que não estava diante apenas de uma simples provocação e, sim, um ato de preconceito, do tipo: Você faz aquilo que eu considero coisa para jovens, então você é um velho ridículo, que não aceita sua idade, perdeu a noção de tempo e não pode ser levado a sério. E como argumentos como esses não podem ficar sem resposta, enchi o peito e despejei tudo o que vou colocar aqui:

1 - Primeiramente, minha roupa preferida é jeans, tênis e camiseta básica, sim. Acho um privilégio poder andar desse jeito, embora nem sempre seja possível. Quando tenho que encarar um terno, encaro sem problemas. Faça uma pesquisa e pergunte a quantos engravatados quiser, e verá que a maioria gostaria de usar um jeans e camiseta básica. Não acho que isso seja coisa apenas de jovens. E se for, 1 X o para você porque não vou deixar de andar básico sempre que puder. Logicamente, não é todo tipo de jeans que uso. Não vou usar nada rasgado ou excessivamente desbotado, nem nos momentos de folga. Assim como não tenho a consciência de que não posso mais usar tatuagem, nem piercings e muito menos, pintar meu cabelo de vermelho;

2 - Quanto a bike, assim como a natação, são as únicas atividades físcias que faço. Talvez eu ficasse ridículo com um skate. Mas conheço gente mais velha que pedala todos os dias. Se consigo fazer na bike o que muito jovem não consegue, devo mais é me orgulhar disso;

3 - Amo música e ipods são um meio prático de se levar música para qualquer lugar. Não ouço heavy metal e nem rap, mas, sim músicas antigas ou que fazem a cabeça de um homem de meia idade;

4 - Levo mochila quando vou comprar alguma coisa ou quando viajo. Prefiro uma mensager bag que caiba laptop. Mas de forma nenhuma acho que uma mochila seja coisa exclusivamente para jovens;

5 - Não vivo em academia. Faço musculação, não por uma questão estética, mas, sim, porque após os trinta, todos sabem que nossa massa muscular começa ir para o espaço e não quero ficar entrevado numa cadeira quando chegar aos 70. Para falar a verdade, detesto academia. Vou lá apenas para fazer meus execícios e dar o fora;

6 - Quanto ao blog, pelo amor de Deus! Se blogar fosse coisa exclusiva para jovens, o escritor português José Saramago deve estar senil. Sinto a necessidade de escrever sobre coisas que, de alguma forma, me tocam. Como este assunto, por exemplo.

Aliás, o principal motivo deste post foram as conversas que tive com algumas pessoas da minha idade e o fato de todas elas estarem sentindo o mesmo tipo de preconceito. Infelizmente, a medicina está nos proporcionando o privilégio de vivermos mais e melhor. Mas a sociedade não evoluiu na mesma velocidade e ainda está presa a padrões de comportamento do século passado.


É uma pena!

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segunda-feira, agosto 24, 2009

O primeiro a gente nunca esquece...

Nunca o ato de se atravessar um rua foi tão badalado.
Mas os Beatles não estão atravessando essa bucólica rua, na parte oeste de Londres á toa.

Há poucos metros desta faixa de pedestres ficava o estúdio Abbey Road, que leva o nome da rua, onde o quarteto havia acabado de gravar o seu último trabalho de sua carreira. Há muitas interpretações. Mas eu acredito que a idéia fosse mostrar o grupo deixando o estúdio, onde eles haviam gravado seu primeiro trabalho, e partindo para algum lugar, deixando algo para trás. Era a melancólica despedida do maior banda da história da música. A foto acima mostra o préido do estúdio Abbey Road, tirada por mim, quando lá estive, há um ano. O local é aberto à visitação.
Aliás, nunca entendi por que os Beatles resolveram lançar o lp Abbey Road primeiro e deixar Let It Be, já gravado, para depois. Se alguém puder me explicar, agradeço.
Como já falei aqui, tenho uma irmã que é onze anos mais velha do que eu. Em agosto de 1969, eu tinha nove anos e ela tinha um namorado que era a cara do John Lennon. Esse namorado estava em Londres naquele mês quando o lp foi lançado e trouxe de presente para ela (o disco sairia no Brasil perto do natal).
Abbey Road foi o primiro disco dos Beatles que curti na minha vida. É uma ironia que o primeiro tenha sido justamente o último. De qualquer forma, é um grande trabalho, com uma mixagem primorosa do George Martin no lado B, um trabalho de produção fantástico de um moleque que era engenheiro de som, chamado Alan Parsons, que mais tarde ficaria famoso ao produzir um dos discos mais marcantes do rock dos anos 70, o Dark Side of The Moon, do Pink Floyd.
Parece que foi ontem, mas lá se vão 4 décadas, desde que o namorado da minha irmã chegou com o disco ainda fresquinho e ficamos o curtindo numa aparelhagem de som pré-histórica. Guardo boas lembranças deste disco.
Mas qual e como foi o seu primeiro disco dos Beatles? Também foi bom pra você?
E aqui está a simpática Abbey Road que recebe milhares de turistas todos os anos e nunca seria conhecida se os Beatles não tivessem a idéia de atravessá-la.
Aliás, eu atravesso ruas todos os dias e nunca entrei para a história. Hummm! Magoei.

* Na trilha sonora: o clássico Here comes the sun, a música que abre o lado B.

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quarta-feira, agosto 19, 2009

Inveja horrorosa

Um dos lugares que mais gosto de visitar quando vou a Nova Iorque, além daqueles que já relacionei aqui, é a Washington Square, no coração do Greenwich Village. Gosto de dar um tempo ali, sentando em um banco, vendo a vida passar.
É no Washington Square que fica a Universidade de Nova Iorque e há um clima muito jovem e alegre por ali, com sempre alguma coisa rolando, sobretudo no verão.
Pois na última vez em que estive por lá, em maio, encontrei a praça fechada para obras. Decepção. Mas, o que fazer...
Pois eis que vejo no excelente New York Daily Photo, sobre o qual já falei aqui, esta imagem, que mostra a nova sensação dos jovens de classe média novaiorquina: nas madrugadas quentes desse verão, tomar banho de roupa e tudo nos chafarizes da recém reaberta Washington Square, depois de uma balada.
O título deste post reflete o meu sentimento ao ler a matéria. Não só por eles serem jovens e estarem fazendo o que sempre quis fazer um dia. Mas por serem jovens numa cidade que os permite tomar banho em paz, em seus chafarizes no meio de uma madrugada de verão.
Ahgr! Se inveja matasse, todos pegariam uma gripe suína!

E deixo vocês com essa foto, enquanto vou dar um pulo ali em São Paulo. Já volto. Comportem-se!

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sexta-feira, agosto 14, 2009

Há 40 anos, nus na hora do jantar

Após quarenta anos, essa é a cara de Woodstock...
Deixe-me explicar: Tá certo, Woodstock envelheceu. Mas esse amoroso casal de meia idade simboliza a atmosfera de amor e paz, em contraponto com a Guerra do Vietnã, que rolava, por um motivo muito especial.
O domingo, 17 de agosto de 1969, terceiro e último dia do festival, amanhecia. Bobbi Kelly e Nick Ercoline, ambos de 20 anos, se abraçavam, sob um edredom. Estavam namorando há pouco mais de dois meses. Haviam ido a Woodstock "apenas para curtir um som." Estavam com com mais três amigos e uma menina californiana que estava sozinha e haviam conhecido no local. A borboleta colorida da foto era dela.
A borboleta, presa a um rústico mastro de madeira, serviu para que eles não se perdessem no mar humano de quinhentas mil pessoas que ali estavam espalhadas.
O casal havia acabado de acordar e, ainda sonolentos, não viram a lente da poderosa câmera do famosíssimo fotógrafo da, hoje extinta, revista Life, Burk Uzzle, voltada para eles.
Por isso, levaram um susto quando um amigo, quase um ano depois, os mostrou na capa do álbum triplo da trilha sonora do festival.
Quando Woodstock completou 20 anos, o casal da foto foi encontrado e os americanos ficaram surpresos ao saberem que havia se casado e ainda viviam juntos.
Pois, eles continuam juntos, têm dois filhos e levam uma vida pacata, cheia de amor e paz, numa cidadezinha próxima à Bethel, onde ocorreu o festival.
Essa linda história de amor do casal símbolo de Woodstock pode ser conferida aqui, na última edição da revista Smithsonian.

Eu tinha nove anos quando aconteceu Woodstock. E a única lembrança que eu guardo, é o sisudo Cid Moreira, de terno e gravata, no sisudo Jornal Nacional, que havia acabado de estreiar, mostrando milhares de jovens nus, tomando banho em lagos e rios da região ou se esparramando pelas pastagens.

Era hora do jantar. Minha irmã tinha 20 anos na época e exclamou um "Que baraaaatooooo!!!", enquanto meus país balançavam a cabeça. "Pouca vergonha!!!!", sussurrou minha mãe.
Mas naquele momento, em todo o mundo, milhares de pais de classe média, como os meus, diziam a mesma coisa.

Há muita lenda em torno da história deste festival. Na verdade, Woodstock surgiu, quando quatro jovens milionários nova iorquinos, estavam procurando uma nova forma de investimento financeiro. Ou seja, a idéia inicial, era se ganhar dinheiro - isso é assunto para um outro post.

Mas parece que até ganhar dinheiro naqueles dias era mais romântico. Os tempos eram outros. A inocência era sem culpa. Aliás, desejo felicidades não só ao casal Bobby e Nick lá em cima, mas a todos aqueles que fizeram Woodstock, símbolo de uma época em que ainda se podia ser inocente.
E minha irmã tinha razão. Foi o maior barato,....bicho!
Na trilha sonora, o americano John Sebastian, cantando Rainbows All Over Your Blues, em Woodstock.

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domingo, agosto 09, 2009

E Os Fantasmas Querem Dançar De Novo

Na noite em que o jornalista Wladimir Herzog, da Folha de São Paulo, foi preso pela primeira vez, no final de outubro de 1975, onze outros companheiros de profissão já se encontravam detidos para depoimentos, no DOI-CODI/SP, orgão da repressão militar na capital paulista.
Todos foram liberados. Herzog seria preso outra vez, no dia 25 daquele mês e não voltou mais para casa. Morreu sobre torturas no mesmo DOI-CODI.
Ser jornalista naqueles tempos era uma profissão de alto risco. Aliás, apurar e denunciar as verdades poderia ser fatal naqueles tempos em que muitas verdades deveriam ser escondidas. Se você, por exemplo, procurar em todos os jornais do período mais negro dos governos militares, não irá encontrar palavras como tortura, censura, repressão ou qualquer outra que pudesse dar uma idéia do que realmente ocorria nos porões da ditadura.
Eu pensei em tudo isso quando li, na semana passada, o caso do desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo, que censurou um jornalista do Estado de São Paulo, por causa de uma matéria sobre o escândalo envolvendo o presidente do Senado, José Sarney. O que leva um membro do judiciário a calar um profissional cuja função é denunciar? Ao refletir sobre isso, senti um arrepio.
A partir de amanhã, dezenas de blogueiros irão participar de uma blogagem coletiva sobre o fato, organizada pelo D.O.. Não costumo participar de blogagens deste tipo, mas não posso me calar. A maioria dos blogueiros que participarão da blogagem não viveram, como eu, aqueles tempos sinistros das verdades incobertas. Eu vivi e temo que eles voltem. Esse foi o motivo do arrepio. Um arrepio de medo e apreensão. O ato deste desembargador pode abrir um precedene perigoso. Talvez seja paranóia minha, mas sinto a presença de fantasmas e horríveis zumbis querendo sair da tumba, como no clipe Thriller do Michael Jacson, para voltar a dançar em volta de nós. E este blog, então, teria que deixar de existir.
Rezo para que seja apenas paranóia de um membro de uma geração que foi castrada e oprimida pelos mesmos fantasmas que querem voltar a dançar.
Quanto ao presidente do Senado, acho que a imprensa já está falando tudo. Mas não devemos esquecer que Sarney não veio de Marte. Nenhuma nave marciana o colocou lá no Senado. Ele foi eleito pelo povo.
Acredito que uma boa parcela do povo brasileiro seja de ótima qualidade e esteja indignada com os últimos acontecimentos. Mas há uma outra que pensa o contrário.
Esse foi o outro motivo pelo qual decidi participar da blogagem. Para me juntar aos que fazem parte da primeira parte que não pode se calar diante dos fatos e quer gritar. Gritar bastante. Gritar mais alto do que a música que os fantasmas insistem em querer dançar.

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domingo, agosto 02, 2009

O avô do PodCast

Está prestes a completar meio século, o programa de notícias policiais mais famoso do rádio carioca: A Patrulha da Cidade, que vai ao ar de segunda a sábado, do meio dia às 13h, na Rádio Tupi.
O programa, que foi ao ar em 02 de janeiro de 1960, criado pelo jornalista Afonso Soares, acabou provocando uma revolução no jeito de se passar a notícia radiofônicamente.
A grande novidade surgiu através de um fato ocasional e bem carioca. Uma noite, Samuel estava batendo papo e tomando umas geladas com o amigo e também jornalista, Nelson Batinga, em um boteco no subúrbio do Méier, quando de repente, rolou uma briga. Dois caras se pegaram no tapa. E assistindo o fato de longe, Batinga teve a idéia de reproduzir o fato em forma de rádio-teatro, transcrevendo até mesmo as gírias e expressões corriqueiras usadas nas ruas. "Assim como tem num jornal a fotografia que fala mais do que palavras, e é a imagem contundente do ocorrido, a Patrulha vai levar das ruas ao microfone e nele com os nossos astros a você em sua casa as ocorrências policiais em pinceladas duras e vivas. ", justificou Batinga a sua idéia.
A partir dali, mudava a forma de se fazer rádio jornalismo. A partir de então, puta passou a falar como puta; bêbado, como bêbado; bandido, como bandido; gay, como gay; traveco, como traveco; policial, como policial e assim por diante. Quando eu escrevia o meu romance A Arte de Odiar, recorri algumas vezes a este impagável programa. Depois de ter trabalhado como policial, eu sabia muito bem como a malandragem falava, mas precisava me atualizar.
E a partir dali, A Patrulha da Cidade nunca mais deixou de ser líder de audiência em seu horário. Mesmo sendo acusada, durante a ditadura militar, como incentivadora do esquadrão da morte. Mesmo sendo acusada de fazer piada com a desgraça alheia. Mesmo sendo acusada de preconceito religioso, sexual e econômico. Curisosamente, as camadas mais baixas da população fazem parte da grande maioria de ouvintes da Patrulha. Como se o povo gostasse de rir da própria desgraça.
O aumento da criminalidade fez com que até mesmo os seus críticos fossem se rendendo ao talento e a originalidade do grupo, que através de esquetes curtíssimas, tentavam amenizar a tragédia cotidiana de uma cidade que via a vida humana valer cada vez menos.
A Patrulha da Cidade bem que poderia ser uma versão pré-histórica dos podcasts de hoje.

No decorrer dos anos, os apresentadores e o elenco de atores foi mudando e hoje é composto pela galera lá de cima. Da esquerda para a direita: o jornalista e comunicador Coelho Lima, os atores Marcos Veras, Maurício Manfrini e Simone Molina; o também comunicador Garcia Duarte e a atriz Cordélia Santos.
Para saber mais da história deste programa, ouvi-lo e ver com como são feitas as gravações, é só mergulhar aqui.

Agora, se quiser ouvir um trecho curtíssimo de um dos casos mostrados no programa, é só clicar no player na barra ao lado. É a história de um cara apaixonado por uma gartota, no subúrbio carioca. Só que a garota também gostava de garotas. E deu aquela M. A gravação foi feita ainda na época em que A Patrulha era comandada pelos saudosos Samuel Correa e Juarez Retirana. Imperdível!

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