sábado, novembro 26, 2011

O Médico Monstro e Calliente


O diretor espanhol Pedro Almodovar ficou famoso em todo mundo por criar, nos anos 80, uma filmografia única - como Fellini. Roteiros inteligentes, personagens bizarros, dramas exagerados, imagens de impactos e temas, por vezes, picantes. Transitando sempre pela corda bamba entre o exagero e o patético, como um Nelson Rodrigues mais calliente, Almodovar poucas vezes errou na receita e poucos foram seus trabalharam que solaram ou ficaram salgados demais ou sem gosto.
A Pele Que Habito, o seu filme deste ano tem todos os ingredientes em doses cavalares (dramas, bizarrices, situações beirando o patético, personagens à beira do ridículo, sensualidade) e nem assim o mestre faz feio. É só ler as críticas que o filme tem recebido ao redor do mundo e as filas nas bilheterias.
O fato de ser um suspense parece aumentar o gosto apimentado na receita. Não foi o primeiro suspense feito pelo o espanhol, mas em A Pele... pega mais pesado e beira o terror. E foi com grande prazer que descobri que pelo grande diretor de clássicos como Ata-me, Mulheres À Beira de Um Ataque de Nervos e Fale Com Ela, ainda vale a pena sair de casa para encarar uma fila e assiti-lo na telona.
Duvida? Então, sirva-se do trailer abaixo e bom apetite.


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domingo, setembro 04, 2011

Como era gostoso o meu francês ou Qual deve ser o limite da nostalgia?

Já ia passando batido.
Assisti o último filme do Woody Allen há uns três meses e vergonhosamente não expus minhas impressões aqui. Digo vergonhosamente, não só porque sou fã do veterano diretor nova-iorquino, mas também porque Meia Noite em Paris é seu melhor trabalho.
Havia muita badalação em torno do filme e já cheguei no cinema sabendo que assistiria a um filme de autor. Por isso, não quis esperar muito. Mas vi minhas expectativas serem superadas.
Segundo o próprio Allen, Paris é sua cidade preferida, depois de sua Nova Iorque natal. E ele gostaria de ter vivido na capital francesa nos tresloucados anos 20, quando talentos como Hemingway, Dali, Stein, Picasso, Fitzgerald, Zelda, Matisse e Buñel, faziam as noites parisienses parecerem não terem fim. Pois, Allen criou um escritor norte-americano, tão nostálgico quanto ele, que vai a Paris com a noiva e os futuros sogros e acaba realizando seu sonho impossível de voltar também aos chamados anos loucos. Isso, para constatar que nem tudo eram rosas na segunda década do século passado.
Essa comédia-romântica-fantástica é tratada com a sensibilidade que o tema merece.
Numa entrevista sobre o filme, o diretor declarou: "Não sou nostálgico. Queria apenas terminar com a discussão de que o passado sempre é melhor do que o presente."
Tá na cara que Allen não estava sendo sincero. Apenas uma grande nostalgia pode mover alguém a realizar com tanto carinho, um filme sobre uma época que não se viveu.
Além do mais, acho que o diretor de clássicos como Hannah e suas irmãs, Manhattans e Tudo o que você queria saber sobre sexo e tinha vergonha de perguntar, vai mais longe.
Na verdade, poucas coisas na vida são mais tristes do que alguém que vive do passado. Mas é infantilidade pensar que o que já vivemos está superado, pois muitas vezes, para procurar respostas para os atuais dilemas, somos obrigados a olhar para os tempo idos. E essa é, para mim, a essência desse genial filme. O pobre Gil, personagem interpretado brilhantemente por Owen Wilson, precisou voltar décadas no tempo, para, entre outras coisas, descobrir o verdadeiro amor e acabar com a sua insegurança em relação ao seu talento como escritor.
O passado tem a sua importância. O problema é saber até onde deve ir a nossa nostalgia. Há várias maneiras de mostrar isso no cinema. E o velho Woody escolheu a melhor. Sem piequismo, nem dramas e nem choro.
Meia Noite Em Paris é um destaque na bela carreira do diretor nova-iorquino, mas isso não seria possível, é claro, sem um elenco formidável, onde todos estão bem. Owem, Rachel MacAdams, Adrien Brody, Michael Sheen, Carla Bruni, Kathy Bates, Tom Hiddlestom. Eu não sou o bonequinho do O Globo, mas bato palmas de pé para esses e todos os outros.

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quarta-feira, setembro 08, 2010

Quero que vocês morram...de rir!!!


Um oferecimento Monty Python. Depois deles, o humor nunca mais foi o mesmo.

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domingo, maio 09, 2010

Mais uma vez, ele...

Imagine a cena:
Dois homens se conhecem no balcão de uma espeluncas em Nova Iorque.
Mr. A é um sulista ultra-preconceituoso, moralista, religioso aos extremos e homofóbico. Está deprimido porque acaba de perder a mulher, que o deixou para seguir carreira como fotógrafa e viver com dois homens ao mesmo tempo.
Mr. B é um gay de meia idade que acaba de perder o caso modelo que o trocou para seguir uma carreira mais promissora em Paris.
E trava-se o seguinte diálogo entre os dois:
Mr. A: Quer dizer que você é gay?
Mr. B: Sim.
Mr. A: Mas isso é contra as leis divinas...
Mr. B: Mas Jesus Cristo também é gay.
Mr. A: Não diga isso! Nosso senhor criou o céu, o mar, os lagos, os rios, as florestas, as montanhas...
Mr. B: Pois é, ele é decorador.
Onde mais você poderia encontrar tal cena?

Aí, você me pergunta o que Woody Allen tem a ver com essa Carole King - que você deve estar ouvindo, cantando Music - se a música nem ao menos está na trilha sonora? E eu devolvo: Por quê? Não gostou?
Então você não passa de um(a) insensível mediocrezinho (a), que ama o lixo industrizlizado que tomou conta da música atual. Talvez o seu negócio deva ser Lady Gaga, essas artistas maluquetes pré-fabricadas ou essas garotas que se vestem como putas...
Me desculpe. Não estou querendo ofender você. Estou apenas tentando incorporar Boris Yellnikoff, o neurótico solitário de Tudo Pode Dar Certo, o novo trabalho do diretor novaiorquino.
O filme traz algumas particularidades. A primeira dela é o fato de Allen ter voltado a rodar na sua Nova Iorque natal, depois de filmar em Londres e Barcelona. Além disso, ao contrário dos seus últimos trabalhos, o diretor não está atuando.
Para falar a verdade, nem seria preciso. O tal Boris - interpretado brilhantemente por Larry David - é o próprio Allen. Não é a primeira vez que o mais neuróticos dos diretores norte-americanos faz uma refelexão sobre si mesmo na tela. Mas dessa vez ele pegou pesado. Chamou Larry David, o co-produtor da extinta série da tv Seinfield, famosíssima nos anos 90, na qual o próprio David interpretava George Constanza, outro insuportável problemático que era amado e odiado pela maioria dos telespectadores.
Larry se encarregou de viver Woody com todo aquele rol de problemas emocionais e psicológicos, mas vai mais longe, pois enquanto os persongagens interpretados pelo diretor eram confusos cidadãos esmagados por culpa judaica, Boris é um arrogante que se acha superior a tudo e a todos. Por isso, o mundo lhe é insuportável.
Mas Boris não passa de um solitário fracassado, que não obtem sucesso nem em suas dusas tentativas de sucicídios.
Então, ela chega.
Melodie - aliás, muito mal interpretada pela Evan Rachel Wood, que exagera um pouco nos clichês, transformando a persongagem quase numa debilóide e não era essa a intenção -, criaturinha de dezessete aninhos, toda pureza e doçura.
O tipo que mora no imaginário de todos os homens. E essa ninfeta de contos de fadas é posta pelo destino na vida do intragável tarja preta...
...vinda do interior, fugindo de um pai ultraconservador, religioso e ignorante - o Mr. A, lembra-se?...
...e de uma mãe porra louca (feliz participação de Patricia Clarkson)...
...que faz Dona Flor do Jorge Amado parecer uma freira, tentando tirar o atraso dos anos caretas que passou ao lado do Mr. A.
A criaturinha acaba caindo na lábia psico-existencial do tiozão e casa-se com ele.
Você consegue imaginar um brotinho desse se casando com figura tão deplorável?
Mas Tudo Pode Dar Certo, como o próprio título diz é uma fábula de amor e logo a criaturinha doce encontra seu príncipe encantado. 

Poderia ser o caso de uma história boba, gerando um filme ídem. Mas o talento de Allen de criar personagens interessantes, seus diálogos inteligentes e sua criatividade ao lidar com a câmera (o público também vira personagem, já que o insuportável Boris fala com a platéia quase todo o tempo, contando a própria história).
De quebra, o filme mostra diversos lugares de Nova Iorque que o turista descolado logo vai reconhecer...
...como a cena das comprinhas na UniQlo, no Soho, loja da marca japonesa, amada pelos jovens novaiorquinos.
Na verdade, o filme segue a linha dos recentes trabalhos do diretor, ou seja, divertidas comédias românticas para você rir e se divertir numa sessão da tarde. Os tempos do Allen magistral parecem ter ficado para trás.
Tudo Pode Dar Certo é uma fábula moderna sobre o amor, o perdão e a necessidade de ser aceitar o diferente. Mensgem bacana nesses tempos de individualismo extremo.
E é aí que entra Carole King, tão novaiorquina quanto Allen. Algumas cantoras têm a capacidade de nos estimular a cantar com elas. Billie Holliday tinha esse dom. A nossa Elis Regina também. Carole, ídem. Allen com o seu filme parece dizer: O mundo é uma merda. Viva o mundo! Relaxe e vamos procurar ser feliz enquanto o mundo não melhora. Da mesma forma que Carole King nos convida a cantar.
Não concorda? Que se dane! Esse blog é meu e ponho nele a música que eu quiser.
Me desculpe, mas acho que todos nós lá no fundo, beeeeeeem lá no fundo temos nossas verdades que tentamos vender como camelôs do Centro da Cidade. Como o Boris.
Vai dizer que não?
* Todas as fotos foram tiradas  daqui.

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quinta-feira, abril 29, 2010

As voltas que a arte dá

A cena gay de Nova Iorque é abalada por uma série de assassinatos brutais. Para tentar estancar a barbárie, a polícia encarrega um dos seus homens para servir de isca. O tira com as mesmas características das vítimas tem a missão de frequentar clubes de gays para tentar atrair o psicopata. Consegue. Mas acaba descobrindo suas tendências homossexuais e passa a matar também.
Preconceitos a parte, uma puta história, concorda?
Bem, que não dá para se fazer um bom filme sem uma boa história, a gente está krek de saber. Mas acho um pecado se desperdiçar uma boa sinopse. E esse parece ter sido o erro de William Friedkin em Cruising (Parceiros da Noite), que foi lançado finalmente em DVD por aqui recentemente.

Em 1971, o diretor norte-americano William Friedkin finalmente conseguia seu primeiro sucesso mundial, o policial Operação França. O produtor do filme, Phillip D´Antoni, mostrou a Friedkin o romance policial lançado no ano anterior pelo jornalista do The New York Time, Gerald Walker. Tratava-se de Cruising, que contava a história de um psicopata que pegava suas vítimas em bares gays de Nova Iorque e as assassinava barbaramente, chegando a mutilar os seus corpos.
Friedkin não se mostrou interessado e nem sequer leu o livro. Pode parecer uma atitude homofóbica, mas o diretor de Operação França, assim como a maioria dos cidadãos héteros de classe média, não estava nenhum pouco interessado em saber o que acontecia dentro dos bares gays. Até que uma série de acontecimentos mudou sua cabeça.
Tudo começou, o jornal Village Voice publicou que a polícia novaiorquina estava tendo dificuldades para encontrar o serial killer que estava caçando suas vítimas em clubes homossexuais, na parte oeste da cidade.
Por coincidência, o diretor acabou conhecendo um policial que lhe contou que havia sido obrigado a frequentar a cena gay da cidade para servir de isca para o tal psicopata. Friedkin achou a história apenas interessante. Mas quando ficou sabendo que o tal assassino era um médico que havia participado como figurante do seu grande sucesso de 1973, O Exorcista, o diretor começou a pensar a respeito.
Naquela época, o movimento pelos direitos dos homossexuais já havia crescido bastante e o estilo de vida gay já era visto até com simpatia em muitas cidades norte-americanas. E uma nova vertente desse pequeno mundo de minoria estava começando a ficar popular entre os gays: os clubes de sadomasoquismo.

Em Nova Iorque eles funcionavam no extremo oeste do Greenwich Village. Uma região escura, suja, sombria e sinistra, conhecida por MeatPacking, devido aos enormes galpões de empacotamento de carnes que eram trazidos dos vários frigoríficos da região. Bem diferente do que é hoje, onde as ruas limpas e bucólicas, abrigam cafés charmosos, atelier chiques, restaurantes caros, boates badaladas e lojas de grifes top de linha, como a de Stella McCartney, Diane Von Furstemberg, Alexander McQueen e lojas famosas como a novíssima filial da Apple Store, por exemplo. As fotos acima foram tiradas em maio de 2009, a última vez que por lá passei.
Os bares sadomasoquistas e o ambiente ameaçador do filme são definitivamente coisa do passado.Eram outros tempos, Nova Iorque era outra Nova Iorque (mais hardcore) e a AIDS ainda parecia ser uma ameaça distante.

Os clubes de sadomasoquismo geralmente pertenciam à mafia. O próprio Friedkin precisou negociar com membros da máfia para conseguir filmar nesses lugares, que tinham nomes que lembravam saloons do velho oeste, como Ramrod, Cock Pit e Eagle´s Nest.
Não era um lugar para rapazes efeminados ou bichas caricatas que, mais ou menos, já eram aceitas no cinema. Ali usava-se couro, trajes de cowboys ou fardas de policiais, levando-se ás últimas consequências o fetiche de ser um homem atrás de homens de verdade. Poucos anos antes, o grupo Village People havia feito piada dessa ilusão, ao incorporar as imagens de um cowboy, um policial, um operário e um índio - figuras que representavam as figuras da verdadeira virilidade americana - enquanto não escondiam sua escandalosa homossexualidade. O mesmo fez o nosso Ney Matogrosso, pouco mais tarde, quando cantava: "Menino, eu sou é homem. Menino, eu só é homem e como sou!", enquanto rebolava.
Mas ali nos clubes do West Village, a coisa era levada a sério. Uma bichinha nunca seria admitida e a maioria dos frequentadores pareciam ter deixado a namorada ou a mulher em casa para uma escapada mais hardcore. Era uma negócio perigoso, afinal dois homens fingindo ser homens, entre quatro paredes, enquanto tentam extrair/provocar prazer e dor um ao outro, pode ser fatal e os atos de violência não eram raros. E ainda haviam as drogas, que são sempre bem-vindas quando se quer viver uma fantasia. Além do mais, esses lugares pareciam o habitat propício para doentes, surtados e problemáticos de todos os tipos, já que polícia fechava os olhos para não ter problemas com a máfia. Era tudo do que um serial killer precisava.
Na verdade, a maioria dos gays não via a cena sadomasô com bons olhos e Friedkins teve alguns problemas no desenrolar das filmagens. No início, a comunidade gay pensou que o fime seria uma boa propaganda sobre seu estilo de vida - afinal, era tão raro Hollywood mover suas câmeras para eles! - , mas depois, a ficha caiu e todos perceberam que a puritana sociedade americana poderia interpretar que todos os gays frequentavam baicuas como aquelas e chegavam ao orgasmo surrando ou sendo surrados por seus parceiros.
Os gays fizeram de tudo para interromper as filmagens, em meados de 1979. Desde promover passeatas à usar espelhos contra o sol, jogando os focos de luz diretamente nas câmeras de filmagem ou tocando músicas bem altas perto das locações. O diretor foi obrigado a colocar bem no começo do filme uma tarja onde se lia que o que seria mostrado ali refletia apenas o estilo de vida de uma pequena parcela dos homossexuais.

Cruising estreiou nos EUA há trinta anos, em fevereiro de 1980, e foi logo arrasado pela crítica. Recebeu censura R (só para adultos) - muitos minutos de filmagem foram cortados para que o filme não recebesse censura X, ainda mais rigorosa - e gerou muita polêmica na imprensa. Praticamente todos os críticos e integrantes da comunidade gay acharam o filme homofóbico e que até poderia estimular a violência contra homossexuais.
Cruising até hoje continua proibido na África do Sul, no Irã e na Finlândia.

Foi ainda no meio de toda essa polêmica que o filme estreou no Brasil, em maio de 1981. Apaixonado por filmes policiais e fã de Friedkin desde Operação França, corri para assisti-lo. Ainda mais quando li sobre a história. "Isso deve ter dado um puta filme", pensei.
E voltei pra casa decepcionado. Friedkin estava irreconhecível. Exageros, roteiro nada criativo, interpretações caricatas, clichês e muito psicologismo barato. Isso tudo me surpreendeu muito mais do que as prórprias cenas de sexo e violência (e olha que algumas são bem pesadas!). A idéia que se tem ao assistir Cruising ainda hoje, é de que estamos diante de uma obra feita por um diretor iniciante ou de um filme B. Nem de longe nos lembra a uma obra deste diretor consagrado e premiado.

Fiquei tão decepcionado com o filme que o deletei da minha memória. Queria me lembrar de Friedkin como o diretor de Conexão França e Viver e Morrer em Los Angeles.
Mas então qual o motivo deste post? O motivo é que Cruising virou cult. E pelo mesmo motivo que o fez ser tão detestado.

 Na verdade os defeitos de filmagens que William Friedkin cometeu e que me indignaram, hoje parecem risíveis e acabamos gostando de Parceiros da Noite da mesma forma que gostamos de aberrações cinematográficas como A Invsão das Aranhas Gigantes; Pink Flamingo; Carrie, a Estranha ou Rock Horror Show ou mesmo O Exorcista do próprio Friedkin. Muita gente adora cantar Odair José ou The Fevers ou Lady Zu em karaokês, mas nunca compraria ou baixaria uma música sequer deles. Porque em karaokês a gente só quer se divertir com artistas que não são mesmo para serem levados a sério. O mesmo deve acontecer quando alugamos o DVD de Parceiros da Noite. Relaxe! Esqueça que ele foi feito por um dos mais conceituados diretores do cinema e tenha uma ótima diversão.
Não é a toa que o filme tem sido cultuado principalmente pelas novas gerações. Eles nunca ouviram falar em William Friedkins e nem viveram o pesadelo da AIDS e também perderam o oba-oba que rolava antes.

Atualmente a cara feia de Richard Cox, na pele do psicopata que fez muita gente sentir calafrios, é risível. Afinal, alguém leva a sério um marmanjo vestido de policial num clube gay e falando com uma voz cavernosa, após eliminar mais uma vítima: "Você me obrigou a fazer isso"? E a cena do negão usando apenas cueca e chapéu de de cowboy dentro da delegacia? É pateticamente surreal (foto abaixo).
Mas ele assassinava rapazes com dezenas de facadas! Sim, mas essa nova geração assistiu terroristas loucos jogarem aviões contra duas torres na maior cidade do mundo e liquidar milhares. Essa garotada vê o absurdo de balas perdidas ceifarem cidadãos pacatos ou pais jogando seus filinhos do alto de prédios só porque a criança chorava demais. O mundo mudou. Viva o mundo! Violência pouca hoje em dia é bobagem.
E as cenas de sexo-masoquista-gay que tanto nos escandalizaram, faz a geração my space/twitter/facebook rolar de rir. Eles cresceram assistindo Will & Grace + Brokenback Moutanin, têm acesso a qualquer informação sobre o mundo gay a poucos toques no teclado; eles assistem namorados deixarem seus pares para ficar com pares do mesmo sexo e já não se escandalizam ao saber que seu amiguinho tem pai & pai ou mãe & mãe.
Até os gays parecem ter se rendido ao filme.  Raymond Murray, editor da enciclopédia de filmes gays Images in The Dark, chegou a ressaltar a importância documental do filme para as novas gerações que não puderam presenciar o grau de promiscuidade que rolava na era pré-AIDS e avaliar o estrago que a doença fez.
Cruising voltou ao cartaz nos EUA no verão de 2007 e chegou a ganhar matérias que o tratavam como "uma curiosidade interessante" em revistas como a New Yorker. 
Outro aspecto do filme, ao meu ver, é a trilha sonora (da qual você deve estar ouvindo algumas músicas). No final da décade de 70, enquanto o filme era rodado, Sid Vicious morria de od no Hotel Chelsea e o movimento punk nova iorquino dava seus últimos suspiros. Friedkin optou por este tipo de música, talvez por ser a trilha sonora mais adequada para clubes em que frequentadores são amarrados em instrumentos de tortura para serem molestados na frente de todos. Sorte nossa! Porque algumas músicas só encontramos nesta trilha, como é o caso de canções da obscura banda Germs, de Los Angeles, que acabaria logo depois.

Enfim, quando o filme estreou aqui no Rio, me lembro que um crítico do JB disse: "Se você não foi violentado num sanitário público, não assista Parceiros da Noite." Exagero? Certamente. Mas a arte também pede para não ser levada tão a sério. Descontada, é lógico a diferença de qualidade, é claro, Cidadão Kane causaria hoje o mesmo impacto que obteve na época da sua estreia? Não. Parceiros da Noite vale, pelo menos, como uma curiosidade. Primeiro por que uma coisa não podemos negar: ele foi baseado numa ótima idéia. E também vale como registro histórico de uma época em que ainda nos chocávamos e nos escandalizávamos com coisas que hoje nos fazem rir.

*Este post também é uma homenagem ao protagonista do filme, Al Pacino, que completou setentaninhos no último dia 24.
Grande parte das informações sobre o filme foram colhidas na Tia Wikipedia .

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sábado, fevereiro 27, 2010

Uma tonelada de emoção

Existe uma canção muito antiga do cantor/compositor Taiguara, chamada Teu Sonho Não Acabou, na qual um trecho dizia: "Quem não sabe a sombra, não sabe a luz."
E é por aí. Realmente, sempre achei que a pessoa realmente feliz é aquela que a alegria de viver fica acima das mazelas da vida. Pelo menos na maior parte do tempo. É muito fácil ser feliz quando tudo vai bem.
E esse é o maior ensinamento que nos passa Preciosa - Uma História de Esperança, de Lee Daniels (EUA, 2009), que tem levado multidões aos cinemas em todo o Brasil. Se não vejamos, uma adolescente negra (Claireece "Preciosa" Jones, muito bem interpretada por Gabourey Sidibe) pobre, obesa, feia e analfabeta, moradora de uma parte degradada de Nova Iorque, que desde criança é abusada sexualmente pelo padrasto e fisicamente pela mãe. Os abusos sexuais resultaram em dois filhos, sendo o primeiro, uma menina com deficiências mentais. E também numa contaminação pelo HIV.
No meio de todo esse drama, a felicidade é possível? É bem verdade que a pobre Preciosa até pensou em acabar com sua vida. Mas, no final, ao vê-la alfabetizada, criando seus filhos, empregada e fazendo planos para um futuro incerto, sentimos um cheiro de felicidade sincera ali. Acho até que Preciosa deveria se chamar Vitoriosa. Não só pelo personagem, mas também por ter sido baseado num personagem verídico do livro Push, da escritora Saphiffe, publicado em 1996.
Preciosa..., tem, ao meu ver, como maior mérito, o fato de não cair no perigoso pântano do piegas, ao abordar um tema tão inacreditavelmente dramático. Seu único pecado, talvez, seja o excesso de gags de humor, que por vezes ridicularizam o inferno passado pela protagonista. Nem sempre fazer piada de tudo dá certo.
Mas esse pequeno pecado não derruba esse filme emocionante feito em cima de da história de alguém que finalmente viu a luz. Porque conheceu a sombra.

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sexta-feira, janeiro 29, 2010

O que que é isso, companheiro Almodovar?


Há somente quatro diretores que ainda me fazem sair de casa para assistir seus filmes no cinema: Woody Allen, Martin Scorcese, Quentin Tarantino e Pedro Almodovar. Todos têm me decepcionado, mas continuo encarando os Multiplex da vida para assisti-los. Tudo porque continuo a achar que vale a pena o sacrifício.
Porém, o último pegou pesado em seu recente trabalho, Abraços Partidos (2009). Pode parecer exagero, mas em alguns momenos me senti como se estivesse assistindo a uma daquelas novelas cucarachas do SBT. Pronto, falei.
A impressão que tenho é que todos esses diretores andam meio sem idéias. E Almodovar, em Abraços..., lança mão de artifícios novelescos, como a descoberta do roteirista que trabalha para o cineasta amigo de sua mãe, de que ele, na verdade, é o seu pai, por exemplo. Ou do amor proibido de uma mulher casada com um ricaço bem mais velho e que acaba morrendo ao fugir com o seu amado.
Quer dizer que o Almodovar se transformou num autor cucaracha? Não. A preicosidade do talento do diretor espanhol ainda pode ser visto tanto na bela cena da lágrima caindo sobre o tomate, enquanto Lena (Penélope Cruz) cozinha é a cara do diretor espanhol. Assim como também não existe nada mais Almodovar do que um marido traído contratar uma leitora labial para decifrar o que a mulher está falando para o amante, na cópia do filme feito pelo filho.
Tá certo que exageros sempre foram a mara da obra de Almodovar. O que me incomoda em Abraços Partidos - e isso não chega a comprometer a qualidade do filme como um todo -, é que tive a impressão de que esse diretor tão criativo perdeu a mão e precisou encher linguiça com artifícios baratos. Partindo de quem é, só me deixa surpreso. Porque é uma pena, pois Abraços... tinha tudo para ser o seu melhor filme. Nele, Almodovar mergulha na sua própria arte, analisando o processo criativo de um diretor de cinema. E mais, um diretor cego. Mais Almodovar impossível.
A capacidade de extrair o melhor dos atores continua a mesma, o talento para expor o ridículo da condição humana também. Os seus cenários continuam coloridos e as paisagens exploradas ainda são radiantes. O que mudou foi o foco, que deixou de ser feminino. A trama gira em torno de homens. Mas dois homens loucamente apaixonados por uma mulher.
Enfim, todos os igredientes que fizeram de Almodovar um dos maiores do cinema do último século e deste estão presentes e, incompreensivelmente, têm que conviver com clichês e artifícios dramatúrgicos de quinta, que nada têm a ver com a obra do espanhol que sempre me tirou de casa para assití-lo. Agora já penso no DVD como alternativa.

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sexta-feira, outubro 09, 2009

Amantes neuróticos em cidade nervosa

Num fôlego só: Leonard ama Michelle que não o ama mas ele é amado por Sandra e fica com Sandra para esquecer Michelle.
Aparentemente, trata-se de um triângulo amoroso que já foi retratado mais de quinhentas vezes no cinema. Mas este Amantes (EUA, 2008), de James Gray, é um daqueles filmes em que o encanto não está bem na história e, sim, nos personagens. O que, consequentemente, exige muito dos atores.
O filme já começa mostrando o personagem principal, Leonard Kraditor, magnificamente interpretado por Joaquim Phoenix, tentando o suicídio, não suportando ter sido abandonado pela noiva.
Leonard, por sua vez, não é um homem comum. É um trintão solitário e esquisofrênico, que vive à base de remédios tarja preta. Seus pais tentam aproximá-lo de Sandra (Vinessa Shaw), filha de um casal amigo, uma mulher adulta que em pleno século XXI ainda embarca nessa de casamento arranjado. Mas ele acaba conhecendo Michelle (a estonteante Gwyneth Paltrow) e se apaixona por ela. Só tem um problema: Michelle não o ama. E Michelle é tão problemática quanto. Insegura, carente, com baixíssima auto estima e quimicamente dependente das mais variadas porcarias, na tentativa desesperada de amenizar o amor mal correspondido pelo seu chefe, mais velho e casado. Tem chance de rolar algum farelo de felicidade nesse relacionamento?
Isso tudo com um agravante: a história acontece em Nova Iorque, uma cidade que pode ser cruel com corações muito sensíveis.
Simpático e carismático, Leonardo nos conquista e nos faz torcer por ele. E sofrer quando tudo mela no final. Gray apostou tudo no seu elenco para ser o hightlight dessa história simples, mas emocionante. Pois se os relacionamentos hoje em dia já são complicados para as pessoas ditas "equilibradas", quanto mais para seres tão frágeis. Um golaço de Gray apostar em seres humanos, ao contrário de efeitos especiais, aventuras e ações de rocambolescas ou rostinhos bonitos. E mais: Lenardo, Sandra e Michelle poderiam ser seus vizinhos. Um deles poderia ser você. Por que não? E esse é o mérito desse filme, na minha humilde opinião.
* Infelizmente esse foi o último filme de Joaquim Phoenix, que decidiu abandonar as telas, depois das filmagens.

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sábado, setembro 05, 2009

Vagabundagem & Pilantragem em Hollywood

O ano de 1969 foi mesmo muito engraçado. Na mesma época em que a tv norte americana mostrava, na hora do jantar, milhares de jovens pelados no Festival de Woodstock, os puritanos yankees eram conquistados por um prostituto e um trambiqueiro.

John Buck, interpretado pelo ainda desconhecido Jon Voight, era um caipira que, cansado de lavar pratos numa cidadezinha no fim do mundo sulista, decidiu ir para a gigantesca Nova Iorque para se dar bem, vendendo o seu corpo parrudo.
Tava na cara: Sifu. Ele encontrou uma Nova Iorque no auge do feminismo, onde as mulheres, agora, podiam escolher com quem iriam para a cama. E certamente não iriam suportar as cantadas de um zé ninguém metido a garanhão. Entre outras roubadas em que se meteu, foi conhecer e perder seus últimos trocados para um trambiqueiro chamado Enrico Salvatore Ritzo – interpretado pelo sensacional Dustin Hoffman, já conhecido devido ao seu papel em A Primeira Noite de Um Homem -, uma raposa velha, malandro e cheio de golpes, cujo grande sonho era terminar seus dias tomando água de côco numa praia da Flórida.
Mas Enrico tinha um pulmão fraco e andava com cada vez mais dificuldade, devido a um defeito físico. Na pior, os dois passam a viver num prédio desapropriado pela prefeitura. Nasce, então, uma não adimitida amizade entre os dois fodidos, com um ajudando o outro a sobreviver na metrópole implacável.

Quando Ritzo cai doente e impossibilitado de andar ("Nas ruas, você sabe o que eles fazem com quem não pode andar?", pergunta ele, desesperado), os dois seguem para a ensolarada Flórida, mas Enrico morre no meio do caminho.
A história de Midnight Cowboy (Perdidos Na Noite, aqui no Brasil) em si já era interessante. Mas o filme acabou causando uma verdadeira revolução, derrubando um gigantesco tabu que predominava em Hollywood: vagabundagem, golpes, prostituição, trambiques, bebedeiras e sacanagem não podiam ser vistos pelo cidadão de classe média. Por isso, até então, personagens do submundo era quase sempre secundários e vistos como gente do mal. Midnight Cowboy foi o primeiro a mostrar os marginalizados como personagens centrais e vítimas da sociedade. E foi ainda mais longe fez com que os americanos se simpatizassem com eles. Esse padrão predominaria na primeira metade dos anos 70, através de filmes como Táxi Driver, por exemplo, do Martin Scorcese.

Hollywood até aceitou a fazer o filme, mas o taxou injustamente com a censura X, que o impedia de ser exibido na tv e só poderia ser exibido para o público adulto, nos cinemas. Mesmo assim o filme repetiu nas bilheterias o mesmo sucesso que havia conquistado na crítica. A trilha sonora foi um hit, principalmente com a canção Everybody´s talking, na voz do cantor country Harry Nilsson, que acabaria ganhando o Grammy de melhor vocalista.

Mas o melhor ainda estava por vir. Na primavera de 1970, Perdidos na Noite faturou os oscares de melhor filme, diretor(John Schlesinger) e roteiro adaptado (da obra de James Leo Herlyhi). Concorreu também ao prêmio de melhor ator, edição e atriz coadjuvante (Sylvia Miles) e injustamente não levou nenhum dos três. O filme ainda seria premiado como o Globo de Ouro; com o Urso de Prata, em Berlim; no Bafta, na Grã Betanha, o Boldil, na Dinamarca, o David di Donatello, Itália e no New York Film Critics Circle Award. Mas o maior prêmio de todos foi ter obrigado a puritana Hollywood conceder um Oscar a um filme de censura X, pela primeira vez. Não foi uma vitória só dos excluídos e, sim, de todo o cinema.

Perdidos da Noite é um dos filmes mais bonitos que assisti. Fala sobre amizade, perdão e união. Sua mensagem é: “Quando estamos na pior, só unidos conseguiremos sobreviver.”

E quando eu preparava essa humilde homenagem pelos quarenta anos deste filme que ousou a desafiar Hollywood, fiquei triste ao me dar conta de que ele, talvez, nunca seria feito nos dias de hoje. E se o fizessem, não teria o mesmo impacto. Certamente não ganharia censura X. O mundo mudou, Nova Iorque mudou e a marginália já não é a mesma. Talvez ganhasse censura livre. Seria assim como uma fábula, tipo Walt Disney, sobre amizade, perdão e união. Coisas, que nesse mundo estressado e individualista, parecem ter virado algo em que só as crianças acreditam. Mas enfim...

A emocionante cena final, quando John Buck, abraçado com o corpo do companheiro, dentro do ônibus para a Flórida, parece dizer: "Este era Enrico Ritzo, um vagabundo trambiqueiro, mas meu amigo."
Para mais detalhes sobre o filme, mergulhe aqui.

* E na trilha sonora. Midnight Cowboy - Toots Thielesmans, e Everybody´s talking - Nilsson.

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