domingo, dezembro 26, 2010

E se o mundo fosse Politicamente Correto? (I)

Feliz 2003!
Na minha modesta opinião, o fato que mais me chocou neste 2010 - entre muitos outros -, foi a tentativa de proibição da obra Caçada de Pedrinho, pelo Conselho Nacional de Educação, em novembro último, sob a alegação de racismo, devido ao fato de o autor se referir à Tia Anastácia - uma das personagens principais do Sítio do Pica Pau Amarelo - como ex-escrava e negra.
Lançado em 1933 - numa época em que o país se ainda esforçava para se enquadrar no pós-abolicionismo e os negros brasileiros ainda não eram recebidos com sorrisinhos simpáticos - o livro vinha sendo utilizado em escolas brasileiras há décadas. E pelo o que sei nenhuma criança negra se sentiu ofendida.
Segundo os conselheiros do CNE, um dos trechos que incentivaram a proibição, dizia:
“Tia Nastácia, esquecida dos seus numerosos reumatismos, trepou (na árvore), que nem uma macaca de carvão”.
Sempre achei que tudo na vida tem que ser equilibrado. Monteiro Lobato pode até ter tido inteções racistas(idéia da qual não compartilho), mas vejamos o outro lado. O lado do maravilhoso escritor que estimulou a imaginação e os sonhos de milhões de crianças, com obras muito menos nocivas do que a maioria das coisas que os meninos & meninas de hoje têm acesso na web.

Me parece que neste episódio, o CNE foi mais uma vítima do politicamente correto, esse vírus que tem nos atormentado desde os anos 90. Os sintomas mais comuns parecem ser: queda na taxa de sensatez, hemorragia no senso de ridículo e uma infecção generalizada de falta de noção. Tudo em nome de uma causa que as vítimas deste vírus entendem como mais urgente e necessária do que o prazer e o benefício de uma maioria. Para defender um pequeno grupo de negros que possa se sentir ofendido com o texto de Caçada de Pedrinho, milhares de crianças (brancas ou negras) podem deixar de ter acesso a um texto de ótima qualidae e que lhes faria exercitar a imaginação, numa forma que os textos infantis modernos não costumam fazer.
Mas o que os Tribalistas (Foto acima: Marisa Monti, Carlinhos Brown e Arnaldo Antunes) têm a ver com isso?
É que, antes do episódio da obra do Monteiro Lobato, eu achava os Politicamente Corretos apenas uns chatos. Mas agora, eu os acho uns terroristas do bom senso. Graças a Deus, o vírus do Politicamente Correto não consegue infectar todos. Muitas pessoas estão imunes. Pelo menos as inteligentes e com alguma visão.
Mas aí, me veio a pergunta: E se o mundo tivesse sido sempre PC? Como seria? Quantas vítimas haveria? E, principalmente, quantas coisas legais deixaríamos de curtir em nome de uma ética duvidosa?
Certamente Já Sei Namorar, contida no primeiro e único trabalho dos Trabalhistas - que você deve estar ouvindo - , com certeza, seria uma delas.
Definitivamente, naquele final de 2002, milhares de brasileiros não tiveram dúvidas na hora de escolher o presente para dar no Natal.
Lançado em outubro, o cd Tribalistas do trio formado por um baiano com as mais diversas influências da música negra/afro (Brown); uma carioca que cantava MPB temperada com elementos pop e até rock(Monti)  e um paulistano, ex-roqueiro, que era um dos artistas alternativos mais cultuados no país naquele momento(Arnaldo). Essa mistura exótica que tinha tudo para dar errado, acabou resultando num trabalho original e inovador, que deu sangue novo a quase moribunda música pop brasileira da época.
Naqueles idos do início do século XXI, muito discutia-se sobre o ficar, um comportamento nascido nas areias das praias do Rio - onde mais poderia surgir? -, que pregava um amor sem compromisso, experimentar com vários parceiros sem ter que dar explicações. Era uma versão do amor livre difundido pela geração 60 com anos de atraso ou, para muitos, uma espécie de galinhagem sem culpa.
Seja qual for o rótulo que você prefira usar para aquela geração, a musiquinha bonitinha acabou virando uma espécie de hino para a galera que não havia conhecido os tempos de moralismo repressivo dos seus pais e muito menos o pânico que foi o surgimento da AIDS, nos 80.
Todos só pensavam em entoar a emblemática frase: "Não sou de ninguém, eu sou de todo mundo e todo mundo me quer bem." e ser feliz. O verão já batia à porta e a molecada queria apenas satisfazer a sede típica da idade. E tenho a certeza de que muitos foram felizes mesmo naquele verão e ano de 2003.
Mas não os PC. Esses ficaram em suas tocas, resmungando que toda aquela promiscuidade iria aumentar os casos de doenças sexualmente transmissíveis, etc. Sinceramente não acredito que essa garotada do século XXI não saiba se cuidar. Se estão mesmo se cuidando, é uma outra história. Mas eles são espertos demais e têm muito mais acesso a informações para se deixar influenciar por uma música. Isso foi coisa da minha geração que era capaz de fumar um baseado apenas porque os Beatles cantavam que devíamos fazê-lo.
De qualquer forma, se o mundo fosse PC, certamente essa musiquinha simpática dos Tribalistas não teria sequer sido lançada. E aquele verão longínquo não teria seu hino e seria menos feliz.

E falando em verão, enquanto estou na praia, os post ainda continuarão meio assim...assim. Mas em breve estarei de volta.
Agora, sim:
FELIZ 2011!!!
* Na sequência, temos ainda Passe Em Casa, Tribalistas e Carnavalia do mesmo CD.

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quinta-feira, dezembro 16, 2010

Muvuca de Noéis

Será preciso isso para carregar tudo de bom que desejo a todos vocês neste Natal. Felicidade, saúde, grana, amor, realizações...Ufa! Haja Noel!
Paz a todos!

quarta-feira, dezembro 08, 2010

Onde você estava quando o sonho foi alvejado à queima-roupa?

Lennon dando o autógrafo que selaria seu destino, ao lado do imbecil que o mataria menos de um minuto depois.
Eu estava estudando para a prova final da Cultura Inglesa, no dia seguinte.
Passava de uma e meia da manhã e eu ouvia a Rádio Cidade - a mais popular do FM carioca, na época. Nunca gostei de estudar ouvindo música. A música exerce tanto efeito em mim que me desconcentra totalmente.
Então por que eu estava ouvindo rádio enquanto estudava?
Talvez fosse porque eu precisasse ouvir o Ivan Romero - o locutor mais famoso da Cidade, na época - interromper a programação para falar de uma notícia vinda da sucurssal do Jornal do Brasil, em Nova Iorque:
"Gente, ainda falta confirmar. A coisa está meio confusa, mas parece que John Lennon acaba de ser assassinado com cinco tiros."
Logicamente, meus estudos foram para a cucuia.
Alguns minutos depois, o Ivan interrompeu a programação novamente para confirmar o que ninguém queria crer: "Parece que é verdade, gente. Jonh Lennon está morto."
Tive a idéia de gravar as notícias que chegavam e guardo essa fita até hoje.
Corri para o telefone para ver se alguém estava acordado. Talvez alguém me dissesse que tudo não passava de brincadeirinha.
Eu estudava na PUC, na época, e minha turma havia combinado uma chopada na Pizzaria Guanabara naquela noite para comemorar o final do ano letivo. Eu havia passado por lá e voltei cedo para estudar.
Para piorar as coisas, minha vó - mãe do meu pai - havia falecido naquele mesmo fatídico 8 de dezembro e o clima era fúnebre lá em casa.
Voltei para o Baixo Leblon - que era o lugar mais badalado do Rio, naqueles tempos, era o que a Lapa é hoje.
Minha turma estava lá e o clima era de perplexidade. Algumas meninas da minha turma choravam. Um grupo numa mesa próxima entoava os refrãos de Merry Xmas, The War is Over. Os garçons nos abasteciam de chopes e informações que obtinham no rádio. De vez em quando, parava um carro, junto à muvuca na calçada e o motorista perguntava: "É verdade? Lennon está morto?"
Me lembro de um cara gordo e barbudo, em uma moto, que parou no sinal da Ataulfo de Paiva e gritou, meio bêbado: "Mataram o homem! Puta que o pariu!" E arrancou em alta velocidade, sumindo na noite quente.
Perto dali, - e eu ficaria sabendo no dia seguinte pelos jornais - o Caetano Veloso havia parado para comprar o JB na famosa bancoa que fuincionava em frente à farmácia Piauí. Um taxista o viu e gritou: "Caetano, mataram o homem, Caetano!"
Perplexidade, tristeza, raiva, pesar. Eu, milhões de jovens em todo o mundo, os garçons da Pizzaria Guanabara, o motoqueiro bêbado, o taxista, Caetano veloso. Todos unidos na mesma dor.

Na manhã seguinte, só nos restou confirmar tudo nos jornais. Fico imaginando uma tragédia dessas acontecendo hoje em dia, com a internet. Seria mais fácil obter informações, é óbvio. Mas, em compensação, não haveria aquela cumplicidade, aquela união em torno da estúpida morte de um ídolo - caso você ainda não saiba, Lennon foi morto ao dar um suposto autógrafo mal dado, para um fã que o esperava na frente do seu prédio, na parte oeste do Central Park.
Só nos restava acompanhar a longa vigília dos fãs em frente ao Dakota Building, onde Lennon & Yoko viviam. Enquanto outros fãs se suicidavam ao redor do mundo, que havia ficado mais triste após aquela noite terrível.
Yoko decidiu não fazer velório e nem enterro. E pediu que fãs ao redor do planeta organizassem vigílias para pedir luz ao espírito do ex-Beatle. A maior delas ocorreu no Central Park. No Rio, houve uma pequena multidão se reunindo no Jardim de Alah, em Ipanema.
Mas quanto mais se rezasse, quanto mais se chorasse, quanto mais se sofresse, nada iria mudar a estupidez que foi a morte de John Lennon.
Me dei mal na prova da Cultura Inglesa no dia seguinte. Mas nada importava. Lennon havia sido assassinado.
Aprendi inglês mais tarde. Mas Lennon jamais iria voltar. Daqui a algumas horas, irão se completar três décadas daquela morte estúpida. Perdi o contato com a minha turma da PUC e nem sei por onde andam os outros personagens daquela noite tristíssima - com a exceção do Caetano, é claro. Mas tenho a certeza de 30 anos depois, nenhum deles se refez daquela madrugada.
Você não sabe ou não se lembra do nome do imbecil que puxou o gatilho contra Lennon? Relaxe! Ele não merece mesmo ser lembrado. No mínimo por ter me feito me dar mal na prova de inglês. No máximo, por ter liquidado o sonho de milhões de jovens em todo o mundo. E isso custa caro.

* O que você está ouvindo é gravação de alguém que, perplexo, lá em Nova Iorque, começou a percorrer as rádios em busca de notícias, naquela madrugada gelada e triste. Algum dia, eu mostro aqui as gravações que fiz. Isso foi tirado daqui.
* Para ver também como a notícia da morte de Lennon conseguiu interromper uma partida de baseball, em Nova Iorque, naquela noite, mergulhe aqui.

É amanhã, hein!

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