sábado, maio 29, 2010

Dos Cabeludos na Hora do Jantar ao Terrorismo Pouco Antes do Almoço

O Elenco e os membros do Green Day, idealizadores do fenômeno no momento na Broadway

American Idiot é o Hair do século XXI. Pronto, falei.
Por coincidência, Hair, o antológico musical surgido em 1967, voltou a Broadway em 2009 e está em cartaz - com aplausos da crítica e um Tony Award na bagagem, diga-se de passagem - no Al Hirschfeld Theatre (302 W 45th, entre as oitava e nona avenidas). Fui assitir aos dois e pude constatar ao mesmo tempo o abistmo cronológico entre ambos e o quanto os dois musicais tem a ver um com o outro.
A distância entre o pequeno teatro onde Hair é encenada e o St. James Theatre (246 W 44th), onde está American Idiot, é de menos do que um quarteirão. Mas o túnel do tempo que há entre os dois endereços mede mais de quatro décadas. Por isso, é indispensável dizer que a primeira retrata a vida dos avós dos jovens que são retratados na segunda.
Além do mais, se Hair foi concebida em cima do idealismo inocente de três amigos hippies, James Rado, Gerome Ragni e Galt MacDermot, a segunda foi concebida em cima de um trabalho totalmente sem ideologia. Estou me referindo ao milionário álbum The American Idiot, lançado pela banda americana Green Day, no final de 2004. O disco - que já vendeu mais de 20 milhões de cópias no mundo inteiro até agora -  é um trabalho conceitual, recheado de pessimismo, cinismo, rancor e desesperança. Lançado como trabalho conceitual, pouco mais de três anos depois da fatídica manhã de 11/09, em suas treze faixas tentava responder a seguinte questão: qual será o impacto da tragédia sobre o futuro da geração 00 e sobretudo do jovem nova iorquino?
A Hair, versão anos 60 propunha a contra-cultura, a rebelião, a reflexão sobre os costumes vigentes na época (sexo, drogas, religião, política) e parecia querer que os espectadores saíssem do teatro dispostos a deixar os cabelos crescerem e usar paz e amor como mantra. Datado? Claro! Diante da cena em que o bando de hippies invade a casa da menina rica na hora do jantar e cantam em cima da mesa, tentando tirá-la daquele ambiente burguês, chegamos a nos perguntar como aquilo pôde ser considerado revolucionário um dia, tamanha a ingenuidade? Queríamos tanto e ao mesmo tempo tão pouco, perto de uma juventude que luta para sobreviver, como a de hoje!  Na verdade, Hair parece tão distante dos dias atuais que, como disse a revista Time, em 2008, encená-la "parece ser a coisa mais ousada que se possa fazer."
Por que, então, se gastar em ingressos salgados - paga-se até mais de US$ 100 por um lugar - para se assistir uma peça que cheira a nafitalina? Justamente para se curtir o musical em si e não sua mensagem panfletária. Quando se vai assistir à Promises, Promises - um outro espetáculo em cartaz na Broadway -, que conta uma história passada no início dos anos 60, não se sente desconfortável com isso. O mesmo acontece com O Fantasma da Ópera. Tá certo que a diferença em relação a Hair é que o musical-rock propõe mudanças e reflexões, já que foi feito por gente que queria mudar o mundo. Mas se você conseguir ignorar este detalhe, vai apreciar um ótimo espetáculo, bem no padrão broadwiano. Porque por mais incrível que possa parecer, Hair virou um clássico da Broadway, como O Fantasma da Ópera, Cats, Chicago ou Mamma Mia. Mas um clássico impecável. Luz, figurino, atuações, cenários, coreografias. Tudo perfeito. Sem falar na música que é atemporal e conhecida de todos.
Na platéia, muitos senhores e senhoras de meia idade. Mas também, muitos jovens curiosos. Logicamente, ninguém queria mudar o mundo. No máximo, saiu-se assobiando o refrão Let the sunshine in. E foi-se comer uma pizza, sentindo-se a leveza de quem acabou de assistir a um bom espetáculo. E só.
Mas não muito distante dali, atravessando-se a Oitava e entrando-se na Quarenta e Quatro, o clima muda.
Talvez por preconceito, nunca imaginei que a geração 00 fosse capaz de dar uma peça de teatro. No máximo, um tweet. Tolo engano.
Logo de cara, American Idiot começa com dezenas de televisores mostrando cenas que marcaram esse  precoce século XXI. Tsunamis, Bush, gripe suína, aquecimento global, Katrina, Iraque, Afeganistão, avanço tecnológico, crise econômica, escândalos políticos, terrorismo. E de cara você entende que está diante de um espetáculo moderno. Já que estamos falando de uma geração massacrada como nenhuma outra por uma avalanche de informações. Quando o rock barulhento, urgente, nervoso, estressado e descontente começa a tocar, os mais velhos - como eu - podem ficar chocados. Mas a medida em que a peça se desenrola, você chega a conclusão de que não haveria outra trilha sonora melhor (Aliás, você deve estar ouvindo as músicas Are we the watting, Holiday, Boulevard of broken dreams e Wake me up when september ends).
Na Broadway estão os melhores coreógrafos, os melhores cenógrafos e iluminadores do mundo. E uma coisa que sempre me fascinou nos musicais ali são as soluções criativas encontradas para levar ao palco cenas, por vezes, complexas. No caso de American Idiot, Michael Mayer (diretor), Tom Kitt (coreógrafo) James Harker  (produtor de palco) e Steven Hoggett (diretor de arte) superaram as minhas expectativas. Tudo é tão empolgante, criativo, moderno e bem resolvido que os aplausos inesperados do público parecem pouco.
Ah, o público foi outra surpresa. A maioria era de gente de meia idade, classe média. Pareciam ter acabado de sair do mundo colorido de Hair, ali perto. Era gente que não curtia Green Day, mas estava imbuída da missão de tentar entender melhor os seus filhos ou netos. Essa geração que por muitas vezes é chamada de alienada, distante, pouco criativa, idiota.
O elenco? Não tenho adjetivos para qualificá-lo. Só extraordinário seria injustiça. São todos muito jovens, mas seguram a onda com tal precisão, talento e garra que deixaria o maior veterano encabulado. É preciso lembrar que American Idiot tem um ritmo alucinante e exige demais do seu cast. É verdade que alguns dos jovens atores não são totalmente desconhecidos do público americano. John Gallagher Jr., por exemplo, ganhou um Tony em 2007 pela sua performance em Spring Awakening. Também participou de seriados como Law & Order e The West Wing, assim como teve uma participação em Tudo Pode Dar Certo, do Woody Allen, sobre o qual eu postei aqui recentemente. De qualquer forma, ver gente tão nova e talentosa dar o novo colorido que a Broadway já há algum tempo estava precisando, me enche de esperança.
Vale destacar também a banda que toca durante o espetáculo, que não é o Green Day.
O espetáculo tem recebido ótimas críticas desde sua estréia em 20 de abril, inclusive uma entusiasmada do poderoso The New York Times. American Idiot foi indicado ao Tony de melhor musical.
A bilheteria também está bombando. Fomos numa noite de quarta-feira e só conseguimos lugar na parte de cima. Se você pretende assisti-lo agora, no verão, melhor comprar pela internet.
Do que se trata a peça? American Idiot conta em forma cronológica a história de um grupo de jovens amigos em Nova Iorque, durante os dois anos que se seguriam àquela manhã de 11/09/01, em que os americanos perderam o apetite ao serem surpreendidos pelo ataque terrorista mais devastador da história, quando se preparavam para almoçar.
Se existe alguma semelhança com Hair? Várias. Ambas traçam um retrato da sua época, da geração da sua época. Mas se a poucas quadras dali, hippies asquerosos chegam a petulância de pregar que eles são o remédio para o mundo, ali no Teatro St. James, jovens tidos como apáticos e alienados mostram como tentam sobreviver com dignidade num mundo que parece não ter mais solução.
O mais curioso é que os dois musicais tratam dos mesmos assuntos: sexo, rebeldia, drogas, política e guerra. Mas Hair prega a união para que possamos mudar o mundo. A garotada de American Idiot só quer se explicar, só quer mostrar os leões que precisa matar para permancecer de pé. Eles não são e não têm solução para nada. Estão perdidos e procuram apenas ficar numa boa.
Em American Idiot não se canta a otimista Good Morning Sunshine e, sim, versos como os de Letterbomb:
Onde todas as revoltas foram?
Enquanto o seu modelo de cidade é pulverizado
O que estava apaixonado está agora em dívida
Em sua certidão de nascimento
Então acenda a merda do fósforo pra iluminar este fusível
Os cabeludos de Hair se achavam fodões ao falarem de maconha nos anos 60. Em AI, se arregaça a manga e aplica-se um pico de heroína em público. Se pregava-se amor livre nos 60, no palco do St. James simula-se o ato sexual ao vivo e também discute-se o lado ruim da coisa, como a gravidez indesejada, problema cada vez maior nos dias atuais. A moçada de Hair prega a queima de certificados de reservistas contra a Guerra do Vietnã. Em AI, um dos personagens vai lutar no Iraque porque foi a última alternativa que encontrou diante do desemprego e da falta de perspectivas.
Bem, para resumir, embora eu não seja um especialista no assunto, posso dizer sem medo que American Idiot foi o melhor musical que já assisti. No conjunto, embora em termos de musica, meu preferido tenha sido Cristal Bacharach, que tive o prazer de assistir no Rio, em 2004.
American Idiot termina com todo o elenco munido de violões, cantando os versos de Good Riddance:
Outro momento decisivo;
uma encruzilhada na estrada.
O tempo agarra você pelo pulso;
direciona você aonde deve ir.
Então pegue o que tiver de melhor desse teste
e não pergunte porquê.
Não é uma questão
mas uma lição aprendida a tempo.
E aí você se dá conta de que não acabou apenas de assitir a um musical e sim presenciou um acontecimento. Assim como há mais de 40 anos a geração dos anos 1960 deve ter tido a mesma impressão. E seguindo o curso natural, daqui há 40 anos, a geração do futuro poderá achar American Idiot ingênua e  ridícula. E isso me assusta. Talvez a mensagem deste musical não seja apenas explicar a geração do início do século XXI e sim dar um alerta de que se nada for feito, estaremos sentindo nostalgia da época em que assistimos com horror às torres caindo pouco antes do almoço.

Muvuca na porta do St. James, na rua 44, todos ainda chapados após a porrada de American Idiot. Os meia-idade de classe média tentando entender os seus filhos. Curiosamente, há um cartaz anunciando Hair ao lado esquerdo, como num convite à compração.
Se você está indo para Nova Iorque neste verão, não deixe de assistir.
Torço para que no próximo dia 13 de junho American Idiot ganhe o Tony de melhor musical.
Assim como torço muito para que chegue logo ao Brasil.
E aí me vem a pergunta: como o jovem brasileiro seria retratado?
É  esperar para ver.
Por enquanto, mergulhe aqui no site oficial do espetáculo. 

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segunda-feira, maio 24, 2010

Este blog está temporariamente fora do ar...




...porque o blogueiro está muito ocupado...

...descansando,...







...em Nova Iorque.

Mando notícias em qualquer edição extraordinária. Fiquem com Deus e juízo!

domingo, maio 09, 2010

Mais uma vez, ele...

Imagine a cena:
Dois homens se conhecem no balcão de uma espeluncas em Nova Iorque.
Mr. A é um sulista ultra-preconceituoso, moralista, religioso aos extremos e homofóbico. Está deprimido porque acaba de perder a mulher, que o deixou para seguir carreira como fotógrafa e viver com dois homens ao mesmo tempo.
Mr. B é um gay de meia idade que acaba de perder o caso modelo que o trocou para seguir uma carreira mais promissora em Paris.
E trava-se o seguinte diálogo entre os dois:
Mr. A: Quer dizer que você é gay?
Mr. B: Sim.
Mr. A: Mas isso é contra as leis divinas...
Mr. B: Mas Jesus Cristo também é gay.
Mr. A: Não diga isso! Nosso senhor criou o céu, o mar, os lagos, os rios, as florestas, as montanhas...
Mr. B: Pois é, ele é decorador.
Onde mais você poderia encontrar tal cena?

Aí, você me pergunta o que Woody Allen tem a ver com essa Carole King - que você deve estar ouvindo, cantando Music - se a música nem ao menos está na trilha sonora? E eu devolvo: Por quê? Não gostou?
Então você não passa de um(a) insensível mediocrezinho (a), que ama o lixo industrizlizado que tomou conta da música atual. Talvez o seu negócio deva ser Lady Gaga, essas artistas maluquetes pré-fabricadas ou essas garotas que se vestem como putas...
Me desculpe. Não estou querendo ofender você. Estou apenas tentando incorporar Boris Yellnikoff, o neurótico solitário de Tudo Pode Dar Certo, o novo trabalho do diretor novaiorquino.
O filme traz algumas particularidades. A primeira dela é o fato de Allen ter voltado a rodar na sua Nova Iorque natal, depois de filmar em Londres e Barcelona. Além disso, ao contrário dos seus últimos trabalhos, o diretor não está atuando.
Para falar a verdade, nem seria preciso. O tal Boris - interpretado brilhantemente por Larry David - é o próprio Allen. Não é a primeira vez que o mais neuróticos dos diretores norte-americanos faz uma refelexão sobre si mesmo na tela. Mas dessa vez ele pegou pesado. Chamou Larry David, o co-produtor da extinta série da tv Seinfield, famosíssima nos anos 90, na qual o próprio David interpretava George Constanza, outro insuportável problemático que era amado e odiado pela maioria dos telespectadores.
Larry se encarregou de viver Woody com todo aquele rol de problemas emocionais e psicológicos, mas vai mais longe, pois enquanto os persongagens interpretados pelo diretor eram confusos cidadãos esmagados por culpa judaica, Boris é um arrogante que se acha superior a tudo e a todos. Por isso, o mundo lhe é insuportável.
Mas Boris não passa de um solitário fracassado, que não obtem sucesso nem em suas dusas tentativas de sucicídios.
Então, ela chega.
Melodie - aliás, muito mal interpretada pela Evan Rachel Wood, que exagera um pouco nos clichês, transformando a persongagem quase numa debilóide e não era essa a intenção -, criaturinha de dezessete aninhos, toda pureza e doçura.
O tipo que mora no imaginário de todos os homens. E essa ninfeta de contos de fadas é posta pelo destino na vida do intragável tarja preta...
...vinda do interior, fugindo de um pai ultraconservador, religioso e ignorante - o Mr. A, lembra-se?...
...e de uma mãe porra louca (feliz participação de Patricia Clarkson)...
...que faz Dona Flor do Jorge Amado parecer uma freira, tentando tirar o atraso dos anos caretas que passou ao lado do Mr. A.
A criaturinha acaba caindo na lábia psico-existencial do tiozão e casa-se com ele.
Você consegue imaginar um brotinho desse se casando com figura tão deplorável?
Mas Tudo Pode Dar Certo, como o próprio título diz é uma fábula de amor e logo a criaturinha doce encontra seu príncipe encantado. 

Poderia ser o caso de uma história boba, gerando um filme ídem. Mas o talento de Allen de criar personagens interessantes, seus diálogos inteligentes e sua criatividade ao lidar com a câmera (o público também vira personagem, já que o insuportável Boris fala com a platéia quase todo o tempo, contando a própria história).
De quebra, o filme mostra diversos lugares de Nova Iorque que o turista descolado logo vai reconhecer...
...como a cena das comprinhas na UniQlo, no Soho, loja da marca japonesa, amada pelos jovens novaiorquinos.
Na verdade, o filme segue a linha dos recentes trabalhos do diretor, ou seja, divertidas comédias românticas para você rir e se divertir numa sessão da tarde. Os tempos do Allen magistral parecem ter ficado para trás.
Tudo Pode Dar Certo é uma fábula moderna sobre o amor, o perdão e a necessidade de ser aceitar o diferente. Mensgem bacana nesses tempos de individualismo extremo.
E é aí que entra Carole King, tão novaiorquina quanto Allen. Algumas cantoras têm a capacidade de nos estimular a cantar com elas. Billie Holliday tinha esse dom. A nossa Elis Regina também. Carole, ídem. Allen com o seu filme parece dizer: O mundo é uma merda. Viva o mundo! Relaxe e vamos procurar ser feliz enquanto o mundo não melhora. Da mesma forma que Carole King nos convida a cantar.
Não concorda? Que se dane! Esse blog é meu e ponho nele a música que eu quiser.
Me desculpe, mas acho que todos nós lá no fundo, beeeeeeem lá no fundo temos nossas verdades que tentamos vender como camelôs do Centro da Cidade. Como o Boris.
Vai dizer que não?
* Todas as fotos foram tiradas  daqui.

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