Foto by methoxyroxy
Imaginem a cena:
O pai de uma amiga minha estava muito mal na CTI de um hospital aqui do Rio. A visitação era restrita e rápida. Só uma pessoa por vez. Como não era da família, dei a vez para os mais chegados.
O clima era mesmo o de sala de espera da CTI. Ansiosidade, preocupação, medo e angústia. Pois, eis que um jovem casal, que também aguardava, começou a se beijar calorosamente. Aliás, escandalosamente. Beijo de língua, daqueles que na minha época, no século passado, só se ousava a dar, na intimidade de um carro ou entre quatro paredes.
O casal em questão era a filha dessa minha amiga e seu namorado. Ambos de dezenove anos. No início, as pessoas não ligaram. Mas passados alguns minutos, a cena começou a incomodar. Se constrangimento tivesse cheiro, o fedor ali seria insuportável. Até que a avó da menina teve a lucidez de pedir a a mãe para que acabasse com aquilo.
Depois da visita, fui jantar com essa minha amiga e ela comentou o fato, censurando a mãe por ter se preocupado com algo tão banal, num momento tão crítico. Então, com a minha franqueza mundialmente conhecida falei que a Dona Olívia, a mãe dessa minha amiga, havia agido corretamente, já que a Pat, a filha, parecia estar se exibindo. Nem vou falar que o momento decididamente não pedia aquela demonstração de afeto exagerada.
Mas a cena na sala de espera da CTI foi apenas o reflexo de algo que tenho assistido todos os dias, nos lugares mais variados: no metrô, nas ruas, nos elevadores, nos bares, nas praias, nos cafés, casais demonstrando afeto caloro e exageradamente. É sempre a mesma coisa. Beijos longos, alguns minutos de agarração e em seguida os dois olham ao redor para ver quantas pessoas estão olhando. E como sempre há gente olhando, eles não escondem o orgulho e voltam à cena.
Tá certo, você pode dizer que estou ficando velho. E estou mesmo ficando velho. Mas eu costumava corar quando me excedia nas minhas demonstrações de afeto e percebia que estava sendo visto. Afinal, era uma coisa que só a mim dizia respeito.
Comecei a pensar nisso, outro dia, quando um casal ao meu lado se agarrava de uma maneira...digamos...marketeira. Isso poderia ser apenas estranho, se não estivéssemos na sala de espera de um laboratório, enquanto esperávamos para fazer exame de sangue, às sete da manhã de uma segunda-feira. Me lembrei, então, de uma cena do clássico do Woody Allen, Tudo que você gostaria de saber sobre o sexo, mas nunca teve coragem de perguntar, em que um casal só conseguia chegar ao orgasmo se fizesse o ato em lugares públicos. No caso, o casal era uma dupla de depravados doentios. O que eu percebo por aí é puro exibicionismo, uma necessidade desesperada de mostrar para todos que "tenho alguém", "que sou amado", "olhem como sou feliz com o meu amor!"
Eu poderia aceitar a opinião daqueles que irão me xingar de quarentão invejoso, mal amado e careta, se não fosse a resposta que a minha amiga me deu, após ouvir a minha opinião:
"Ah, relaxe! Para essa nova geração o importante é viver intensamente."
Eu: "Como assim?"
Ela: "Está tão difícil arrumar alguém, que eles tem mais é que aproveitar. Qual o problema?"
Eu: "Sei, mas numa sala de espera de CTI..."
Ela: "Seja aonde for. O importante é aproveitar. Ninguém sabe quanto tempo vai durar."
Eu: "O importante é usar o seu parceiro ou sua parceira para se exibir?"
Ela: "Sim, qual o problema? As relações hoje são só isso. Os parceiros são apenas objetos para acariciar o nosso ego, nos fazer sentir bem. E não vejo nada errado nisso."
Eu (Chocado): "Os parceiros viraram objetos úteis apenas para satisfação do ego?"
Ela: "E por que essa cara? São mesmo isso. Objetos práticos e úteis. Aliás sempre foram, só que essa geração tem a coragem de lidar com isso sem a hipocrisia da nossa geração."
Eu (Um pouco mais chocado): "Objetos práticos e úteis?"
Ela: "Isso, meu bem. Como..."
Enquanto a minha amiga procurava palavras, falei a primeira coisa que veio a minha mente:
Eu: "Como tapetinhos de ioga."
Ela (após uma gargalhada): "Essa foi ótima! Mas é isso mesmo. São todos tapetinhos de ioga."
Horas depois desta conversa, o seu Odilon, pai dessa minha amiga, partia desse mundo onde os parceiros afetivos viraram tapetinhos de ioga.
Luz pra ti, seu Odilon.
E pra nós também.
Mandem bala.
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