segunda-feira, outubro 31, 2005

Dicas

"Amar é ser vencida a razão pela tolice"
Shakespeare, Os dois cavalheiros de Verona
Dica I
Começou no último dia 27 a nova temporada da série Lei e Ordem - Unidade de Vítimas Especiais, no Universal Channel, canal 43 da Net. Toda às quinta, 23 hs. É muito tarde? Tudo bem, a última temporada está passando de segunda à sexta, 20h. Imperdível. Principalmente para quem gosta de literatura policial.
O elenco da série

Dica II...


Sempre adorei Nova Iorque. E o Village Voice está fazendo bodas de ouro e quem ganha o presente é o leitor. Na verdade, é uma retribuição. O jornal está retribuindo à cidade que foi motivo de sua bela existência com uma seleção de suas melhores matérias e crônicas nessas 5 décadas. Dos beatkins ao 11/9/2001; dos punks ao rapers; da quase falência na década de 70 ao boom do crack no final dos 80; de Andy Wharol aos yuppies. Na verdade, o que o Village faz é contar a história de Nova Iorque neste período, abordando fatos importantes, as transformações, as modas, acontecimentos pitorescos, etc. E tudo com um carinho que me encheu de inveja. Inveja por que muito se fala sobre o Rio, suas belezas, seu povo, mas, que eu saiba, nunca se fez um panorama tão carinhoso sobre a evolução da Cidade Maravilhosa, abordando suas delícias e seus podres, mas sem deixar de declarar amor a esta cidade.
E há também as fotos. Belíssimas fotos que captam momentos cruciais ou apenas interessantes da história da Big Apple.
E para quem não sabe inglês ou não tem saco para traduzir, só as fotos já valem uma visita em http://www.villagevoice.com/.
Em seguida, algumas fotos que servem como aperitivo...

Keroack promovendo uma leitura de On The Road, a bíblia dos beatkins(Vide um dos últimos post), em 1959, em foto de Fred W. McDarrah.

O ativista Abbie Hoffman, doidaço, se "casando" em pleno Central park com Anita, em junho de 1967, durante o Verão do Amor, em foto de Fred W. McDarrah



Multidão gay na porta do bar Stone Wall, no West Village, durante a rebilião das bibas, na noite de 28 de junho de 1969. Foto de Fred W. McDarrah




A mulherada marchando furiosa pela Quinta Avenida, durante a famosa manifestação feminista no verão de 1970. Foto de Fred W. McDarrah.




Criatura da noite, dançando na Xenon, junho de 1978, naqueles loucos anos do auge da Disco Music. Nova Iorque abrigava as discotecas mais famosas do mundo e o mundo todo queria estar lá. Outra foto de Fred W. McDarrah.




Explode o Hip Hop e o Rap, outro movimento musical que nasceu lá em NYC. Run-D.M.C, em 1985. Foto de James Hamilton




O flagelo do crack, na virada dos anos 80 para 90. Nenhuma outra cidade sofreu tanto com o problema como NYC. Foto de James Hamilton



E na cidade onde tudo acontece, ativistas nus sendo presos ao pedirem para as grandes nações perdoarem as dívidas dos países pobres. Agosto de 2004. Foto de Jake Price.

D E S E J O

Victor Hugo
“Desejo primeiro que você ame,

E que amando, também seja amado.

E que se não for, seja breve em esquecer.

E que esquecendo, não guarde mágoa.

Desejo, pois, que não seja assim,

Mas se for, saiba ser sem desesperar.

Desejo também que tenha amigos,

Que mesmo maus e inconseqüentes,

Sejam corajosos e fiéis,

E que pelo menos num deles

Você possa confiar sem duvidar.

E porque a vida é assim,

Desejo ainda que você tenha inimigos.

Nem muitos, nem poucos,

Mas na medida exata para que, algumas vezes,

Você se interpele a respeito

De suas próprias certezas.

E que entre eles, haja pelo menos um que seja justo,

Para que você não se sinta demasiado seguro.

Desejo depois que você seja útil,

Mas não insubstituível.E

que nos maus momentos,

Quando não restar mais nada,

Essa utilidade seja suficiente para manter você de pé.

Desejo ainda que você seja tolerante,

Não com os que erram pouco, porque isso é fácil,

Mas com os que erram muito e irremediavelmente,

E que fazendo bom uso dessa tolerância,

Você sirva de exemplo aos outros.

Desejo que você, sendo jovem,

Não amadureça depressa demais,

E que sendo maduro, não insista em rejuvenescer

E que sendo velho, não se dedique ao desespero.

Porque cada idade tem o seu prazer e a sua dor e

É preciso deixar que eles escorram por entre nós.

Desejo por sinal que você seja triste,

Não o ano todo, mas apenas um dia.

Mas que nesse dia descubra

Que o riso diário é bom,

O riso habitual é insosso e o riso constante é insano.

Desejo que você descubra ,

Com o máximo de urgência,

Acima e a respeito de tudo, que existem oprimidos,

Injustiçados e infelizes, e que estão à sua volta.

Desejo ainda que você afague um gato,

Alimente um cuco e ouça o joão-de-barro

Erguer triunfante o seu canto matinal

Porque, assim, você se sentirá bem por nada.

Desejo também que você plante uma semente,

Por mais minúscula que seja,

E acompanhe o seu crescimento,

Para que você saiba de quantas

Muitas vidas é feita uma árvore.

Desejo, outrossim, que você tenha dinheiro,

Porque é preciso ser prático.

E que pelo menos uma vez por ano

Coloque um pouco dele

Na sua frente e diga "Isso é meu",

Só para que fique bem claro quem é o dono de quem.

Desejo também que nenhum de seus afetos morra,

Por ele e por você,

Mas que se morrer, você possa chorar

Sem se lamentar e sofrer sem se culpar.

Desejo por fim que você sendo homem,

Tenha uma boa mulher,

E que sendo mulher,

Tenha um bom homem

E que se amem hoje, amanhã e nos dias seguintes,

E quando estiverem exaustos e sorridentes,

Ainda haja amor para recomeçar.

E se tudo isso acontecer,

Não tenho mais nada a te desejar ".

sábado, outubro 29, 2005

3 Meses de Bala!!!!!

E aproveitando que o Desarmamento se f...!
EMBALOS DE SÁBADO À NOITE







"A realidade é inacreditável.”
Clarice Lispector





terça-feira, outubro 25, 2005

Há 30 anos a literatura brasileira tinha um Feliz Ano Novo


A foto é pequena, mas o livro é tudo. Capa original da obra de Rubem Fonseca, lançado em 1975, pela finada Editora Arte Nova. Hoje, disputada a tapa nos sebos.

Há muitos anos atrás, eu fazia uma oficina literária com a escritora Sonia Coutinho (Os Seios de Pandora, O Caso Alice, Rainhas do Crime) e lhe mostrei um romance que eu havia escrito, Piscinas. Era péssimo e há muito foi para o lixo. Em determinada parte, havia um diálogo entre adolescentes e um deles dizia “porra” excessivamente. A Sonia, então, me disse com o seu delicioso sotaque baiano: "Leia isto e veja como usar um “porra” na hora certa." Em suas mãos estava o recém-relançado exemplar de Feliz Ano Novo e estava aberto na página inicial do conto Botando Pra Quebrar. E o conto começava exatamente assim: Estava meio fudidão...
Eu já havia folheado Feliz Ano Novo na época do seu lançamento, no final de 1975. E se esse novo contato, anos mais tarde me causou uma certa surpresa, imaginem na ocasião do lançamento, quando o país ainda vivia sob a guarda de uma ditadura militar!
Naquele final de ano de 75, o título daquele livrinho mais parecia uma jogada de marketing. Mas bastava uma folheada, para perceber o que se tinha nas mãos.
Quando Rubem surgiu com o seu primeiro trabalho, o livro de contos Os Prisioneiros, a literatura brasileira não conseguia se livrar do ranço rural, intimista e lírico de ícones como Guimarães Rosa, Clarice Lispector e José Veríssimo. Era como se falar sobre as mazelas urbanas não fosse literatura.
Pois Rubão provou que era e causou um enorme impacto ao falar de trambiqueiros, vagabundos, putas, marginais e de personagens que só encontramos nos grandes centros. Tudo com uma linguagem seca e veloz, como os carros que cortam as grandes avenidas.
Foi algo inovador – pra mim, revolucionário até. Mas mesmo os seus fãs achavam que ele não poderia ir mais longe. E foi. Em 1967, o seu terceiro trabalho, a coletânea de contos Lúcia MacCartney, foi um mergulho mais fundo na piscina do submundo. Na época, ninguém fazia o que ele fez e ainda foi premiado e agradou aos críticos.
Em 1973, Rubão lançava o seu primeiro romance, O Caso Morel. Era como se o estilo árido, conciso, cínico e cheirando a gás carbônico, saísse da telinha da tv portátil do quarto e fosse para o home theatre.
Mas ninguém esperava mais nada de Rubem naquele final de 75. Aparentemente Feliz Ano Novo não trazia nada de novo. Afinal, o seu estilo já havia chegado à telona. O que mais ele poderia querer ou fazer? Pois, em seus 15 contos, o estilo rubemfonsequiano ganhava agora a pureza de uma tv plasma, tela plana. Ou seja, uma obra de arte.
Logo de cara, o leitor, depara com o conto-título, no qual um bando de marginais da Cruzada São Sebastião invade um festa de milionários e mata todo mundo. Daí por diante, é só pauleira. Tem Corações Solitários, com sua visão crítica e bem humorada de uma redação de jornal. Tem Abril, no Rio, 1970, sobre a desilusão de um aspirante a jogador de futebol. O já citado Botando Pra Quebrar, contando as agruras de um segurança de boate. Os famosos Passeio Norturno I e II, onde um cidadão de classe média alta, ao invés de fazer ioga, descarrega sua tensão atropelando gente. Tem também o sofisticado Nau Catrineta, sobre uma família de antropófagos. Tem ainda A Entrevista, sobre um cara que gostava de entrevistar prostitutas antes de transar. Tem o cínico Intestino Grosso, com sua visão crítica sobre o meio literário. E tem muito mais.
A recepção ao livro não podia ser melhor. Público e crítica se renderam ao universo violento e imoral, narrado com o estilo seco, cinematográfico e de humor cortante do Rubão, só que agora com a experiência e a maturidade de quem já estava anos na estrada. Me lembro que eu e a torcida do Flamengo não sabíamos como reagir ou definir o livro, tamanho o impacto que tínhamos ao lê-lo, só sabíamos que o adorávamos.
O único que não gostou nem um pouco, foi o então ministro da Justiça do presidente Ernesto Geisel, Armando Falcão, que mandou recolher Feliz Ano Novo, meses depois, quando o livro já havia vendido mais de 30 mil exemplares. “Folheei algumas páginas, vi alguns palavrões e mandei recolher”, foi o argumento de Falcão. Um senador da Arena, partido do governo, chegou a pregar a prisão do autor. Em suma, Feliz Ano Novo, foi proibido em todo território nacional. As livrarias não podiam expô-lo em suas vitrines e você poderia ser preso se fosse visto carregando um exemplar na rua ou o lendo na escola, por exemplo.
Rubem Fonseca, mineiro de Juiz de Fora, preferiu o silêncio. Demorou quatro anos para lançar outro livro, O Cobrador, e entrou na justiça em 1980, quando os ventos da Abertura Política haviam começado a soprar. Na primeira sentença, naquele mesmo ano, o juiz manteve a proibição. Rubão recorreu e só em 1985 conseguiu ver sua obra liberada, sendo relançada pela sua nova editora, a paulista Companhia das Letras, em 1989.
De lá pra cá, Rubão tem se dedicado mais aos romances. Produziu clássicos como A Grande Arte, Agosto e Romance Negro e Outras Histórias. Ele sofisticou a sua linguagem, amadureceu e buscou outros caminhos, sem ficar acomodado em um que tenha dado certo no passado. De qualquer forma, o Rubão já garantiu o seu lugar de honra na literatura nacional, como símbolo de uma época em que ainda era possível se entrar numa livraria e ter felizes surpresas.

Mais Fotos...

Eu estava tão emocionado com o lançamento do A Arte de Odiar (ver o post anterior) que esqueci de mostrar outras fotos do Encontro Bagatelas. Esqueci de dizer que todas as fotos do Encontro foram tiradas por Liana Dantas do http://eagorajose.blogspot.com/. Mas ainda é tempo de desfazer essa sacanagem.

Vidal lendo coisas do Cortázar.

O agradável salão sobre o Odeon-BR, onde rolam os Encontros Bagatelas.

Ernesto Aguiar e Dodô Azevedo, dois marmanjos feios, mas entendidos em Cortázar...

...que deixaram a platéia bem atenta. No meio está Kate, a Sra. Vida.

Não sabe onde vai ser o happy hour de sexta?...


Pai coruja

Para quem não leu o meu último post, no último dia 21, nasceu o meu livro, o romance policial A Arte de Odiar. Quem estiver interessado, é só entrar em contato(julio-correa19@hotmail.com) E para quem não se lembra, começa assim...

"As bailarinas não davam a mínima para o morto. Eu devaneava, vendo-as patinar lentas, no gelo azul. Uma, duas, três, cinco, dez. Patinavam juntas, em linha vertical, no início. E na forma de um V, depois. Uma retardatária apressava-se para juntar-se às outras. E todas seguiam sem se preocupar com nada além de si mesmas.
Um homem e uma mulher se amavam. O primeiro filho estava a caminho. A gravidez tornou-se complicada e os médicos, então, aconselharam o aborto. Mas a felicidade havia tornado o casal arrogante e tal hipótese foi descartada. Nada poderia dar errado, pensavam. A mulher acabou morrendo durante o parto. O menino nasceu saudável, mas morreria dezenove anos depois em um estúpido acidente de moto. E o homem seguiu a sua vida, sozinho e infeliz.
Este homem sou eu e as gaivotas não ligavam para mim. Nem para o morto. "

domingo, outubro 23, 2005

Nasceu!!!!!!....


...Meu livro. A Arte de Odiar. Um menino. 14 x 21. A cara do pai.







O chá de bebê foi na Dantes, do Odeon-Br, no último sábado, 22, em meio a mais um evento do Bagatelas, que este mês homenageou o saudoso Julio Cortázar. E mais uma vez o a turma do Bagatelas.net, liderados pelo Raphael Vidal, não fez feio. Com a informalidade, que é a marca registrada do grupo, tudo ocorreu no mesmo clima de bate papo de sempre, sem a frieza das rodas de leitura ou dos chamados "encontros com o autor", em que a platéia ouve muito e, raramente pode intervir. Mais uma vez o Bagatelas confirmou o seu estilo inovador, trazendo o público para o centro da discussão, que foi liderada por Dodô Azevedo, que durante o dia é um pacato professor de literatura e á noite comanda a festa Pessoas do Século Passado, nas Laranjeiras. A única visita inesperada - e indesejada - foi a da chuva, afastando um pouco o público. Mas nada que estragasse a festa. Foram discutidos e lidos trechos de trabalhos de Cortázar, sobretudo o famoso romance Jogo de Amarelinhas. O seu namoro como o bebop, os aspectos inusitados da sua literatura fantástica e o seu engajamento político também foram comentados, assim como a sua influência sobre gerações de escritores. Mais uma vez, um golaço do Bagatelas, grupo do qual me orgulho estar fazendo parte, com uma coluna toda sexta-feira, que leva o nome deste blog (http://balaperdida.bagatelas.net/). Parabéns à Dantes e a todos que participaram.
E fiquei tão facinado com o Encontro Bagatelas sobre Cortázar, que tirei da gaveta, um pequeno conto, meio fantástico, com o qual ganhei uma menção honrosa em um concurso, em 1995.
E por falar em encontros literários fora do padrão...

A mítica livraria City Lights na época do movimento beat.
“Eu vi os expoentes
da minha geração
destruídos pela
loucura,
morrendo de fome,
histéricos, nus,
arrastando-se pelas ruas do bairro negro
de madrugada
em busca de uma dose violenta de qualquer coisa.”


Trecho de Uivo, poema de Allen Ginsberg. Título do livro, cuja a capa está aqui embaixo.




Numa noite fria de outono, no final de 1955, um grupo de poetas e escritores estavam reunidos para uma espécie de sarau na livraria City Lights, no centro de São Francisco. Então, o novaiorquino Allen Ginsberg, que já estava algum tempo na cidade e era habitué do local, pediu licença para ler seu incendiário poema. O que se viu depois, já virou lenda. De certo, o movimento beat não nasceu ali, mas Uivo virou o seu panfleto e o romance On The Road, de Jack Kerouak, a sua bíblia. Pouco depois, Ginsberg e sua turma beatikin iniciaria suas primeiras experiências com o ácido e suas viagens espirituais, que seriam as sementes que dariam as flores do movimento de contra-cultura dos anos 60.
Ginsberg faleceu em 1997. Praticamente toda a sua turma beat também. Mas a City Lights ainda está lá - se ficasse no Brasil, certamente já teria vindo a baixo - impávida, com poster, fotos, livros autografados e outras lembranças daqueles tempos e daquela noite, há 50 anos, que entrou para a história.




Vitrine atual da City Lights, que ainda atrai poetas e escritores de todo o mundo, interessados em respirar um pouco atmosfera libertária de 50 anos atrás.

Houve um revival de saraus, poesias e encontros literários nos EUA, a partir dos anos 90. Principalmente com o boom da internet, blogs, etc. A geração beat voltou a ser cultuada, após a morte de seus líderes. A foto acima é de um desses saraus que rolam todo mês, justamente na City Lights, em San Francisco, que foi onde tudo começou e onde os 50 anos de Uivo, certamente não passarão em branco.

quarta-feira, outubro 19, 2005

Uma Mulher Atormentada e Etc




"Olho em redor do bar em que escrevo estas linhas. Aquele homem ali no balcão, caninha após caninha, nem desconfia que se acha conosco desde o início das eras. Pensa que está somente afogando problemas dele, João Silva... Ele está é bebendo a milenar inquietação do mundo!"
Mário Quintana


Quer mais?...http://www.releituras.com/mquintana_bio.asp
OH, SENHOR! EU ESTAVA NAS TREVAS E AGORA VEJO A LUZ (OU OUÇO UM SOM)...
No post Coisinha Bonitinha do Pai, sobre o Ipod, eu cometi um erro, ao generalizar, dizendo que todas as rádios estão uma m. Mas nem tudo está perdido. Ainda há salvação. A Eldorado FM, de São Paulo, é uma milagrosa exceção. Dê uma olhada, http://radioeldoradofm.com.br/


Vlado
Na próxima terça feira, 25, quando se completarem os 30 anos da morte de Vladimir Herzog, ainda estará em cartaz Vlado - 30 anos depois, documentário do jornalista João Batista de Andrade. Se Batista tivesse feito um documentário sobre a prisão e morte do jornalista que fez do seu ofício um ato de resistência ao regime militar, já seria uma atitude louvável. Mas Batista fez mais, antes de tudo, um documentário sobre um grande amigo. E é isso que faz a diferença em Vlado, que inexplicavelmente só está em cartaz no Unibanco Multiplex, na Praia de Botafogo. Com depoimentos de Dom Evaristo Arns, a viúva Clarice Herzog, Fernando Morais, Paulo Markun, entre outros, o filme é uma visita comovente a um período não muito distante, mas pouco falado.
Tenho apenas vagas lembranças daquela época. Eu tinha 16 anos e estudava no Pedro II do Humaitá. No dia em que saiu a notícia da morte de Vladimir no DOI-CODI paulista, nossos professores fizeram apenas comentários evasivos e cautelosos. E basta assistir Vlado para entender por quê.

terça-feira, outubro 18, 2005

ASSUNTOS DIVERSOS II


Quarta-feira de manhã...
As cinco horas enquanto o dia inicia, silenciosamente fechando a porta de seu quarto, deixando um bilhete que ela espera dirá mais. Ela desce a escada até a cozinha, segurando seu lenço. Cuidadosamente virando a chave da porta dos fundos, pisando lá fora ela está livre

Ela está deixando o lar

Os pais: - Nós a demos a maior parte de nossas vidas. Sacrificamos a maior parte de nossas vidas. Nós a demos tudo que o dinheiro pudesse comprar.

Ela está deixando o lar após viver só por tantos anos. (Bye, bye)

O pai ronca enquanto sua esposa veste seu roupão. Apanha o bilhete que está deixado ali. Em pé sozinha no topo das escadas, ela se desmancha e clama para o seu marido:

- Papai, nosso bebê se foi!!!!

- Porque ela nos trataria de modo impensado? Como que ela pode fazer isto comigo?



Ela está deixando o lar.

Os pais: - Nunca pensamos em nós. Jamais um pensamento para nós. Nós lutamos com dificuldade para vencer.

Ela está deixando o lar após viver só Por tantos anos. (Bye, bye)

Sexta-feira de manhã às nove ela está bem longe, esperando para manter o compromisso que ela fez. Encontrando um rapaz que faz negócios com carros

Ela está se divertindo. Diverção é a única coia que o dinheiro não conseue comprar.

Os pais: - O que foi que fizemos de errado? Nós não sabiamos que era errado)

Algo por dentro que sempre foi renegado Por tantos anos. (Bye, bye)
Ela está deixando o lar, bye bye

O texto acima não é nenhum trecho de conto, romance ou qualquer gênero literário. Até poderia ser, mas trata-se da letra de She´s leaving home, composta pela dupla Lennon e MacCartney, em 1967. E é mais um exemplo do namoro que deu certo, entre a literatura e a música. Namoro esse, que alguns novos autores insistem em dizer tratar-se de uma característica da nova safra de escritores, conforme coloquei no último post. Ninguém comentou a respeito e eu já ia dando o assunto por encerrado, quando recebi um e-mail carinhoso de Anna Maria Ribeiro, autora de um texto sobre o referendo do desarmamento, ao qual também me referi no último post. Ela colocou ainda mais lenha na fogueira ao me enviar um excelente texto escrito por ela, entitulado Noel Rosa e a Síntese, e publicado no jornal Mombläat, de Fritz Utzeri. Aí, vai um trecho, no qual ela disseca um samba de Noel, para exemplificar a proximidade da música com a literatura. Aí, vai:

"Em um de seus sambas – Pra Esquecer - existe uma estrofe que sempre me faz viajar. Em poucos versos ele consegue contar uma história triste, muito triste.

"E hoje em dia
Quando por mim você passa
Bebo mais uma cachaça
Com meu último tostão
Pra esquecer a desgraça
Tiro mais uma fumaça
Do cigarro que eu filei
De um ex-amigo que outrora sustentei”.

Três são os personagens. Um homem amargurado fala da mulher que o deixou. Gosta dela ainda, é claro. Percebe-se pela amargura. Depois de tudo que viveram juntos ela, hoje, passa por ele, sem falar, sem sequer olhar. Para piorar as coisas não tem mais dinheiro. Será que foi por isto que ela o deixou? Não gostava dele, então. Foi o dinheiro, o vil metal que a manteve por perto. Foi-se o dinheiro, foi-se ela. E sabe-se lá, foi ela mesma a causa desta derrocada dilapidando a fortuna com gastos e caprichos extravagantes. Agora ele é pobre de marré-marré-deci. E começa a beber. Naquele dia fundo de poço o dinheiro que resta, um último tostão, permite só mais uma cachaça. Nem mais para o cigarro sobra. Nem sempre foi assim. Um dia teve muito. Sobrava-lhe. E tanto que sustentava pelo menos um amigo. Este também o deixou quando o viu sem tostão. Cúmulo da ingratidão! E então vai-se por água abaixo o amor próprio e ele humilha-se filando um cigarro a este mesmo amigo! Dá pra imaginar a cena, não dá? È terrível. E eu estou apenas resumindo. Poderia ir bem mais longe."

Mais uma vez, obrigado, Anna.

Também achei oportuno voltar a este assunto porque hoje, terça-dia18, começa no Centro Cultural Banco do Brasil, um seminário sobre a literatura latino-americana comtemporânea. Durante quatro dias, autores como os brasileiros Sérgio Sant’Anna, Joca Terron, Santiago Nazarian e Luiz Ruffato, o argentino César Aira e o cubano Ronaldo Montero, tentarão esboçar uma cara para atual literatura feita em nosso continente. Sengundo Beatriz Rezende, a curadora do evento, os convidados têm todas as características da nova literatura, ou seja, irreverente, urbana, antenada às multiplicidades do mundo, sensível a muitas filtragens artísticas, como a música e o cinema. É dar um pulo até lá e conferir.

Há vinte anos...
Tá certo que este revival dos anos 80 já está dando no saco. Mas vou embarcar nessa pela primeira e última vez, para recordar o que curtíamos há vinte anos atrás.



O Songs From The Big Chair, com a extinta dupla Tears for Fears - que a gente chamava de tias fofinhas. Este CD tem o hit Everybody Wants to Rule The World. Os dois se separaram em 1991. O Tears prosseguiu com nova formação.




O Brasil todo cantava coisas como "A gente somo inútiiiiiiiiiiiil" por causa deste disco que foi o segundo maior hit do ano no país, só perdendo para o trabalho aí em baixo.




Eles foram o maior fenômeno de vendas depois dos Secos e Molhados. Chegaram a vender quase o mesmo que o Roberto Carlos e viraram uma febre, com fãs se descabelando nos shows, coisa que não se via desde os tempos dos Beatles. E nas festinhas, todo mundo dançava ao som de "Louras Geladas, na mesa de um bar..."




Os Dire Straits foram fenômeno de vendagem na Grã Betanha com o belíssimo Brothers and Arms. O ano também foi marcado pelo álbum de estréia do Sting, o excelente The Dream of The Blue Turtles.






E chega! Anos 80, descansem em paz!



sábado, outubro 15, 2005

ASSUNTOS DIVERSOS

??????????????????????

“Me deitei com uma divorciada de Nova Iorque. Eu provoquei uma briga. Ela, então, me cobriu de rosas, socou o meu nariz e me apagou. Isso que é uma mulher do tipo quebra-barraco.”
É um microconto? Não. Sim. Não. Mas, sim, poderia ser.
“Amou daquela vez como se fosse a última. Beijou sua mulher como se fosse a última. E cada filho seu como se fosse o único. E atravessou a rua com seu passo tímido. Subiu a construção como se fosse máquina. Ergueu no patamar quatro paredes sólidas. Tijolo por tijolo num desenho mágico. Seus olhos embotados de cimento e lágrima. Sentou prá descansar como se fosse sábado. Comeu feijão com arroz como se fosse um príncipe. Bebeu e soluçou como se fosse um náufrago. Dançou e gargalhou como se ouvisse música.E tropeçou no céu como se fosse um bêbado. E flutuou no ar como se fosse um pássaro. E se acabou no chão feito um pacote flácido. E agonizou no meio do passeio públicoMorreu na contramão atrapalhando o tráfego.”
E isto é um trecho de algum texto pós-moderno?
“Estou de volta à terra árida outra vez. A oportunidade me espera como um rato no esgoto. Todos nós estamos caçando, meu bem, com dinheiro pra torrar. Tenho pouco tempo pra lhe mostrar os truques que aprendi.”
Trecho de algum romance?
Se você advinhou que o microconto não passa da segunda estofre de Honky Tonky Woman, dos Stones, que o segundo é a primeira parte de Construção, do Chico, e que o de cima é a primeira estrofe de Painted Lady, do Elton John, parabéns!
Mas já que você é tão inteligente, me responda a seguinte questão: há outra forma de música e literatura interagirem, além da descrita acima?
Vou explicar o porquê da pergunta. Ela me persegue desde o dia 25 de setembro, que foi o último dia da Primavera dos Livros, no Jockey do Rio. No final da tarde daquele domingo, algumas dezenas de pessoas compareceram à tenda dos debates para ouvir sobre A ficção em diálogo. A literatura e outras artes.
Durante uma hora, o escritor/jornalista Marcelo Moutinho, a escritora/doutora em literatura Beatriz Rezende, o compositor/músico Francisco Bosco, o cineasta Juva Batella e a dramaturga Daniela Pereira de Carvalho, do grupo Os Deziquilibrados, tentaram explicar uma suposta ligação entre a nova literatura e o cinema, o teatro e a música.
Bosco, por exemplo, falou do namoro dos compositores com a poesia.
Alguma novidade? Vinínius, Zeca Baleiro, Geraldo Carneiro, Zé Ramalho, Antônio Cícero, Aldir Blanc, que o diagam.
Batella ressaltou as adaptações literárias para o cinema. Daniela fez o mesmo em relação ao teatro.
Mas isso é alguma novidade? Quantas obras literárias já não foram levadas às telas. Cidade de Deus, só para combinarmos. Linguagem de roteiro na literatura? Basta ler Rubens Fonseca, no seu Feliz Ano Novo de 1975. O conto A Entrevista já tinha este formato. Mais recentemente, em 1994, o Sérgio Sant´anna usou o mesmo formato no seu O Monstro. Só para dar dois exemplos.
Marcelo Moutinho falou da sua emoção ao ouvir uma composição sua cantada por outro. Também falou sobre os blogs e as críticas que a nova geração de escritores tem recebido, enquanto Beatriz Rezende mostrou um panorama da atual literatura.
E só.
Você poderia me explicar que namoro é esse da nova literatura com as outras artes? Até agora eu não entendi.
EU VOU ATRAPALHAR A SUA PRAIA
Ontem, sexta 14, fez quarenta graus e sétimo décimos na Praça Mauá. Nem no último verão fez tanto calor. Isso pode ser um efeito do aquecimento da terra? Provavelmente. E enquanto o carioca dava o seu mergulho, pensando que eram os únicos a ganhar com o aquecimento, Jorge Pontual postava em seu New York On Time ( http://www.nyontime.blogspot.com) uma matéria do New York Times justamente sobre os que realmente lucrariam com o aquecimento global e com o degelo total do Polo Norte. Pode parecer incrível, mas tem gente que vai tirar vantagem dessa tragédia ecológica. Vale a pena dar uma olhada. Mas depois do mergulho, pois é de estragar a praia de qualquer um que tenha bom senso.
E ainda de quebra, antes, tem uma ótima matéria de Ana Maria Ribeiro sobre o FLA X FLU que se transformou a campanha para o referendo do próximo domingo. Não pode se esperar muito de uma nação em que se privilegia o esporte em detrimento da cultura, da educação e da informação. Escolhe-se um candidato ou uma causa com a mesma superficialidade com que se escolhe um time. Depois, é só torcer. Não importa se é certo ou errado, desde que a sua escolha vença.

E OS EMBALOS LITERÁRIOS DA PRIMAVERA CONTINUAM...



O destino não tem pena. O destino é um cobrador eficiente. E Gina Farmelli olhou para a carta com horror. Todo erro cometido é uma dívida a ser paga, ela sabia. Por isso, o seu terror ao receber a carta. A hora de começar a pagar a sua dívida havia chegado.

Trecho de Saudades de Neve, Ilusões e Vinhos. Escrito por Otávio Brandão, o escritor assassinado no meu A Arte de Odiar, que está pra sair. Aguardem!




E POR FALAR EM LITERATURA E MÚSICA...

Uma que é perfeita para noites quentes de primavera...


Deixar Você
Gilberto Gil
Deixar você ir
Não vai ser bom
Não vai ser
Bom pra você nem melhor pra mim
Pensar que é só
Deixar de ver e acabou
Vai acabar muito pior
Pra que mentir
E fingir que o horizonte
Termina ali de fronte
E a ponte acaba aqui
Vamos seguir
Reinventar o espaço
Juntos manter o passo
Não ter cansaço
No crer no fim
O fim do amor, oh não!
Alguma dor, talvez sim
Que a luz nascer na escuridão
Deixar você ir....
Pra que mentir...
Que a luz nascer na escuridão
Guarde tudo em seu coração

terça-feira, outubro 11, 2005

COISINHA TÃO BONITINHA DO PAI



Uma coisinha de menos de vinte centímetros está sacudindo o mundo da música.
È uma coisinha bonitinha de apenas quatro letras.
A primavera chegou. A temperatura sobe e estamos todos tendo aquela sensação de que algo muito importante irá acontecer em nossas vidas. Foi dada a largada para o verão. Como já falei em post anteriores, é hora de pegarmos uma bicicleta e sairmos por aí, para ver se algo realmente acontece.
E se for com um Ipod, muito melhor.
Eu já tenho o meu. Do tamanho de um isqueiro. Mas cheinho de músicas que amo ouvir enquanto pedalo. Tem Steve Wonder, Burt Bacharah, Elis, Rolling Stones, Curtis Mayfield, Red Hot Chily Peppers, e coisa e tal. O grande barato do Ipod é justamente você fazer uma programação bem variada e botar para tocar aleatoriamente. É gostoso a surpresa, aquela coisa do “O que vai tocar agora:” E quando a seleção de música não lhe der mais prazer, é só preparar outra.
O Ipod veio substituir a emoção que tínhamos ao ouvir rádio. Quando as estações realmente nos surpreendiam e não tocavam as mesmas faixas que são pagas para tocar. Era ótimo ser surpreendido por uma música que não ouvíamos há muito tempo, ou uma música do lado B do disco que queríamos comprar, ou a nova música de um artista pouco conhecido.
Hoje, pelo menos aqui no Rio, se você não é evangélico, tem bom gosto, já passou dos trinta e não é nostálgico o bastante para aturar tantos flash-backs, não consegue tirar muito prazer ao girar o dial.
O Ipod está me fazendo sentir mais novo nesta primavera. Estou tendo a mesma sensação que tinha aos vinte anos, quando andava na rua com o meu pesadão walkman, em 1980. E me sentia o máximo. Eu não sabia de nada. Isso foi pouco antes do Freddy Mercury cantar a profética ‘Radio gaga, Radio gugu, Radio blabla'. Ele morreu sem ver o que estava por vir.
E descobri que não sou o único maravilhado com o aparelhozinho. O Jorge Pontual falou do seu no www.nyontime.blogspot.com/
Salve o Ipod!





Estão fazendo 25 anos da sua partida. E pouco tem se falado a respeito.
Mas eu não esqueci.


BASTA DE CLAMARES INOCÊNCIA
Composição: Cartola

Basta de clamares inocência
Eu sei todo o mal que a mim você fez
Você desconhece consciência
Só deseja o mal a quem o bem te fez
Basta não ajoelhes, vá embora
Se estás arrempedida
Vê se chora
Quando você partiu
Disseste chora, não chorei
Caprichosamente fui esquecendo
Que te amei
Hoje me encontras tão alegre e diferente
Jesus nao castiga o filho que está inocente
Basta não ajoelhes, vá embora
Se estás arrependida
Vê se chora




E esta primavera começa com um relançamento em CD no míimo interessante.

Este aí de cima já foi considerado um dos mais importantes lançamentos da MPB dos anos 70. Talvez só perdendo para o Clube da Esquina, do Milton, que por sinal, é do mesmo ano, 1972.

Com uma mistura esperta e corajosa de ritimos brasileiros como samba, chorinho e forró com elementos do pop e do rock, os Novos Baianos - grupo surgido em 1969 e que na época vivia numa comunidade hippie, onde hoje fica o bucólico bairro de Vargem Grande, zona oeste do Rio - causaram uma revolução, acabando de vez com o pudor que se tinha ao se colocar uma guitarra elétrica numa música popular. Eles anteciparam, mais ou menos, o que o pessoal do mangue beat faria nos anos 90. Vale muito a pena conferir, nem que seja por curiosidade.

ACABOU CHORARE
(Moraes Moreira & Galvão)


Acabou chorare, ficou tudo lindo

De manhã cedinho, tudo cá cá cá, na fé fé fé

No bu bu li li, no bu bu li lindo
No bu bu bolindo,
Talvez pelo buraquinho, invadiu-me a casa
Me acordou na cama
Tomou o meu coração e sentou na minha mão
Abelha, abelhinha

Acabou chorare, faz zunzum pra eu ver, faz zunzum pra mim
Abelha, abelhinha escondido faz bonito, faz zunzum e mel
Inda de lambuja tem um carneirinho, presente na boca
Acordando toda gente, tão suave me´que suavemente

Acabou chorare no meio do mundo
Respirei eu fundo, foi-se tudo pra escanteio
Vi o sapo na lagoa, entre nessa que é boa

Fiz zunzum e pronto


"Teresa tinha coxas largas e cheias de pêlos dourados que feriam meus lábios como farpas. O dia de verão começava a nascer e eu cumpria o meu ritual, beijando suas pernas, suas coxas, sua barriga. Quando beijei os seus mamilos, ela sorriu.
“Sonhando, meu amor?”, perguntei.
“O sonho...”, ela continuava com os olhos fechados. Parecia ainda dormir. “O sonho é uma cidade linda, onde sou bem tratada e para onde sempre volto. Um dia ainda me mudo pra lá.”
“Que bonitinho! Fale de novo.”
“Não. Estou cansada...ai, pára...”
“Vamos à praia?”, eu, lambendo os contornos do seus seios.
“Vamos. Ai...você é tão...você é tão...”

Trecho romântico do meu A Ate de Odiar, que já está no prelo. Aguardem!


sábado, outubro 08, 2005

A VINGANÇA DO SUBÚRBIO


No filme Os Embalos de Sábado à Noite tem uma cena em que o bronco Tony Manero (John Travolta) demonstra para a sua paquera Stephanie (Karen Lynn Gorney) o seu orgulho de pertencer ao Brooklyn. E ela diz: “Ah, mas não é Manhattan! Não é Manhattan!”
O filme é de 1977.
A partir da segunda metade da década de 90, Nova Iorque sofreu uma volorização sem precedentes em sua história. Áreas, antes, desprezadas pelas imobiliárias, como o West Village, o Soho, Tribeca e até mesmo o Harlem, passaram a se disputadas pela classe média a preços inacreditáveis. O 11/9 baixou um pouco a bola do mercado, mas os preços voltaram a subir e há lugares, onde um quarto e sala não sai por menos de US$ 1 milhão. Isso forçou pequenos comerciantes, boêmios, artistas desconhecidos, estudantes e toda uma fauna que residia nessas áreas a atravessar a ponte do Brooklyn, atrás de alugueis e valores de imóveis mais acessíveis. Este fenômeno acabou levando mais arte, vida noturna, boemia e alegria para áreas, antes monótonas. A esnobe Stephanie certamente teria que mudar os seus conceitos hoje.
Nasci no subúrbio. Num lugar próximo ao Méier, chamado Lins de Vasconcelos. Mas desde muito cedo compreendi que, literalmente, a minha praia era a zona sul. Alguma coisa acontecia em meu coração, quando cruzava a Glória em direção à orla.
Finalmente, em dezembro de 1974, nos mudamos para o Flamengo. Era véspera de ano novo e eu estava feliz como nunca havia estado antes. Afinal, havia deixado o subúrbio.
Era verão e comecei a pegar onda. Fiz as minhas primeiras amizades. E meus primeiros amigos moravam no trecho entre o Leme e o Leblon. E quando falei onde morava, tive que ouvir: “Ah, você mora no subúrbio da zona sul.” Não é Manhattan! Não é Manhattan!
Puta merda, pensei.
E foi assim durante anos. Todos se referiam ao local onde eu morava como “depois do túnel.”
Mas isso foi há muito tempo. Dos anos setenta para cá, muita água rolou.
É realmente interessante o que acontece com as cidades, as pessoas parecem se moverem por ela como se fossem ondas.
Se não vejamos, o Rio no início do século passado. Houve um forte movimento migratório do Centro para os bairros mais próximos. A classe média começou a se espalhar pelo Catete, Flamengo, Botafogo, Urca, Laranjeiras e Cosme Velho. Também locais como Catumbi, Rio Comprido, Tijuca e São Cristóvão, passaram a serem procurados para abrigar os que ascendiam socialmente. Os demais ficavam pela periferia ou, pior, permaneciam no Centro, com seus becos fétidos, seus cortiços, suas ruas mal iluminadas e seus batalhões de ratos e baratas.
Quando o prefeito Pereira Passos fez o seu Bota Abaixo, a maior reforma pela qual o Centro passou até hoje, esperava-se que a classe média, ou uma parte dela retornasse. Mas não voltou, pelo contrário. Foi se afastando cada vez mais para os lados de Ipanema, Lagoa e Gávea.
Até a década de 70, quanto mais a classe média se afastava do Centro, os bairros próximos iam se desvalorizando e perdendo status. As obras do metrô vieram complicar ainda mais a situação da área do Catete, Gloria e adjacências.
Na segunda metade da década de 70, começou a corrida em direção à Barra da Tijuca e, nos anos 90, ao Recreio dos Bandeirantes. Então, a ordem era ficar o mais longe o possível da área central do Rio.
Mas foi justamente aí, que, silenciosamente e sem nenhum apoio público, os cariocas foram voltando a discutir a relação com o coração da cidade. Começou no sapatinho, ainda no início dos anos 80, quando o Circo Voador trocou o Arpoador pela Lapa, obrigando roqueiros da zona sul atravessarem o túnel. O Asa Branca veio trazer barras de cereais para a noite da Lapa que andava bastante anêmica. Hoje, vamos combinar, que a noite do bairro mais boêmio da cidade, é a mais concorrida. Nos anos 80, quem queria curitr uma diferente, tinha que ir ao Baixo Leblon ou ao Baixo Gávea. Hoje, meninos e meninas modernos, patricinhas e mauricinhos pegam o carro dos pais e rumam para as raves do Cais do Porto ou na Marina da Gloria. Ou desfilam pelo burburinho da Lapa ou pelo agito da rua da Carioca, que antes sonolenta, agora abriga as festas pagas no Íris ou no London Burning ou, se for o caso, no GLS Cine Ideal.
Eventos como o Arte de Portas Abertas, colocaram de vez Sanata Teresa no circuito cultural. Subir as ladeiras do bairro para almoçar, tomar umas ou participar de algum evento, já não é mais coisa de riponga ou de turista. É chique, é cool, é original, como as coisas suburbanas.
Logo depois do Circo Voador aterrissar na Lapa, em 1985, o Estação Botafogo abria as suas portas. Isso coincidiu com um boom de bares que ocorreu no bairro. Quem não se lembra dos saudosos TVBC e Razão Social? Hoje, quem tem saudade daqueles tempos, troca Ipanema ou o Leblon para dançar na festa Ploc ´80, no Espaço Marum no Catete. Enquanto isso, seus pais vão sambar no Carioca da Gema, no Sacrilégio ou no Rio Scenarium, todos na Lapa.
.Aliás, a área do Flamengo, Catete e Laranjeiras está vendo surgir vários bares novos. Tudo por causa do surpreendente sucesso do Belmonte e do Manoel Joaquim do Largo do Machado. Alguns restaurantes também fazem muita gente boa atravessar o túnel, como o Alcaparra, o Mamma Rosa e o Museumm. Há 20 anos, nenhum famoso iria deixar Ipanema ou Leblon para ir almoçar ou jantar no Flamengo. Mas basta ir ao Porção Rio´s para esbarrar com um rosto televisivo.
Quando, em 1989, o Centro Cultural Banco do Brasil foi inaugurado, pouca gente se deu conta da importância que o local teria para revitalizar o moribundo centro da cidade. Mas o CCBB veio mostrar que o Centro dá certo. A Casa França-Brasil veio em seguida. E puxou o bloco formado pelo Teatro da Justiça Federal e o Centro Cultural dos Correios. O Paço Imperial, o Centro Cultural Carioca, o Constituição e o Helio Oiticica vieram na carona. Hoje, o MAM que passou por uma revitalização, abriga eventos badalados como o Rio Fashion Week, atraindo uma legião de famosos.
Nos arredores, novos points culturais têm atraído para os “subúrbios” muita gente fina, como o SESC-Flamengo, o Centro Cultural Telemar, a Casa de Rui Barbosa, o Castelinho do Flamengo e o charmoso Museu da República. Se há 20 ou 30 anos atrás, você convidasse uma socialite para tomar chá numa casa no Flamengo, provavelmente iria ter que engolir um sorriso blasé e a pergunta: “Eu? Tomar chá além do túnel?” Pois, hoje os motoristas das madames mais chiques da cidade engarrafam o trânsito em frente a Casa Julieta Serpa. E há dias atrás, uma multidão de famosos e bacanas se acotovelou na inauguração do Casa Cor, no Catete.
Não sei se por coincidência, no domingo 25 de setembro, os cadernos de imóveis tanto do O Globo quanto do Jornal do Brasil, continham matérias sobre a grande procura por imóveis na área do Catete e da Gloria. As pessoas entrevistadas diziam estarem interessadas não só nos preços mais acessíveis, mas também pela proximidade do Centro e do agito da Lapa. Além de apostarem na revitalização desta área. Pode ser que seja uma tendência passageira e as ondas de migração urbana se mude para outros locais. Mas o certo é que hoje eu não preciso mais me sentir humilhado ao ouvir alguém dizer que moro “além do túnel”. Estou pronto pra estufar o peito e rebater: “Sou suburbano com muito orgulho.”
Pena que há muito tempo não me chamam de suburbano.

quinta-feira, outubro 06, 2005

SOBRE PRIMAVERA E BICICLETAS


Já deu para perceber que é primavera.
E já deu para perceber o fascínio que eu tenho por bicicletas. E primavera e bicicleta formam um casal perfeito.
Nenhum ser humano deveria passar pela sua existência sem experimentar a sensação de pegar uma bike e pedalar sem destino numa manhã de primavera.

E primavera lembra poesia. Esta não é muito a minha praia, mas aqui vão duas da minha poetiza maior, Cecília Meireles


O canteiro está molhado
O canteiro está molhado.
Trarei flores do canteiro,
Para cobrir o teu sono.
Dorme, dorme, a chuva desce,
Molha as flores do canteiro.
Noite molhada de chuva,
Sem vento, nem ventania,
Noite de mar e lembranças..."








De um lado cantava o sol
De um lado cantava o sol,
do outro, suspirava a lua.
No meio, brilhava a tuaface de ouro, girassol!
Ó montanha da saudade
a que por acaso vim:
outrora, foste um jardim,
e és, agora, eternidade!
De longe, recordo a cor
da grande manhã perdida.
Morrem nos mares da vida
todos os rios do amor?
Ai! celebro-te em meu peito,
em meu coração de sal,
Ó flor sobrenatural,
grande girassol perfeito!
Acabou-se-me o jardim!
Só me resta, do passado,
este relógio dourado
que ainda esperava por mim . . .


Faça uma bicicleta feliz nesta primavera. Pedale.

domingo, outubro 02, 2005

ELA NÃO FAZIA IOGA




Em fevereiro de 1970, ela chegou para o carnaval.
Na época, embora, não houvesse mais a presença de censores nas redações dos jornais, a censura ainda era implacável. Vivíamos a fase mais cruel da ditadura militar e o clima era pesado. Para lembrar, o Pasquim tinha sofrido um atentado à bomba pouco antes. Por isso, grande parte da imprensa carioca a ignorou. Ou a massacrou. O Globo, por exemplo, deu mais ênfase a sua feiúra, a palidez de sua pele e às roupas extravagantes demais para um Rio de Janeiro careta, apensar do desbunde que rolava. Realmente Janis Lee Joplin não estava com uma aparência muito boa, devido ao tratamento para abandonar o vicio da heroína e do Southern Confort. Mas a imprensa achou que não era prudente dar muita publicidade à chegada de uma cantora que era vista nos EUA como desbocada, bebum, drogada, brigona e lésbica.
A própria Joplin não estava numa fase muito boa. O seu último trabalho, Kozmic Blues, havia sido mal recebido pela crítica americana e a imprensa começava a levantar a hipótese de ela estar perdendo a voz. Sofrendo de uma carência afetiva crônica, solitária - muita gente ao seu redor, mas poucos amigos -, com a família querendo vê-la longe e sem um homem para dividir a sua cama, Janis estava desesperada, pois, sem a voz, não teria mais o seu público e o seu público era tudo o que ela tinha (“Vou escrever uma canção sobre o que é fazer amor no palco com 20 mil pessoas e voltar para um quarto de hotel sozinha”). E como toda carente crônica, Janis precisava de atenção. Talvez por isso, tenha feito um escandaloso topless em plena piscina do Copacabana Palace, onde estava hospedada com sua grande amiga, a jornalista novaiorquina Myra Friedman, que em 1973 escreveria a biografia de Janis, Buried Alive (Enterrada Viva). Nas arquibancadas, assistindo o desfile das escolas de samba, que acontecia ainda na Presidente Vargas, Janis também fez de tudo para chamar a atenção.
Um dia, o tresloucado roqueiro Serguei foi procurá-la no hotel. Na verdade, eles já haviam se conhecido anos antes, quando ele morava em Los Angeles. Serguei passou a ser o uma espécie de guia turístico para aquela que, ao lado de Hendrix, era o maior ícone da cultura pop da década de 60. Ele a levou para o já decadente Beco das Garrafas, um pequena rua no Posto Dois, com algumas boates de música ao vivo, que pouco menos de dez anos antes, havia sido o berço de muita gente que seria astro na MPB, como Elis, Gil e Milton, por exemplo. Saindo da Bottle´s, no fina da madrugada, ela e uma turma que incluía o, então, marido de Elis, Ronaldo Boscoli, cismaram de ir para a praia. Estavam completamente bêbados. Na areia, Janis ficou encantada com as enormes dunas que haviam sido levantadas, devido às obras de construção do calçadão. Quando quis escalar uma delas, caiu e, sem conseguir se levantar, de tão bêbada, soltou a sua famosa gargalhada, enquanto se contorcia de tanto rir. Bôscoli e seus amigos, ficaram olhando para ela. “Porra, o que nós fomos fazer com a cantora mais famosa do mundo?”, recordaria Bôscoli anos mais tarde. Na verdade, Janis poderia estar no seu luxuoso quarto de hotel, dormindo como a estrela que era, mas como ela própria havia dito: “Prefiro viver só mais dez anos na maior agitação, do que chegar aos oitenta sentada numa cadeira de balanço, diante da tv”. O que vem comprovar que temos que ter cuidado com o que dizemos, pois antes daquele ano acabar, ela estaria morta, aos 27.
Mas dias antes de voltar para a América, Serguei a levaria de carro para conhecer a região da pouco habitada e bucólica Barra da Tijuca. Ao passarem por São Conrado, ela se impressionou com a Rocinha e quis ir até lá, inaugurando o já comum tour de turistas às favelas cariocas. Lá na, então pacifica, favela, experimentou caipirinha numa birosca e, ao passar por um barraco, onde na porta havia uma placa que dizia JOGA-SE BUZIOS, quis entrar e saber qual era. O pai de santo lhe revelou que o santo de cabeça da texana de Port Arthur era uma pomba gira chamada Pérola. Ao voltar para o hotel, Janis contou o fato a Myra, que achou graça. Mas Janis ficou impressionada e resolveu batizar o disco que começaria a gravar, assim que voltou para Nova Iorque como Pearl (pérola em inglês).
Em seguida, ela dissolveu a sua banda, a Kozmic Blues Band. Formou outra, a Boogie Tilt Blues Band, com quem começaria a gravar e a excursionar. O primeiro show, em junho, foi na Louisiana e ela resolveu ir ao Texas, visitar a sua cidade natal. E se arrependeu amargamente. Seus pais chegaram a sair de casa para não ter que receber a filha escandalosa e que usava roupas hippies. Além disso, Port Arthur não tinha o menor orgulho da sua filha drogada e freak. Janis esperava ser recebida com tapete vermelho, mas só encontrou deboche, hostilidade e frieza. Quando ligou para sua mãe, esperava um “Oh, minha filha! Parabéns por você ter conseguido virar uma estrela.” Mas ouviu um gélido “Você realmente não deveria ter nascido.”
Apesar da maioria dos amigos achar que ela estava clean, acredita-se que após este baque, Janis tenha voltado a usar heroína. Em agosto, o seu desmaio em pleno palco do Shea Stadium, em Nova Iorque, durante um festival/protesto pedindo o fim da guerra do Vietnã, já era um sinal de que as coisas não iam bem.
Em 18 de setembro, dia em que o mundo do rock chorou a morte de Jimi, uma Janis completamente bêbada, ligava para Myra Friedman dizendo: “Por que ele e não eu?” (“Eu trocaria todos os meus amanhãs por apenas um dia no meu passado.”)
No sábado, 3 de outubro, após finalizar as gravações do seu Pearl, que sairia no inicio do ano seguinte, ela foi com o ex-namorado Country Joe MacDonald ao show de um cantor de folk iniciante chamado Gordon Lightfoot. Na volta, ela pediu para que Country Joe a acordasse bem cedo na manhã seguinte, pois queria procurar um apartamento. Janis estava animada, com novos planos de voltar a morar em Los Angeles e iniciar uma fase mais madura em sua carreira. Parecia feliz.
Mas na manhã do domingo, 4, foi o próprio Country Joe que, com ajuda do porteiro, arrombaria a porta do quarto daquele motel em Hollywood e encontraria o corpo. Naquela madrugada havia ocorrido várias overdoses de heroína na região de Hollywood. Talvez um traficante iniciante tenha esquecido de malhar a droga... seja como for, foi difícil para grande parte da juventude americana absorver a porrada, apenas pouco mais de 15 dias após a morte de Jimi. A autópsia policial concluiu ter sido mesmo uma overdose que levou Janis. Mas a causa-mortis poderia ter sido solidão, tanto faz.
Seu corpo foi cremado e seus poucos amigos alugaram um helicóptero para espalhar as suas cinzas sob Los Angeles, a cidade que ela tanto amava.
Pearl foi um grande sucesso.
Sua biografia virou um best-seller, mesmo aqui no Brasil.
Um documentário sobre sua carreira foi feito em 1974.
Port Arthur foi atingida semanas atrás por um furacão chamado Rita. Poucos se preocuparam com o os prejuízos sofridos pelos seus habitantes. O governo se preocupou mais com as refinarias de petróleo existentes por lá. Como se aquela gente não existisse. Quem sabe Janis não está no céu rindo disso tudo com a sua gargalhada escandalosa de quem nunca fez ioga?




Enfim, restou a música.