terça-feira, outubro 25, 2005

Há 30 anos a literatura brasileira tinha um Feliz Ano Novo


A foto é pequena, mas o livro é tudo. Capa original da obra de Rubem Fonseca, lançado em 1975, pela finada Editora Arte Nova. Hoje, disputada a tapa nos sebos.

Há muitos anos atrás, eu fazia uma oficina literária com a escritora Sonia Coutinho (Os Seios de Pandora, O Caso Alice, Rainhas do Crime) e lhe mostrei um romance que eu havia escrito, Piscinas. Era péssimo e há muito foi para o lixo. Em determinada parte, havia um diálogo entre adolescentes e um deles dizia “porra” excessivamente. A Sonia, então, me disse com o seu delicioso sotaque baiano: "Leia isto e veja como usar um “porra” na hora certa." Em suas mãos estava o recém-relançado exemplar de Feliz Ano Novo e estava aberto na página inicial do conto Botando Pra Quebrar. E o conto começava exatamente assim: Estava meio fudidão...
Eu já havia folheado Feliz Ano Novo na época do seu lançamento, no final de 1975. E se esse novo contato, anos mais tarde me causou uma certa surpresa, imaginem na ocasião do lançamento, quando o país ainda vivia sob a guarda de uma ditadura militar!
Naquele final de ano de 75, o título daquele livrinho mais parecia uma jogada de marketing. Mas bastava uma folheada, para perceber o que se tinha nas mãos.
Quando Rubem surgiu com o seu primeiro trabalho, o livro de contos Os Prisioneiros, a literatura brasileira não conseguia se livrar do ranço rural, intimista e lírico de ícones como Guimarães Rosa, Clarice Lispector e José Veríssimo. Era como se falar sobre as mazelas urbanas não fosse literatura.
Pois Rubão provou que era e causou um enorme impacto ao falar de trambiqueiros, vagabundos, putas, marginais e de personagens que só encontramos nos grandes centros. Tudo com uma linguagem seca e veloz, como os carros que cortam as grandes avenidas.
Foi algo inovador – pra mim, revolucionário até. Mas mesmo os seus fãs achavam que ele não poderia ir mais longe. E foi. Em 1967, o seu terceiro trabalho, a coletânea de contos Lúcia MacCartney, foi um mergulho mais fundo na piscina do submundo. Na época, ninguém fazia o que ele fez e ainda foi premiado e agradou aos críticos.
Em 1973, Rubão lançava o seu primeiro romance, O Caso Morel. Era como se o estilo árido, conciso, cínico e cheirando a gás carbônico, saísse da telinha da tv portátil do quarto e fosse para o home theatre.
Mas ninguém esperava mais nada de Rubem naquele final de 75. Aparentemente Feliz Ano Novo não trazia nada de novo. Afinal, o seu estilo já havia chegado à telona. O que mais ele poderia querer ou fazer? Pois, em seus 15 contos, o estilo rubemfonsequiano ganhava agora a pureza de uma tv plasma, tela plana. Ou seja, uma obra de arte.
Logo de cara, o leitor, depara com o conto-título, no qual um bando de marginais da Cruzada São Sebastião invade um festa de milionários e mata todo mundo. Daí por diante, é só pauleira. Tem Corações Solitários, com sua visão crítica e bem humorada de uma redação de jornal. Tem Abril, no Rio, 1970, sobre a desilusão de um aspirante a jogador de futebol. O já citado Botando Pra Quebrar, contando as agruras de um segurança de boate. Os famosos Passeio Norturno I e II, onde um cidadão de classe média alta, ao invés de fazer ioga, descarrega sua tensão atropelando gente. Tem também o sofisticado Nau Catrineta, sobre uma família de antropófagos. Tem ainda A Entrevista, sobre um cara que gostava de entrevistar prostitutas antes de transar. Tem o cínico Intestino Grosso, com sua visão crítica sobre o meio literário. E tem muito mais.
A recepção ao livro não podia ser melhor. Público e crítica se renderam ao universo violento e imoral, narrado com o estilo seco, cinematográfico e de humor cortante do Rubão, só que agora com a experiência e a maturidade de quem já estava anos na estrada. Me lembro que eu e a torcida do Flamengo não sabíamos como reagir ou definir o livro, tamanho o impacto que tínhamos ao lê-lo, só sabíamos que o adorávamos.
O único que não gostou nem um pouco, foi o então ministro da Justiça do presidente Ernesto Geisel, Armando Falcão, que mandou recolher Feliz Ano Novo, meses depois, quando o livro já havia vendido mais de 30 mil exemplares. “Folheei algumas páginas, vi alguns palavrões e mandei recolher”, foi o argumento de Falcão. Um senador da Arena, partido do governo, chegou a pregar a prisão do autor. Em suma, Feliz Ano Novo, foi proibido em todo território nacional. As livrarias não podiam expô-lo em suas vitrines e você poderia ser preso se fosse visto carregando um exemplar na rua ou o lendo na escola, por exemplo.
Rubem Fonseca, mineiro de Juiz de Fora, preferiu o silêncio. Demorou quatro anos para lançar outro livro, O Cobrador, e entrou na justiça em 1980, quando os ventos da Abertura Política haviam começado a soprar. Na primeira sentença, naquele mesmo ano, o juiz manteve a proibição. Rubão recorreu e só em 1985 conseguiu ver sua obra liberada, sendo relançada pela sua nova editora, a paulista Companhia das Letras, em 1989.
De lá pra cá, Rubão tem se dedicado mais aos romances. Produziu clássicos como A Grande Arte, Agosto e Romance Negro e Outras Histórias. Ele sofisticou a sua linguagem, amadureceu e buscou outros caminhos, sem ficar acomodado em um que tenha dado certo no passado. De qualquer forma, o Rubão já garantiu o seu lugar de honra na literatura nacional, como símbolo de uma época em que ainda era possível se entrar numa livraria e ter felizes surpresas.

Mais Fotos...

Eu estava tão emocionado com o lançamento do A Arte de Odiar (ver o post anterior) que esqueci de mostrar outras fotos do Encontro Bagatelas. Esqueci de dizer que todas as fotos do Encontro foram tiradas por Liana Dantas do http://eagorajose.blogspot.com/. Mas ainda é tempo de desfazer essa sacanagem.

Vidal lendo coisas do Cortázar.

O agradável salão sobre o Odeon-BR, onde rolam os Encontros Bagatelas.

Ernesto Aguiar e Dodô Azevedo, dois marmanjos feios, mas entendidos em Cortázar...

...que deixaram a platéia bem atenta. No meio está Kate, a Sra. Vida.

Não sabe onde vai ser o happy hour de sexta?...


Pai coruja

Para quem não leu o meu último post, no último dia 21, nasceu o meu livro, o romance policial A Arte de Odiar. Quem estiver interessado, é só entrar em contato(julio-correa19@hotmail.com) E para quem não se lembra, começa assim...

"As bailarinas não davam a mínima para o morto. Eu devaneava, vendo-as patinar lentas, no gelo azul. Uma, duas, três, cinco, dez. Patinavam juntas, em linha vertical, no início. E na forma de um V, depois. Uma retardatária apressava-se para juntar-se às outras. E todas seguiam sem se preocupar com nada além de si mesmas.
Um homem e uma mulher se amavam. O primeiro filho estava a caminho. A gravidez tornou-se complicada e os médicos, então, aconselharam o aborto. Mas a felicidade havia tornado o casal arrogante e tal hipótese foi descartada. Nada poderia dar errado, pensavam. A mulher acabou morrendo durante o parto. O menino nasceu saudável, mas morreria dezenove anos depois em um estúpido acidente de moto. E o homem seguiu a sua vida, sozinho e infeliz.
Este homem sou eu e as gaivotas não ligavam para mim. Nem para o morto. "

2 Comments:

Blogger Jôka P. said...

Ruben Fonseca é TUDO.
É praticamente o único autor que tenho disposição de ler, atualmente.

Mas vou ler você, também, tá .
:)
Abçs,
JÔKA P.

sábado, outubro 29, 2005 11:56:00 AM  
Blogger Julio Cesar Corrêa said...

Grande Jôka
O Rubão é o meu guru
Q bom q você veio no Bala
Seja bem-vindo
gd ab

sábado, outubro 29, 2005 5:07:00 PM  

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