sábado, setembro 05, 2009

Vagabundagem & Pilantragem em Hollywood

O ano de 1969 foi mesmo muito engraçado. Na mesma época em que a tv norte americana mostrava, na hora do jantar, milhares de jovens pelados no Festival de Woodstock, os puritanos yankees eram conquistados por um prostituto e um trambiqueiro.

John Buck, interpretado pelo ainda desconhecido Jon Voight, era um caipira que, cansado de lavar pratos numa cidadezinha no fim do mundo sulista, decidiu ir para a gigantesca Nova Iorque para se dar bem, vendendo o seu corpo parrudo.
Tava na cara: Sifu. Ele encontrou uma Nova Iorque no auge do feminismo, onde as mulheres, agora, podiam escolher com quem iriam para a cama. E certamente não iriam suportar as cantadas de um zé ninguém metido a garanhão. Entre outras roubadas em que se meteu, foi conhecer e perder seus últimos trocados para um trambiqueiro chamado Enrico Salvatore Ritzo – interpretado pelo sensacional Dustin Hoffman, já conhecido devido ao seu papel em A Primeira Noite de Um Homem -, uma raposa velha, malandro e cheio de golpes, cujo grande sonho era terminar seus dias tomando água de côco numa praia da Flórida.
Mas Enrico tinha um pulmão fraco e andava com cada vez mais dificuldade, devido a um defeito físico. Na pior, os dois passam a viver num prédio desapropriado pela prefeitura. Nasce, então, uma não adimitida amizade entre os dois fodidos, com um ajudando o outro a sobreviver na metrópole implacável.

Quando Ritzo cai doente e impossibilitado de andar ("Nas ruas, você sabe o que eles fazem com quem não pode andar?", pergunta ele, desesperado), os dois seguem para a ensolarada Flórida, mas Enrico morre no meio do caminho.
A história de Midnight Cowboy (Perdidos Na Noite, aqui no Brasil) em si já era interessante. Mas o filme acabou causando uma verdadeira revolução, derrubando um gigantesco tabu que predominava em Hollywood: vagabundagem, golpes, prostituição, trambiques, bebedeiras e sacanagem não podiam ser vistos pelo cidadão de classe média. Por isso, até então, personagens do submundo era quase sempre secundários e vistos como gente do mal. Midnight Cowboy foi o primeiro a mostrar os marginalizados como personagens centrais e vítimas da sociedade. E foi ainda mais longe fez com que os americanos se simpatizassem com eles. Esse padrão predominaria na primeira metade dos anos 70, através de filmes como Táxi Driver, por exemplo, do Martin Scorcese.

Hollywood até aceitou a fazer o filme, mas o taxou injustamente com a censura X, que o impedia de ser exibido na tv e só poderia ser exibido para o público adulto, nos cinemas. Mesmo assim o filme repetiu nas bilheterias o mesmo sucesso que havia conquistado na crítica. A trilha sonora foi um hit, principalmente com a canção Everybody´s talking, na voz do cantor country Harry Nilsson, que acabaria ganhando o Grammy de melhor vocalista.

Mas o melhor ainda estava por vir. Na primavera de 1970, Perdidos na Noite faturou os oscares de melhor filme, diretor(John Schlesinger) e roteiro adaptado (da obra de James Leo Herlyhi). Concorreu também ao prêmio de melhor ator, edição e atriz coadjuvante (Sylvia Miles) e injustamente não levou nenhum dos três. O filme ainda seria premiado como o Globo de Ouro; com o Urso de Prata, em Berlim; no Bafta, na Grã Betanha, o Boldil, na Dinamarca, o David di Donatello, Itália e no New York Film Critics Circle Award. Mas o maior prêmio de todos foi ter obrigado a puritana Hollywood conceder um Oscar a um filme de censura X, pela primeira vez. Não foi uma vitória só dos excluídos e, sim, de todo o cinema.

Perdidos da Noite é um dos filmes mais bonitos que assisti. Fala sobre amizade, perdão e união. Sua mensagem é: “Quando estamos na pior, só unidos conseguiremos sobreviver.”

E quando eu preparava essa humilde homenagem pelos quarenta anos deste filme que ousou a desafiar Hollywood, fiquei triste ao me dar conta de que ele, talvez, nunca seria feito nos dias de hoje. E se o fizessem, não teria o mesmo impacto. Certamente não ganharia censura X. O mundo mudou, Nova Iorque mudou e a marginália já não é a mesma. Talvez ganhasse censura livre. Seria assim como uma fábula, tipo Walt Disney, sobre amizade, perdão e união. Coisas, que nesse mundo estressado e individualista, parecem ter virado algo em que só as crianças acreditam. Mas enfim...

A emocionante cena final, quando John Buck, abraçado com o corpo do companheiro, dentro do ônibus para a Flórida, parece dizer: "Este era Enrico Ritzo, um vagabundo trambiqueiro, mas meu amigo."
Para mais detalhes sobre o filme, mergulhe aqui.

* E na trilha sonora. Midnight Cowboy - Toots Thielesmans, e Everybody´s talking - Nilsson.

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5 Comments:

Blogger M. Nilza said...

Oi, amigo!!

Texto irreverente e muito bem escrito com o todos os seus!!

lembrei de vc e deixei um presentinho em meu blog pra vc pegar..
Espero que goste.

Beijos

segunda-feira, setembro 07, 2009 3:39:00 PM  
Anonymous DO said...

Não assisti este filme,JULIO. Mas depois de um post empolgante como este que vc escreveu,pode ter certeza que vou conferir.

Abração!!

terça-feira, setembro 08, 2009 9:05:00 AM  
Blogger Marco said...

Grande Julio!
Antes de mais nada, muito obrigado por sua fundamental presença no lançamento do Humor Vermelho. Valeu, amigo!
Sobre este filme, que é um de meus favoritos, inclusive me abriu os olhos para filmes deste grande diretor que foi o John Schlesinger (você viu dele "O dia do gafanhoto"? Outro filme em que ele bota os losers na berlinda. Muito bom!).
Aliás, foi a partir deste filme que passei a considerar o Dustin Hoffman como o melhor ator norte-americano. Gostaria muito de contracenar com ele um dia (quem dera...).
Não tenho nada a acrescentar sobre a sua resenha. Talvez que um dia alguém possa querer refilmar esta obra de arte. De uns tempos para cá, os filmes dos EUA passaram a dar atenção aos perdedores (vide Beleza Americana, Pequena Miss Sunshine etc).
Carpe Diem. Aproveite o dia e a vida.

quinta-feira, setembro 10, 2009 2:43:00 PM  
Blogger Dilberto L. Rosa said...

Rapaz, parabéns: pelo belo espaço; pela lembrança mais que merecida e bem feita a este clássico 'outsider'; e pelas colocações absurdistas do Ditador Barbudo: ele mudou, a Politicagem muda sempre para pior no País e, sim, sou do Maranhão, território sofrido nas mãos deste coronel maligno e sempre no poder! Abração!

segunda-feira, setembro 14, 2009 1:11:00 PM  
Anonymous Juliana said...

Puxa Júlio tudo haver... Esse seu post com o momento de minha vida! claro Nada dramático. Meus alunos estão realizando um mega-projeto e eles tem apenas de 6 a 10 anos. Incrível né? Vê crianças aprendendo sobre cinema e ainda mais vendo trechos de filmes como E o vento levou, a primeira noite de um homem, marry poppins, os Yankees estão chegando mais n havia parado pra pensar nesta época do seu ponto de vista. Adorei o post parabéns. E outra vc ja me mandou um email falando sobre Frisco mais é claro q vou te perturbar mais depois pra saber mais... Vlw.

terça-feira, setembro 15, 2009 12:11:00 PM  

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