Jorge Ben ou
Benjor está de volta, após quase três anos sem lançar um novo trabalho. Em breve, chegarão no mercado quatro CDs e um DVD. O mais interessante deve ser
Recuerdos de Asunción 443, um cd com oito músicas inéditas, do tempo em que o cantor era do time da gravadora Som Livre, nos anos 80.
Mas enquanto eu espero, recordo quando o samba deste suburbano de Madureira invadiu as coberturas de luxo do metro quadrado mais caro do Rio. Foi em 1974. Benjor limitava-se a ser apenas Ben e chegava ao ápice de sua carreira que vinha crescendo.
O samba havia surgido formalmente em 1917, quando Donga lançava o primeiro disco do gênero, com o clássico Pelo Telefone. Mas durante muito tempo o preconceito da classe média acho que o batuque fosse coisa de negros vagabundos e a favelados. Para a polícia, era coisa de malandro. Quem paga caro para assistir a um Zeca Pagodinho hoje, não imagina que você poderia ser preso só pelo fato de ter os dedos marcados por calos provocados pelo hábito de tocar cavaquinho. Com isso, os sambistas tinham que usar artifícios como ficar tocando em trens da Central ou em centros de umbanda, para fugir da lei.
Quando, nos fins dos anos 50, um grupo de jovens de classe média, entre uma dose e outra de whisky importado, incorporou ao samba, elementos do jazz, o que era ritimo de marginal passou a ser chique e ganhou o mundo. Mas o samba autêntico continuava maldito.
Por isso, nos contestatóriso anos 60, jovens universitários e/ou ligados ao movimento estudantil desafiaram os seus pais e lançaram a moda de branco ir a ensaios das escolas de samba. E quando Cartola e Dona Zica lançaram o Zicartola, reduto de adoradores do samba, em pleno Centro da Cidade, em 1964, já havia muita garota da zona sul se requebrando. Mesmo assim a classe média carioca ainda se escandalizava ao ver os seus filhos freqüentando antros de negros sambistas.
Ben surgiu em 1963 com um lp chamado Samba Esquema Novo. Nome mais do que apropriado, pois, com muito suíngue, letras que falavam do universo suburbano de onde veio, mas com uma poesia bela e simples, conquistou a garotada que desafia seus pais sambando e também ao povão, que se identificava com aquele rapaz com jeito de quem usa bolsa capanga e joga purrinha em trens da Central. E músicas como Chove chuva, Por causa de você e Mas que nada, tornaram-se clássicos e eram assobiadas nas ruas.
Porém a classe média o achava pretencioso e os críticos desconfiavam da autenticidade daquele samba (...que era misto de maracatu/samba de preto véio...) considerado modernoso.
Mas Jorge Ben seguiu se afirmando a cada disco como um dos maiores astros da MPB. Até que veio o auge, em 1974. Tábua de Esmeraldas não só calou a boca de críticos, dos intelectuais e da classe média zona sul, como entrou para a galeria das obra-primas da nossa música. Poucos discos foram aclamados com tanta unanimidade. "Você já ouviu o último do Ben?", era a pergunta mais ouvida nas festinhas à beira-mar, enquanto arrastava-se os sofás para se dançar O Namorado da Viúva, Minha Teimosia ou Zumbi (nesta última Ben dá uma linda alfinetada com os versos: "...de um lado cana de açucar/do outro lado cafezais/ao centro senhores sentados/vendo a colheita do algodão branco/sendo colhidos por mãos negras...") - músicas que você já deve estar ouvindo - e mais o clássico Os Alquimistas Estão Chegando.
E o que tinha este disco de tão excepcional? Samba autêntico, samba conjugado com vários ritmos - mas sem exagero -, uma poesia espertíssima nas letras, simplicidade e sofisticação na medida, balanço irresistível e criatividade. Finalmente surgia um disco que fazia dançar patroa e empregada.
Com os críticos aos seus pés, Ben chegava a um nível de preciosidade ao qual, infelizmente, ele nunca mais chegou nos trabalhos seguintes. Mas ter ajudado a destruir o preconceito a respeito do ritimo nacional mais querido já foi muito.
E foi assim que o samba invadiu as coberturas duplex da Vieira Souto.
E sem ser anunciado pelo interfone. Provavelmente o porteiro estava sambando.