Hienas
Veja o seguinte diálogo, em um badalado bar paulistano, numa noite de sábado:
GARÇON: "Quantos vocês são?"
GAROTA DESCOLADA, acompanhada de um grupo de amigos: "KKKKKKK, somos sete. Por quê?"
GARÇON: "Porque o bar está cheio e não temos mesa para todos vocês."
GAROTA DESCOLADA: "KKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKK."
GARÇON: "Vocês terão que se separar ou se apertar numa mesa lá do fundo."
GAROTA DESCOLADA: "KKKKKKKKKKKKKKKKKKK!!! Tudo bem, tudo bem! KKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKK."
Você não achou graça? Nem eu. Nem o garçon. E nem ninguém que estava em volta.
Tenho reparado esse tipo de cena com cada vez mais freqüência, nos últimos tempos. Parece que as pessoas estão desesperadas para ostentar alegria. Outro dia, um famoso diretor de teatro carioca disse na tv: "Não estou mais interessado em drama, só comédia. O povo só quer rir, precisa rir!"
Se tenho algo contra a alegria? Sem querer me fazer de vítima, já passei por muitas coisas pesadas na vida, mas estou alegre...digamos 80% do meu tempo. E procuro me manter assim. Só que nem sempre dá, pois vejo a tristeza como um pedágio que temos que pagar se quisermos continuar na auto-estrada da vida. E sempre desconfiei de pessoas que dizem estarem "sempre felizes."
Como toda mudança de comportamento que acontece na sociedade, essa onda de complexo de hiena foi um processo lento, que começou há algum tempo.
E aí vou contar um fato da minha vida que nunca falei aqui antes. Em 2000, minha mãe morava em Juiz de Fora e estava com vontade de voltar pro Rio. Então, eu juntei uma graninha e lhe comprei um apartamento pequeno, próximo de onde eu vivia. Ela ficou muito feliz. Tão feliz que no dia da mudança, ela teve um enfarte.
Imaginem a cena: Eu tendo que atender os caras da mudança, o cara da tv a cabo e do telefone, todos apressados para fazer seu serviço e cair fora, enquanto minha mãe passava mal no chão. E cadê o telefone do médico? O cartão do plano de saúde? Tudo ensacado e encaixotado.
Isso foi no dia 21 de dezembro. Passei o natal tendo que arrumar a casa da minha mãe, enquanto tinha que visitá-la na UTI à noite. Só quem passou por situação idêntica tem noção do quanto é estressante. Fiz isso tudo sempre na esperança de que ela voltasse para o lar que eu lhe havia comprado. Mas ela veio a falecer no dia 28, sendo enterrada três dias antes da virada do ano.
Várias pessoas me chamaram para passar o reveillon em suas casas, mas preferi ficar só naquela que foi a pior virada de ano da minha vida. Mais tarde, fiquei sabendo que houve comentários do tipo "graças à Deus ele não aceitou vir! Reveillon não é noite pra baixo astral." No primeiro dia do ano, uma dessas pessoas me ligou. Estava num pagode, em um quiosque de praia. Queria que eu fosse até lá. Quando falei que não iria, me veio com os intermináveis "você precisa ser forte", "já está na hora de você tocar a vida", "a vida continua". Era como se estar triste naquela situação fosse uma vergonha.
Tenho certeza de que essa pessoa tinha as melhores das intenções. Só queria me ver alegre. Mas ela não teve a sensibilidade de entender que cada um tem um tempo para exorcizar sua tristeza. Logicamente, uns dez dias depois, eu já estava bem e tocando a minha vida. Mas eu precisei deste tempo. Todos nós precisamos. E acho que lhe dar com esse "pedágio" que a vida nos impõe fica mais fácil quando entendemos que ele faz parte da nossa existência.
Mas parece que esse medo da tristeza está aumentando. Tenho ouvido absurdos do tipo: "não quero ficar triste para não envelhecer", "não quero ficar triste para ficar feia" ou "não quero ficar triste para não ficar doente." E como não dá mesmo para se ficar alegre todo tempo, tome bebidas, tome drogas, tome remedinhos, tome comida em excesso, tome analistas. Espero que essa mentalidade ainda mude ou teremos uma sociedade de lindos psicopatas, depressivos elegantes, lunáticos saudáveis e suicidas sarados.
Marcadores: Vida moderna
4 Comments:
Concordo com vc,JULIO. Mas muito poucas pessoas tem tal discernimento.
Aproveito pra pedir ajuda dos amigos para um amigo blogueiro que esta muito doente.
Explico hoje lá no RAMSES.
( Desculpe o comentário padrão )
Grande abraço!!
Olá, Julio!
Adoro cães, logo, não podia estar mais de acordo com o texto.
Parabéns
David Santos
querido, sou a favor da alegria, sempre, mas penso que "rir de tudo é desespero", como diz a canção.
beijos e boa semana
MM.
ps: ando sumida por conta do Sol na Boca, você sabe.... Viu as fotos? Essa semana é a última, tente aparecer ;-)
complexo de hiena, eu usei isso em uma peça minha, citei essa galera que come merda e ainda ri.
fiquei sensibilizado com sua história também, cara. as rasteiras da vida, né?
um abraço, meu irmão.
até!
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