Menos um ovo para fritar (Músicas que podem lhe ser úteis - Parte VI)
O capítulo Músicas que podem lhe ser úteis dessa vez é diferente e em dose dupla.
Isso porque acabei de saber da separação de um casal amigo. E sempre fico triste quando vejo um casal dizer adeus. Principalmente quando há crianças.
Já passei por isso e sei o quanto dói.
Eu vou lhe deixar a medida do Bonfim
Não me valeu
Mas fico com o disco do Pixinguinha, sim!
O resto é seu
Trocando em miúdos, pode guardar
As sobras de tudo que chamam lar
As sombras de tudo que fomos nós
As marcas de amor nos nossos lençóis
As nossas melhores lembranças
Aquela esperança de tudo se ajeitar
Pode esquecer
Aquela aliança, você pode empenhar
Ou derreter
Mas devo dizer que não vou lhe dar
O enorme prazer de me ver chorar
Nem vou lhe cobrar pelo seu estrago
Meu peito tão dilacerado
Aliás
Aceite uma ajuda do seu futuro amor
Pro aluguel
Devolva o Neruda que você me tomou
E nunca leu
Eu bato o portão sem fazer alarde
Eu levo a carteira de identidade
Uma saideira, muita saudade
E a leve impressão de que já vou tarde.
A primeira música faz parte do famosíssimo disco Chico Buarque, lançado em fins de 1978. Além dela está Apesar de Você, que desde 1970 estava proibida pela Censura Federal.
Um ano antes, o divórcio havia sido aprovado no Brasil, após décadas de debates entre o governo, a Igreja e a classe política. O argumento dos religiosos era o de que o divórcio provocaria uma espécie de swing, com todos trocando de parceiros após a primeira briga. "Será a desestruturação da família brasileira", diziam. Realmente a família brasileira, hoje, anda bem desestruturada, mas definitivamente não é por causa do divórcio.
Na verdade, o divóricio veio acabar com a hipocrisia de uma aberração jurídica, que obrigava os casais a permanecerem juntos, mesmo estando infelizes.
O que houve com a aprovação do divórcio foi uma enxurrada de separações, dado à imensa demanda reprimida. É o que o Chico e o seu parceiro Francis Hime parecem retratar nessa música é o que ele via acontecer a sua volta. Naqueles dias, todo dia a gente tinha a notícia de um casal se separando.
Trocando em miúdos fala do momento da partida e em se tratando de Chico Buarque, a coisa é tratada com precisão, humor, beleza e emoção. Acho incrível quando alguém me diz que Chico é um artista da elite. Que nada! Suas músicas falam de forma tão clara que tanto um trabalhador braçal da Baixada Fluminense, quanto um casal classe média de Ipanema, irão se identificar e se emocionar. Tá certo que o casal da Baixada nunca tenha ouvido falar em Pablo Neruda; nem o da Vieira Souto não tenha noção do que seja uma ajuda para o aluguel. Mas a emoção será a mesma, porque toda a separação é dolorosa, em qualquer lugar do mundo.
E talvez, para Chico a parte mais dolorosa da separação seja a hora da partida.
Mas para mim é ou foi a hora em que se percebe que se tem um ovo a menos para fritar.
E aí entra a segunda música.
One less bell to answer
One less egg to fry
One less man to pick up after
I should be happy
But all I do is cry
(Cry, cry, no more laughter)
I should be happy
(Oh, why did he go)
Since he left my life's so empty
Though I try to forget it just can't be done
Each time the doorbell rings I still run
I don't know how in the world
To stop thinking of him
'Cause I still love him so
I spend each day the way I start out
Crying my heart out
One less man to pick up after
No more laughter, no more love
Since he went away (he went away)
(One less bell to answer) Why did he leave me
(Why, why, why did he leave)
(One less bell to answer) Now I've got one less egg to fry
One less egg to fry
(Why, why, why did he leave) And all I do is cry
(One less bell to answer) Because a man told me goodbye
(Why, why, why did he leave)
(One less bell to answer) Somebody tell me please
Where did he go, why did he go
(Why, why, why did he leave) How could he leave me
One less bell to answer foi composta por Burt Bacharach e seu parceiro Hal Davies na virada das décadas 60/70, quando toda aquela revolução de costumes da época fez muitos casais discutirem suas relações e houve uma onda de divórcios nos EUA. Ela trata do dia seguinte à separação de fato, quando você acorda e se dá conta que dará um bom dia a menos. Quando você vai arrumar a cama e percebe que haverá um travesseiro a menos para guardar, no banheiro há uma escova de dentes a menos e na mesa do café haverá um ovo a menos. E mesmo que a separação tenha sido para o seu bem, como foi o meu caso, sempre haverá a dúvida, sempre haverá a surpresa, sempre haverá a saudade, afinal foram tantos anos!
É como uma tortura. Durante dias, a vida vai lhe dando pequenas alfinetadas. Uma música que toca no rádio, uma fotografia, um filme na tv, um objeto que foi lhe dado de presente pela(o) dita(o) cuja(o). Enfim, para uns essa tortura dura algumas semanas; para outros, pode durar anos. De qualquer forma, será uma eternidade.É sobre essa tortura que Bacharach e Davies estão falando, com uma simplicidade - e ao mesmo tempo com uma beleza - que tanto o casal classe média de Manhattans, quanto os caipiras do Missouri irão entender. Só os gênios conseguem isso.
Aliás, não sei por que ainda me surpreendo com o Chico e com o Burt. Deles só se pode esperar mesmo isso.
De qualquer forma, se você estiver passando por uma separação, seja por qual motivo for, talvez essas músicas tornem a tortura um pouco menos dolorosa.
Marcadores: música
4 Comments:
Oi, querido! Adoro os seus posts musicais...
Separações são sempre dolorosas e nada melhor que ouvir alguém cantar aquilo que se sente, parece que foi escrita sob medida, né?
Tenho músicas queridas, para cada fase da vida. Espero não incluir nenhuma das duas no repertório da minha...rs
Bisous.
Tbem acho um momento muito complicado na vida cotidiana,JULIO. Mas vc amenizou com esta linda musica.
Abração!!
Lila e DO,
ninguém merece passar por uma separação
abs
Concordo com a Lila, seus post musicais são muito bons! Na minha opinião, você tem a extrema capacidade de contextualizar as canções e as situações cotidianas.
Uma separação realmente é algo tão doloroso que se transforma num prato cheio para os compositores, que transmutam dor em melodias. Mas cá pra nós, pouquíssimos sabem fazer isso tão bem quanto o Chico.
Cheers!
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