domingo, março 30, 2008

Línguas


Este post nasceu de uma conversa que tive recentemente.
Outro dia, fui almoçar com uma amiga, que trabalha na seleção de recursos humanos de uma empresa,digamos, top de linha. O assunto não foi necessariamente sobre, mas falamos muito sobre nossos trabalhos.
Ela me disse estar selecionando apenas candidatos jovens e que sejam fluentes em, no mínimo, três idiomas, sendo o inglês, obrigatoriamente, um deles.
Voltei pra casa tentando não deixar a auto-estima cair, já que só falo dois idiomas e estou prestes a completar quarenta e nove verões.
Na verdade, as grandes empresas atualmente não estão mais selecionando e, sim, excluindo. A competição é cruel, os empregos se transformam em objetos cada vez mais raros e o número de candidatos aumentam a cada dia. Por isso, as exigências tendem mesmo a crescer.
Saber falar um idioma - além de falar bem a sua própria língua - é um dever de todos os que querem sobreviver no mercado. De preferência o inglês.
Mas existe uma outra língua que acho fundamental.
E acabei me recordando de um fato que me ocorreu há muitos anos, mais precisamente na noite de sexta-feira, 19 de abril de 1991.
Um dos maiores amigos que tive na vida era um cara chamado Alberto. Gente da melhor qualidade. Costumávamos nos encontrar para o happy hours animadíssimas, mas não muito longos, porque o Alberto era o que se chama hoje de workaholic.
Pior do que o Alberto era o Francisco, outro amigo nosso. Nunca tinha hora para sair do trabalho, levava serviço pra casa e nunca tinha tempo para um chope. Falávamos somente por telefone.
Por isso, naquela noite achei um milagre dos céus quando o Chico aceitou o convite para sair conosco.
Fomos para um bar no Centro e ficamos horas bebendo e dando muitas risadas. Betão e Chico estavam surpreendentemente relaxados e não olharam para o relógio em nem um momento.
Estranhamente, quando chegou lá pela uma e meia da manhã, falei que iria embora. O sábado seria de sol no Rio e eu queria pegar uma praia. Quando deixamos o bar, mais um milagre: a mulher do Chico havia acabado de chegar da europa e ele insistiu para que fôssemos a sua casa ver as fotos e conversar mais. E aconteceu outro milagre: o Alberto quis ir. E eu, o mais light dos três falei que precisava ir dormir, numa total inversão de papéis.
Nesse caso, o Alberto decidiu voltar comigo. Estávamos sem carro e ficamos procurando táxi. o Centro do Rio era mais deserto naquela época e os táxis não apareciam. Sugeri que fôssemos para a Rio Branco, onde as chances de encontrar um amarelinho seriam maiores. O Alberto insistiu em ficar parado num ponto, a espera de um ônibus.
"Relaxa, cara! Vamos ficar aqui botando a conversa em dia."
Eu não reconhecia o Alberto naquela noite.
E quando, dias depois, o Chico me ligou para dar a notícia da morte do nosso grande amigo, num trágico acidente de carro, a primeira coisa que veio a minha mente foi o seu estranho comportamento naquela noite. E a ficha caiu: era a vida, com o seu idioma muito sutil, me pedindo para que eu aproveitasse aquela que seria a última noite em sua companhia.
As empresas já há algum tempo descobriram que a intuição pode ser um instrumento valioso na guerra do mercado. Não é a toa que as mulheres estão ocupando cada vez mais cargos executivos. Mas parece que, ao contratarem, ainda não estão levando muito em conta as noções deste idioma, que é o mais difícil de todos e só se adquire com a experiência. Experiência essa que eu não tinha naquela noite de sexta-feira, 19/04/91.
É lógico que ainda não há um teste para se apurar a capacidade intuitiva do candidato, mas acredito que alguém com mais de quarenta tenha mais intimidade com essa linguagem tão pouco conhecida e que nenhum cursinho ensina.
E do alto dos meus quarenta e nove anos, tenho dito.

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2 Comments:

Anonymous Anônimo said...

Fiquei todo arrepiado,JULIO.
Que coisa!!

Eu só falo mesmo a lingua nativa e ,talvez por isto mesmo,é que depois de só trabalhar por conta no comercio,agora me vejo totalmente fora do mercado.
Não arrumo colocação e sinto-me um peso pra sociedade.

Fogo!!

abração!

segunda-feira, março 31, 2008 8:21:00 AM  
Blogger Julio Cesar Corrêa said...

Do, o mercado está cada vez mais cruel e exclui sem dó nem piedade.
abração

segunda-feira, março 31, 2008 6:41:00 PM  

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