Radio Gagá?
Você ainda tem o costume de ouvir rádio?
Em caso positivo, você deve estar achando que as programações das rádios estão cada vez mais repetitivas e chatas? Pois você não é o único.
Eu não sei em sua cidade, mas aqui no Rio, a coisa vai de mal a pior. Em FM está cheio de rádio evangélica ou aquelas rádios, ditas sofisticadas, mas que só tocam a mesma do Djavan, a mesma da Marisa Monte, a mesma do Robin Williams, etc. E muito, mais muuuuuuuuuito sucesso antigo. Tá certo que a qualidade musical hoje em dia deixa a desejar, mas ninguém agüenta mais essa onda de nostalgia que tomou conta do dial de uns anos pra cá. Isso sem falar nestas bandas especializadas em regravações, que viraram uma praga.
Se serve de consolo, eu não sei, mas as coisas já foram piores. Até que um dia, as rádios aqui do Rio deram a volta por cima e chegaram a ousar a fazer algumas pequenas revoluções, que logo foram copiadas pelo resto do país.
Quando comecei a ouvir rádio, nos anos 60, a situação era péssima. Nos meus 8 anos, eu tinha que me sujeitar a ouvir locutores dizerem, com voz formal, coisas como: “Boa noite, ouvinte. Aqui é a sua Jornal do Brasil AM e iremos tocar pra vocês Ray Connif, do seu Long Play, entitulado...”. Um saco! Simplesmente não havia rádios para jovens. Tivesse você 8, 15,25,30,40 ou 80 anos, teria que ouvir o mesmo tipo de rádio. O que havia eram alguns programas voltados pra jovens. Mas a programação normal era toda feita para quem realmente tinha grana para consumir. Ou seja, pessoas dos 30 aos 60, com a vida profissional e econômica estável e que poderiam gastar um nota com os produtos anunciados.
Lá fora, as coisas eram bem diferentes. Nos EUA, por exemplo, as rádios voltadas para jovens já eram muitas e locutores especializados neste tipo de público tinham muito prestígio, desde quando às oito da noite do dia 9 de junho de 1951, o DJ Allan Friedman havia iniciado o programa Moondog Rockn’Roll Party, popularizando um ritimo que era privilégio apenas da comunidade negra e o lançando de vez na mídia.
A partir de meados dos anos 60, começou um fenômeno interessante. Com o espírito revolucionário e rebelde da época, cada vez mais jovens da classe média passaram a explorar as rádios FMs. Isso mudou totalmente o curso das coisas, pois a freqüência modulada era uma terra-de-ninguém, onde se podia tocar o que se quisesse, já que os patrocinadores não estavam nem aí para aquele deserto de possibilidades comerciais. Em outras palavras, as rádios FM não tinham rabo preso com ninguém. E a garotada que ouvia as FMs não estava querendo saber quem estava em primeiro lugar nas paradas, estava a fim de um som mais experimental, mais arriscado. A conseqüência foi que graças as essas rádios, artistas como Jimi Hendrix, Janis Joplin, The Who, Jefferson Airplane, etc, - todos banidos das AMs – puderam aumentar o seu público e se tornar o que se tornaram.
As coisas começaram a mudar nas rádios do Rio, quando a rádio Mundial AM, passou por profundas transformações, em 1968, já que o Roberto Marinho, das Organizações Globo, tirou o experiente radialista Humberto Reis da Tamoyo, para que ele criasse uma rádio totalmente voltada para o jovem. E a Mundi – como era conhecida - passou a ser a primeira feita por e para jovens. Até os anúncios. De repente você ligava o rádio e ouvia o locutor falar coisas como: “Pra você que está aí com sua gatinha na praia ou pegando uma onda, segure a nova dos Stones...”. O cara do outro lado falava como você. Hoje pode parecer ridículo, mas na época era novo, ousado e revolucionário.
Em 1969 surgiu o programa Show dos Bairros, onde cada bairro da cidade recebia uma música, que poderia ser votada depois. Foi uma febre! E o mais incrível era que a programação da Mundi era comercial, sem ser vulgar. Era de bom gosto, mas sem ser metida á besta. Era o meio termo necessário e, com isso, conseguia agradar desde o surfista do Leblon até o rapaz pobre que tinha que pegar trem lotado para Marechal Hermes.
Mas a maior revolução de todas ainda estava por vir. Foi quando a Mundi contratou o Big Boy (presentinho da Luma), um dos maiores Djs que o país já teve. Ousado, inteligente, criativo e super bem informado, o gordinho era o que havia de mais moderno no rádio brasileiro. Ele não só estava muito antenado com o que acontecia lá fora – e havia muita coisa rolando na época – como tinha a coragem de lançar grupos de rock, renegados aos porões, devido à ditadura que vivíamos. Bandas como Made in Brazil, o Terço e Vímana foram alavancados pelo gordinho-gente-boa.
O melhor de tudo foi que a concorrência teve que se mexer, ou melhor dizendo, se rejuvenecer. A Tamoyo que ficava ao lado da Mundi no dial, decidiu atender a demanda dos jovens dos subúrbios e zona oeste. Enquanto a JB era mais voltada para o pessoal mais exigente da zona sul. Então, havia espaço para todos.
No início dos anos 70, o FM carioca, que era tido como “coisa pra velho”, pois só havia estações de noticiários ou de música clássica, sofreu uma mudança com a entrada, em 1973, da Eldo-Pop, uma rádio, também do Sistema Globo, totalmente voltada para a garotada de classe média alta da zona sul, que podia comprar um rádio com FM – ainda um luxo, na época. Mas a idéia não atraiu muito os patrocinadores e, com o passar do tempo, a rádio foi ficando repetitiva e decadente, principalmente porque isso coincidiu com um declínio na qualidade do rockn´roll, verificada a partir de meados dos 70.
Em 1977, a onda era a disco music e a Eldo Pop ainda estava tocando rocks progressivos do Yes ou do Jethro Tull com mais de vinte minutos de duração. E para atender a demanda por músicas dançantes, o rádio carioca assiste a mais uma revolução: no dia 1 de maio de 77 entra no ar a Rádio Cidade-FM, do Grupo JB. Foi uma paulada tão grande quanto o surgimento da Mundi no final dos anso 60. Moderna, criativa e totalmente antenada com o espírito alegre e veloz da era John Travolta, a Cidade foi um fenômeno de audiência. De repente, todo o Rio correu às lojas para comprar um rádio FM, pois agora se tinha motivos de sobra para se ter um. A concorrência foi para o buraco. A Mundi, a Tamoyo e JB-AM, decaíram. A Eldo POP virou a 98, uma tentativa do Grupo Globo de desbancar a Cidade.
A Rádio Cidade foi a última revolução ocorrida no rádio carioca. Depois disso, surgiram apenas algumas iniciativas interessantes, como a Nacional FM, por exemplo, uma rádio que só tocava MPB. A Fluminense FM – a Maldita, como ficou conhecida -, que entrou no ar no feriado de 1 de maio de 1982, também foi outra novidade. Totalmente voltada para o rock – numa época em que bandas como The Cure, The Police, Siouxie and The Banchees, Dire Straits, Duran Duran, U2, etc, estavam dando sangue novo ao ritmo popularizado por Elvis -, a Maldita fez a cabeça de toda uma geração. Me lembro de sair da faculdade às pressas para não perder os programas de lançamento de novidades, sempre às 22h.
Mais tarde, a Globo FM, antes uma estação que privilegiava a musica clássica, passou a fornecer uma programação voltada para a juventude yuppie – os jovens bem sucedidos dos anos 80 -, que podia gastar uma grana com sofisticadas aparelhagens de som para ouvir jazz, r & b, blues ou grupos como Everything But The Girl ou artistas como Sade, que faziam um som exigente, para um público exigente.
A Globo FM foi a última novidade a ocorrer no dial carioca. Hoje, ela própria virou uma rádio comum, já que parece que teve que ceder na briga pela audiência. E como as suas concorrentes são quase todas cópias mal feitas sua, a coisa vai de mal a pior. O jabá, uma praga que existe desde os primórdios do rádio, mas que passou a tomar proporções gigantescas a partir dos anos 70, parece estar mesmo minando o dial.
Com o advento do mp3, a febre do ipod, etc, muito tem se discutido o futuro do rádio. Mas eu acredito que ainda haja esperança, sim, e ela está bem aí na sua frente: na web. Muitas rádios já enxergaram isso e criaram filiais on line. Outras inovaram e tentaram criar versões novas de si mesmas. Um exemplo vem de Sampa. A rádio Eldorado FM, que eu curtia desde os tempos em que lá morei, tem a sua versão on line, aparentemente livre de jabá e apresenta uma programação bem mais livre, onde os programadores parecem ter mais liberdade para tocarem o que acham que devem. Como nos bons tempos. E mais: a Eldo não tem o ranço do passado e está super antenada com o que há de novo no mundo da música, sem, é claro, desprezar as raízes.
Há também as mais radicais. São as rádios alternativas que apostam numa programação totalmente experimental, praticamente sem o maldito jabá, e que – como acontecia com as FMs americanas nos anos 60, ousam tocar o que as convencionais nem sonham em programar. Por isso mesmo, ao ouvi-las, pode-se encontrar surpresas, aventuras, emoção – palavras extintas no dial convencional. Uma delas é a Munt FM, uma rádio da Nova Zelândia, que tem uma programação jovem e diversificada, que vai do jazz ao tecno. E o melhor de tudo: um dos djs é um brasileiro, o meu amigo Jorge Ferreira, blogueiro do Rasga Mortalha, que ajuda a divulgar o bom da nossa música por lá.
Bem, o meu rádio convencional está com teias de aranha. Só tenho ouvido as duas estações citadas. Exitem outras. E ninguém precisa jogar o seu radinho pela janela. Mas não custa nada experimentar o novo.
Dica dada.