Em fevereiro de 1970, ela chegou para o carnaval. Era um furacão de emoções. Hoje em dia, certamente, alguém lhe recomendaria ioga para a busca do equilíbrio. Mas ela preferia o auxílio de coisas mais pesadas.
Na época, embora, não houvesse mais a presença de censores nas redações dos jornais, a censura ainda era implacável. Vivíamos a fase mais cruel da ditadura militar e o clima era negro. Para lembrar, o Pasquim havia sofrido um atentado à bomba pouco antes. Por isso grande parte da imprensa carioca a ignorou. Ou a massacrou. O Globo, por exemplo, deu mais ênfase a sua feiúra, a palidez de sua pele e às roupas extravagantes demais para um Rio de Janeiro ainda careta, apensar do desbunde que rolava. Realmente Janis Lee Joplin não estava com uma aparência muito boa, devido ao tratamento para abandonar o vicio da heroína e do Southern Confort. Mas os jornais acharam mesmo que não era prudente dar muita publicidade à chegada de uma cantora que era vista nos EUA como desbocada, bebum, drogada, brigona e lésbica.
A própria Joplin não estava numa fase muito boa. O seu último trabalho, Kozmic Blues, havia sido mal recebido pela crítica americana e a imprensa começava a levantar a hipótese de ela estar perdendo a voz. Sofrendo de uma carência afetiva crônica, solitária - muita gente ao seu redor, mas poucos amigos -, com a família querendo vê-la longe e sem um homem para dividir a sua cama, Janis estava desesperada, pois, sem a voz, não teria mais o seu público e o seu público era tudo o que ela tinha (“Vou escrever uma canção sobre o que é fazer amor no palco com 20 mil pessoas e voltar para um quarto de hotel sozinha”). E como toda carente crônica, Janis precisava de atenção. Talvez, por isso, tenha feito um escandaloso topless em plena piscina do Copacabana Palace, onde estava hospedada com sua grande amiga, a jornalista novaiorquina Myra Friedman, que em 1973 escreveria sua biografia, o best-seller Buried Alive (Enterrada Viva). Nas arquibancadas, assistindo o desfile das escolas de samba, que ainda acontecia na Presidente Vargas, Janis também fez de tudo para chamar a atenção.
Um dia, o tresloucado roqueiro Serguei foi procurá-la no hotel. Na verdade, eles já haviam se conhecido anos antes, quando ele morava em Los Angeles. Serguei passou a ser uma espécie de guia turístico para aquela que, ao lado de Hendrix, era o maior ícone da cultura pop da década de 60. Ele a levou para o já decadente Beco das Garrafas, um pequena rua, no Posto Dois, onde havia algumas boates de música ao vivo, e que pouco menos de dez anos antes, havia sido o berço de muito astro na MPB, como Elis, Gil e Milton, por exemplo. Saindo da Bottle´s, no final da madrugada, ela e uma turma que incluía o, então, marido de Elis, Ronaldo Boscoli, cismaram de ir para a praia. Estavam completamente bêbados. Na areia, Janis ficou encantada com as enormes dunas que haviam sido levantadas, devido às obras de construção do calçadão. Quando quis escalar uma delas, caiu e, sem conseguir se levantar, de tão bêbada, soltou a sua famosa gargalhada, enquanto se contorcia de tanto rir. Bôscoli e seus amigos ficaram olhando para ela. “Porra, o que nós fomos fazer com a cantora mais famosa do mundo?”, recordaria Bôscoli anos mais tarde. Na verdade, Janis poderia estar no seu luxuoso quarto de hotel, dormindo como a estrela que era, mas como ela própria havia dito: “Prefiro viver só mais dez anos na maior agitação, do que chegar aos oitenta sentada numa cadeira de balanço, diante da tv”. O que vem comprovar que temos que ter cuidado com o que dizemos, pois antes daquele ano acabar, ela estaria morta, aos 27.
Mas dias antes de voltar para a América, Serguei a levaria de carro para conhecer a região da pouco habitada e bucólica Barra da Tijuca. Ao passarem por São Conrado, ela se impressionou com a Rocinha e quis ir até lá, inaugurando o já comum tour de turistas às favelas cariocas. Lá na, então pacifica, favela, experimentou caipirinha numa birosca e, ao passar por um barraco, onde na porta havia uma placa que dizia JOGA-SE BUZIOS, quis entrar e saber qual era. O pai de santo lhe revelou que o santo de cabeça da texana de Port Arthur era uma pomba gira chamada Pérola. Ao voltar para o hotel, Janis contou o fato a Myra, que apenas achou graça. Mas Janis ficou impressionada e resolveu batizar o disco que começaria a gravar, assim que voltou para Nova Iorque como Pearl (pérola em inglês).
Em seguida, ela dissolveu a sua banda, a Kozmic Blues Band. Formou outra, a Boogie Tilt Blues Band, com quem começaria a gravar e a excursionar. O primeiro show, em junho, foi na Louisiana e ela resolveu ir ao Texas, visitar a sua cidade natal. E se arrependeu amargamente. Seus pais chegaram a sair de casa para não ter que receber a filha escandalosa e que usava roupas hippies. Além disso, Port Arthur não tinha o menor orgulho da sua filha drogada e freak. Janis esperava ser recebida com tapete vermelho, mas só encontrou deboche, hostilidade e frieza. Quando ligou para sua mãe, esperava um “Oh, minha filha! Parabéns por você ter conseguido virar uma estrela.” Mas ouviu um gélido “Você realmente não deveria ter nascido.”
Apesar da maioria dos amigos achar que ela estava clean, acredita-se que após este baque, Janis tenha voltado a usar heroína. Em agosto, o seu desmaio em pleno palco do Shea Stadium, em Nova Iorque, durante um festival/protesto para pedir o fim da guerra do Vietnã, já era um sinal de que as coisas não iam bem.
Em 18 de setembro, dia em que o mundo do rock chorava a morte de Jimi Hendrix, uma Janis completamente bêbada, ligava para Myra Friedman dizendo: “Por que ele e não eu?” (“Eu trocaria todos os meus amanhãs por apenas um dia no meu passado.”)
No sábado, 3 de outubro, após finalizar as gravações do seu Pearl, que sairia no inicio do ano seguinte, ela foi com o ex-namorado Country Joe MacDonald ao show de um cantor de folk iniciante chamado Gordon Lightfoot. Na volta, ela pediu para que Country Joe a acordasse bem cedo na manhã seguinte, pois queria procurar um apartamento. Janis estava animada, com novos planos de voltar a morar em Los Angeles e iniciar uma fase mais madura em sua carreira. Parecia feliz.
Mas na manhã do domingo, 4, foi o próprio Country Joe que, com ajuda do porteiro, arrombaria a porta do quarto daquele motel em Hollywood e encontraria seu corpo. Naquela madrugada haviam ocorrido várias overdoses de heroína na região de Hollywood. Talvez um traficante iniciante tenha esquecido de malhar a droga... Seja como for, foi difícil para grande parte da juventude americana absorver a porrada, apenas pouco mais de 15 dias após a morte de Jimi. A autópsia policial concluiu ter sido mesmo uma overdose que levou Janis. Mas a causa-mortis poderia ter sido solidão, tanto faz.
Seu corpo foi cremado e seus poucos amigos alugaram um helicóptero para espalhar as suas cinzas sob Los Angeles, a cidade que ela tanto amava.
Pearl ficaria 18 semanas no primeiro lugar da parada americana. Uma das faixas era Trust me, que você deve estar ouvindo.
Sua biografia virou um best-seller, mesmo aqui no Brasil.
Um documentário, chamado Janis, sobre sua carreira foi feito em 1974.
Port Arthur foi atingida semanas atrás por um furacão chamado Rita, pouco depois de ser quase destruída por um outro de nome Katrina. Poucos se preocuparam com o os prejuízos sofridos pelos seus habitantes. O governo se preocupou mais com as refinarias de petróleo existentes por lá. Foi como se aquela gente não existisse.
Quem sabe Janis não está no céu rindo disso tudo com a sua gargalhada escandalosa de quem nunca fez ioga?
Feliz nas areias de Copacabana, morrendo de amores pelo Rio e fazendo planos para voltar e fazer um show de graça, em alguma praia. Estaria morta oito meses depois.
* Post publicado em 02/10/05, em que o mundo comemorava os 35 anos da morte da moça.
* Para quem não sabe, este mês estou republicando alguns posts antigos que deram o que falar. Isso porque grande parte dos blogueiros ainda está de férias.
* Uma novidade: Criei um novo blog, no Multiply. É uma versão do Bala...digamos, mais chique. Por enquanto estou publicando os mesmos posts daqui, só para testar. Mas não está descartada a minha mudança em definitivo para lá. Quem quiser conferir, é só mergulhar aqui