sexta-feira, fevereiro 03, 2006

Dez anos sem o gaúcho que tinha uma gata chamada Zelda


“Só depois de apertar muitas vezes a campainha foi que escutou o rumor de passos descendo a escada. E reviu o tapete gasto, antigamente púrpura, depois apenas vermelho, mais tarde rosa cada vez mais claro — agora, que cor? — e ouviu o latido desafinado de um cão, uma tosse noturna, ruídos secos, então sentiu a luz acesa do interior da casa filtrada pelo vidro cair sobre sua cara de barba por fazer, três dias. Meteu as mãos nos bolsos, procurou um cigarro ou um chaveiro para rodar entre os dedos, antes que se abrisse a janelinha no alto da porta.”

Trecho do conto Linda, uma história horrível

No próximo dia 25, sábado de carnaval, muitos estarão tomando todas. Alguns, deixarão uma pro santo. Neste caso, o santo terá nome: o escritor gaúcho Caio Fernando Abreu, um irmãozinho que partiu, aos 47 anos, vítima de complicações causadas por aquela doençazinha medíocre de apenas quatro letras.
Com sua forma lírica e sensível, Caio foi um dos mais representativos da literatura dos anos 70. Embora o seu maior sucesso tivesse sido Morangos Mofados, lançado em 1982. No prefácio deste livro premiado, Caio se diz apenas um escritor que vive só num apartamento em São Paulo e tem uma gata chamada Zelda”. Pura modéstia. Alguns consideravam sua prosa, um tanto gay, pura injustiça, preconceito. Outros o chamavam de Clarice Lispector de calças. Bobagem. Na verdade, com seu estilo preciso e inspirado, seus diálogos inteligentes, seus personagens muito bem construídos e seu jeito quase que poético de descrever as emoções, ele conseguiu uma fazer uma prosa sem parâmetros no país. E suas histórias iam muito mais além do mundinho gay. O que se encontra em seus textos nada mais é do que a alma humana, com suas belezas e imperfeições. Seus textos eram universais e eternos, não é por outro motivo que continuam atuais. Só que o jeito Caio de escrever era de uma sensibilidade que chegava a emocionar. Seja falando de preconceito (Aqueles Dois), seja falando sobre a brutalidade de um militar contra um rapaz gay (Sargento Garcia), seja falando sobre a angústia de um cidadão de classe média ao receber terríveis ameaças anônimas (Inimigo Oculto) ou descrevendo a mente de um homem minutos antes de matar a sua amante (Caixinha de Música), tudo era belo, claro, sensível, criativo e gostoso de ler na obra de Caio.
Muitos dos que já tiveram a oportunidade de ler o que escrevo, acham que as minhas maiores influencias foram os romancistas policiais. Realmente, se fizerem o exame do DNA no Lacerda, ficará comprovado que o Rubem Fonseca e o Jim Thompson têm culpa no cartório. Mas quando tive que compor a sensível e perturbada Virginia Brandão, o contrapeso à violência da rotina do Lacerda, bebi na fonte das influências que o Caio exerceu em mim. E com certeza não estou sozinho. Por isso tanta saudade desse gaúcho. E por isso, tantas homenagens também.
E as homenagens já começaram. Veja o que O Globo falou do Caio hoje(04/02/06)

E se quiser saber mais sobre ele, mergulhe aqui.
E aqui.

Aqui está a agenda das homenagens a Caio no Sesc Copacabana.

10 anos 100 Caio Fernando Abreu

“Vamos fazer uma festa enquanto o dia não chega"

Entre os dias 3 e 19 de fevereiro no mezzanino do Espaço Sesc, de quinta a domingoRua Domingos Ferreira, 160. Copacabana. Tel: (21) 2547-0156


Palestras

Dia 08, 20h - exibição do curta-metragem “Sargento Garcia”

Palestra com Luciano Alabarse (diretor das primeiras montagens de textos do autor), Luiz Arthur Nunes, (organizador livro “Teatro Completo”) e Marcos Breda (ator)

Dia 15, 20h - exibição do curta-metragem “Dama da noite”Palestra com Scarlet Moon (atriz e jornalista), Marcelo Seccron Bessa (doutor em letras pela PUC-Rio) e Graça Medeiros (astróloga de Caio)


“Uma visita ao fim do mundo”Segundas e terças-feiras, às 20h, a partir do dia 6. As visitas devem ser agendadas pelo telefone 21-9236-3719

Isto é Arte?


Você já deve ter ouvido alguém dizer que a vida imita a arte ou vice-versa. Pois uma exposição que está fazendo grande sucesso em Nova Iorque, segundo o Village Voice é Bodies: the exhibition. A exposição é, na verdade sobre corpos humanos, mas foi baseada em cadáveres em decomposição. Está em cartaz no South Street Seaport, com ingressos a cerca de U$ 25 por cabeça. Tem estômogo pra ver mais? Então mergulhe aqui.

8 Comments:

Blogger Alba Regina said...

JC, a forma como descobri Caio Fernando foi inusitada...estava num barzinho lá no alto, aquele que ficava lá no alto mesmo...um boteco na verdade com uma linda vista; na saída havia um muro pichado aonde se lia em letras gigantes: Morangos Mofados. Mais nada. Então um dia na faculdade alguém falou alguma coisa e uma amiga brincou..ah! fulana, morangos mofados! Foi então que meu amigo inesquecível disse: Morangos Mofados é um livro ótimo de um autor chamado Caio Fernando...saí da puc e fui correndo comprar...li de uma tacada só naquela noite...depois de tanto emprestar perdi...comprei outro a alguns meses e agora ele descansa entre Ana Cristina Cesar e Clarice Lispector...Gente Fina que já não existe mais ..."ah, fumarás demais, beberás em excesso, aborrecerás todos os amigos com tuas histórias desesperadas, noites e noites a fio...." texto grifado dos meus Morangos...a minha cara até hoje!
Se aquilo é arte? eu acho q não...tem gente q acha q sim, fazer oq né?! ( desculpe o aluguel tá?) Mil beijos JC!

sábado, fevereiro 04, 2006 6:59:00 PM  
Blogger Alba Regina said...

JC, sou eu novamente. Olha aqui, fui lá no Releituras. Tô chorando como uma louca. Mas está ótimo. A carta do Caio era pro Zezim, mas hj foi pra mim mesmo. Valeu! Beijo.

sábado, fevereiro 04, 2006 7:18:00 PM  
Blogger Julio Cesar Corrêa said...

Albinha,
o Caio foi muito importante pra mim. Quando li Morangos Mofados, quase tive um orgasmo. Fiz oficina literária com o poeta Cairo Trindade que foi grande amigo e companheiro do Caio nos primeiros anos dele no Rio. O Caio me influenciou muito e até hoje prendo a respiração quando releio alguns textos dele. Foi uma grande perda. Comprrendo a sua emoção.
bjs

sábado, fevereiro 04, 2006 8:05:00 PM  
Blogger Nil Borba said...

Oie, quero bala não quero amor!!

O tempo chega, acalma, destrói, ajuda
O tempo bom dá tempo, pro tempo ruim acabar
O tempo feliz faz o tempo triste ir embora, mas
O tempo faz chorar.
O tempo faz ter esperanças que o tempo não deixou
O tempo traz solidão, lembranças de um tempo bom
que ficou no coração.
M.Nilza

Um ótimo domingo pra vc.
beijos

domingo, fevereiro 05, 2006 12:15:00 PM  
Blogger WILTON MEDEIROS said...

não, não é.

domingo, fevereiro 05, 2006 3:24:00 PM  
Blogger Jôka P. said...

Se fosse hoje, Caio estario vivo e escrevendo essas maravilhas que tanto nos fazem falta.
:C
bom domingo ???

domingo, fevereiro 05, 2006 5:42:00 PM  
Blogger Jôka P. said...

Ele está vivo.

:)

domingo, fevereiro 05, 2006 5:43:00 PM  
Blogger Julio Cesar Corrêa said...

Nilza e Wilton,
obrigado pela visita. Nilza, daqui a pouco vou lá no Pedacinhos de Mim, digo, de você.

Jôka,
este cara faz falta mesmo.
gd ab

segunda-feira, fevereiro 06, 2006 2:21:00 PM  

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