Responsabilidade
Recentemente, conheci em um evento social um empresário que havia sido simpatizante de um grupo guerrilheiro durante a ditadura militar. Foi preso e muito torturado, entre 1970 e 1972.
Estávamos numa roda animada e o papo não era política e, sim, música. Em certo momento, o ex-guerrilheiro contou que durante a prisão os subversivos não podiam demonstrar nenhum sinal de fragilidade ou ela seria explorada durante a tortura.
Ele havia deixado mulher e um filho pequeno em casa e morria de saudades e preocupação, pois não sabia o que havia sido feito deles.
Numa noite, todos os outros presos dormiam e da sala do carcereiro vinha o som de um radinho de pilha. De repente, começou a tocar I´ll be there, que fazia enorme sucesso na época.
O velho guerrilheiro nos contou que, ao ouvir a vozinha do Michael Jackson, ele lembrou-se do seu filho e começou a chorar. Baixinho para que o militar de plantão não o ouvisse. E como o carcereiro costumava fazer rondas noturnas pelas celas, sua angústia cresceu. Tentou pensar em algo feliz para estancar o seu choro. Que tal o dia em que estivesse longe dali? Mas será que sairia vivo? Será que voltaria a ver os seu filho?
E a vozinha do Michal Jackson...
Mas em um determinado momento foi justamente aquele som que o fez esquecer a sua angústia, quando um pensamento idiota brilhou em sua mente: Como reagiria Michael Jackson(na época ainda integrante do The Jackson 5, um típico produto de consumo da sociedade mais capitalista do planeta) se soubesse que, ao invés de menininhas apaixonadas e casais de namorados, sua voz estava emocionando um homem que lutava contra uma ditadura militar e o justamente contra o imperialismo yankee?
"Que fracasso de guerrilheiro eu sou." Mas foi pensando nisso que ele conseguiu sufocar o choro e até abrir um sorriso.Voltei para casa com essa triste história na cabeça e pensei na responsabilidade que se deve ter ao se fazer qualquer trabalho artístico, pois ele irá diferentes pessoas em diferentes situações.
Não sei se já comentei aqui, mas o meu romance policial A Arte de Odiar, por exemplo, resultou na separação de uma grande amiga minha. Não vou me aprofundar no caso, mas o drama da vilã Virgínia Brandão fez muitas mulheres que leram o livro a também questionarem os seus relacionamentos.
É lógico que o artista não pode e não deve se preocupar com com a repercurssão que sua obra terá, a não ser que ela venha a causar algum mal a alguém. Mas ele tem que saber da responsabilidade de encarar o retorno, bom ou mal, que seu trabalho tiver.
A história do velho guerrilheiro aconteceu no início dos anos 70. Imagine agora, no século XXI, quando jogamos nossas idéias na web, através dos blogs, e elas se propagam com rapidez por todo o mundo!
Pois eu conheci o ex-guerrilheiro e sua história no mesmo dia em que recebi um comentário sobre aquele que foi o post mais polêmico que coloquei aqui. Foi em 2006, quando preguei medidas radicais para o controle da natalidade, inclusive com um slogan que dizia: FILHO É PARA QUEM PODE! Quem freqüenta esse blog a mais tempo se lembra da polêmica que foi. Pois bem, um sujeito que se identificou apenas como Anônimo, me chamou de "FACISTA FDP".
Esse comentário irado e covarde não mudou a minha opinião. Continuo achando que o Brasil precisa de uma política de natalidade pra ontem. Por outro lado, não fico chateado com tal agressão. Quem sabe partiu de alguém que acabou de perder um filho ou luta sem sucesso para ter um? Nesse caso, eu seria o Michael Jackson e o Anônimo, pode ser o velho guerrilheiro.
O Zeca Baleiro tem uma música que diz mais ou menos assim: "Quem tem medo do tapa não põe a cara na rede." Nós blogueiros temos a total liberdade de escrevermos o que quisermos - o grande barato dos blogs. Mas temos que aceitar o tapa. Já levei muitos aqui.
P.S. Parabéns para o Michael, o novo cinqüentão!
P.S. Parabéns para o Michael, o novo cinqüentão!
Marcadores: música
6 Comments:
Já pensei sobre este assunto também, Julio. Nós blogueiros temos a liberdade de escrevermos o que quisermos, mas não podemos evitar que os tapas sejam dados: o que é, no mínimo, legal, pois só assim sabemos que estamos escrevendo para pessoas, de carne e osso, neste mundo virtual.
Já levei meus tapas, já fui até agredida com palavras de baixo calão. Acontece... você bem sabe.
Mas, como você bem disse, colocamos a cara pra bater no momento em que optamos por divulgar nossas idéias e opiniões.
Bisous.
Ps: eu amo gatos e tenho dois...e vc, pelo visto adora cobras, né? ahuahuahuahau!!!!
Cobra?
Tô fora!!!!!!!!
bjs
Olá, grande Júlio.
Seu post é de uma enorme felicidade e propriedade.
Também concordo que filho é para quem pode e entendo a dimensão que você quis dar a esta frase. Sobre as nossas responsabilidades ao estar na rede, sei bem disso. mesmo escrevendo um blog temático, que envolve as lembranças que todos temos, já andei levando uns catiripapos. No início eu entrava no lance do bateu, levou. Depois, sosseguei. Acho que não vale a pena entrar em bate-boca com quem não tem muito discernimento para ver as coisas. Mas o que você disse tem muito a ver. Carpe Diem. Aproveite o dia e a vida.
È isso aí, acho que todo blogueiro tem um pouco de masoquista. ;=)
abração
Toc, toc.
Alô? Alguém??
Some não, moço...
Bisous
na surdina, sempre aqui...
legal a parada da personagem Virgínia, mas não espalha muito não... vc corre o risco de todo homem abandonado buscar na lembrança a esposa lendo A arte de odiar e daí, irmão, pode sobrar mais tapa procê.
abração, Jorge.
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