O OUTRO LADO DA CIDADE
Otávio, o escritor assassinado no meu A Arte de Odiar.”
“Amar a si mesmo é o início de um casamento para toda a vida.”
De Oscar Wilde e virou o meu mantra.
“- Parece que Deus é mais eficiente com alguns.
- Deus não é tão perfeito. A gente tem sempre que dar uma ajudinha.
- Eu não dei ajudinha nenhuma.
- Pense bem. A gente sempre fornece as ferramentas para que Deus construa o nosso destino.
Trecho da peça A Alma Quando Sonha É Teatro, de Márcio Vianna.”
Trecho da Ópera dos Três Vinténs, de Bertold Brecht e Kurt Weill
“Envelheçam, jovens! Evelheçam com urgência!!!”
Nelson Rodrigues
DEPOIS DA LAPA...A CINELÂNDIA...
Ontem, fui ao encontro “Blog, ficção e realidade. Um show de realidade.”, dentro da livraria Dantes, que meses atrás deixou o Leblon para se instalar ali, no coração da Cinelândia velha de guerra. O espaço é charmoso e bem aproveitado, como sala de encontro e debates. Neste de ontem, João Ximenes Braga, Antônia Pelegrino e Cecília Giannetti discutiram o crescimento dos blogs, o relacionamento com os fãs, o perigo de se expor a intimidade na web, etc, etc, etc. Foi um encontro interessante. Mas o que mais me chamou a atenção era a multidão de classe média que perambulava pelo cinema e também pelo Mercado Odeon, que rolava em frente, com barraquinhas vendendo roupas, livros, comida e tocando muita música.
Durante muitas décadas, a Cinelândia foi um local onde a classe média ia se divertir. Era chique ira ao Teatro Serrador, por exemplo, e terminar a noite no Amarelinho. Ou ir a um dos muitos cinemas da área e tomar um chá ou um sorvete na mesinha de um bar, café ou lanchonete. Por volta dos anos 20, a cidade se espalhava em direção ao Leblon, da mesma forma como hoje ela avança para o Recreio. Com isso, a classe média foi procurando pontos mais próximos da sua casa, na Zona Sul. Mesmo assim, a velha Cinelândia ainda ficou sendo point de intelectuais, artistas, boêmios e políticos.
As obras do metrô, a partir do meio da década de 70, trouxe a decadência. A Praça Floriano se transformou em um enorme buraco e poucos freqüentadores suportaram o barulho das britadeiras, a poeira e o ar de abandono que se abateu no local. As obras do metrô terminaram em 1978, mas a classe média não voltou. Nem os intelectuais, nem os boêmios, nem os artistas e nem os estudantes. A Cinelândia se transformou num local de prostituição, população de rua e sujeira. E assim permaneceu durante anos a fio. O fechamento dos cinemas Boavista e Pathé, aumentaram o ar patético desta área, que é um verdadeiro patrimônio cultural. As autoridades pouco fizeram para reverter a sua agonia. Algumas iniciativas particulares, como o Rival BR, foram o soro, o sangue que faltava para que o local voltasse apresentar sinais vitais. Depois veio o Odeon BR, o Teatro da Justiça Federal e a nova programação do Teatro Municipal. Mais recentemente o Bola Preta vem abrindo suas portas para festas animadas, o que aumenta a circulação pela praça, antes suja e deserta. O chamado renascimento da vizinha Lapa e a revitalização da rua da Carioca, também influenciam na lenta recuperação da moribunda. Podemos dizer que a velha Cinelândia saiu da UTI e foi para o quarto. Não corre mais risco de morte, mas seu estado ainda é grave.
E o que vi ontem no Odeon, veio confirmar o que que venho notando, já há alguns anos, ou seja, o Rio está voltando a procurar cada vez mais as atividades culturais do Centro. E esta revitalização não é boa somente para quem mora no Centro, mas também para quem mora próximo. Como eu, que fui de bike para o Odeon. E na volta, me lembrei de uma crônica que escrevi uns tempos atrás.
Aí vai...
EU, UMA BICICLETA E A CIDADE
Ontem me dei conta de que já se passou um trio de décadas desde aquela noite em que fiz amor com a cidade.
Ainda me lembro do calor seco de Fevereiro, do cheiro de maresia vindo no vento norte, a voz do Cid Moreira no Fantástico e uma bonança de tédio (Que saco! Amanhã é segunda-feira), antes da tempestade de desespero (Meu Deus! Amanhã é segunda-feira!). Hoje, eu poderia tomar um porre e amanhecer na sarjeta. Minha mãe tirava a mesa do jantar e eu não queria aceitar a idéia de que o que restava do meu fim de semana era deitar e amanhecer para o primeiro dia de aula, no Colégio Pedro Segundo.
Num ato de desespero, saí. Peguei a minha bicicleta e fui em direção à praia. Com a energia dos meus quatorze anos, atravessei o Aterro em poucos minutos e logo cheguei no MAM. De repente, diante de mim estava uma passarela que me faria atravessar as pistas dos carros e me despejaria nas ruas sombrias do Centro. A silhueta dos prédios escuros não eram muito animadoras. Mas, para trás estava o despertador, o meu uniforme escolar já na cadeira do quarto, a voz do Cid Moreira. Deveria eu seguir em frente? (ao longe, ouvia-se o relógio da Mesbla, que mais parecia o Big Bem de uma Londres sombria. Sim, haveria um Jack Estripador a minha espera, logo ali no Castelo) Deveria eu voltar? (os cadernos encapados; minha de camisola, fazendo gargarejo com Malvatricin; meu pai, de pijamas, assistindo aos gols do Fantástico)
Foi no auge da dúvida que ouvi a voz da cidade. Ela disse: “Venha. Não tenha medo. Eu protejo você.”
E que voz sensual. Nenhuma Paola ou Michele ou Lou do telesexo conseguiria ser tão sedutora. Vou repetir: eu tinha quatorze anos. E quando dei por mim, já estava na avenida Beira Mar.
Não me lembro de muita coisa. Lembro-me sim do medo, no início, enquanto eu pedalava por ruas sombrias e desertas. Poucas pessoas, poucos carros. Ruas sóbrias, semidesertas, uma multidão de possibilidades. Enquanto eu seguia, o medo saiu de cena e subiu ao palco, um sentimento de liberdade que poucas vezes experimentei. Fui parar na praça quinze, com aquele forte cheiro de peixe vindo do mercado que ainda funcionava ali. Que barato! Sete de Setembro, Ouvidor, Rosário, Primeiro de Março. Que tal, andar na contra-mão, na Presidente Vargas?
E a cidade disse: “Sim, experimente! Vai fundo! Você pode tudo!”
Fui parar na praça Mauá. Marinheiros bêbados, putas de mini-saia. Caralho! Amanhã é segunda-feira. Foda-se! Que tal andar sobre as calçadas de pedra portuguesas? Que tal ir até a praça Tiradentes? A Lapa? A Cinelândia?
“Você pode. Não se preocupe, eu protejo você.”
E eu acreditei. Sim, a cidade era minha. Eu podia ir para onde eu quisesse. Eu tinha quatorze anos e a cidade me pertencia. Pouco tempo antes, eu havia sido apresentado ao orgasmo. Mas o que a cidade me proporcionou naquela noite havia sido muito mais indecifrável e infinitamente mais prazeroso.
Voltei para casa exausto, mas sorrindo um sorriso de quatorze anos. Durante algum tempo aquela noite ficou em minha mente. Até ser substituída por outras noites inesquecíveis.
Só ontem voltei fui me lembrar dela. Por sinal, também era domingo e também fazia calor. E por sinal a mesma bonança tediosa, antes do temporal estava lá. Se há uma coisa que não mudou nesses trinta anos foram as segundas-feiras. Eu sentia um sentimento assim tipo daria-tudo-pra-pegar-a-bike-e-sair-por-aí. E saí. Que tal fazer a mesma loucura de 1974?
Fiz. Ou quase. Pois quando cheguei na velha passarela do MAM. A cidade me disse:
“Não vá. Volte. Não posso mais proteger você.”
A voz era a de uma mãe. Doce, cansada, melancólica.
“Você não sabe o quanto me dói dizer isto. Mas, volte.”
“Mas eu quero.”
“Você não deve.”
“Por quê?”
“Você não lê os jornais, não sabe como mudei?”
Fiquei em silêncio.
“Eu daria tudo para vê-lo novamente me possuindo. A adrenalina correndo pelas suas veias; você correndo pelas minhas ruas. Lamento, mas não pode rolar mais isso entre nós.”
“Eu ainda te amo.”
“E você me amaria menos se eu lhe pedir que volte, que não insista, que não confie mais tanto em mim?”
Fiquei novamente em silêncio. O que dizer para uma cidade numa hora dessa?
E voltei.
SABADO, 10 DE SETEMBRO...
Sarau de Santa
Às 18h, na LIVRARIA LARGO DAS LETRAS.Largo dos Guimarães.
CONVIDADOS:
Marcelo Moutinho; Flavio Izhaki, Henrique Rodrigues e Diana
Hollanda.
Estarei lá
5 Comments:
Eu também adoro o Centro e suas adjacências. Quando morava na Glória (e trabalhava na Candelária — não a igreja), sempre voltava a pé pra casa, fazendo um caminho diferente a cada dia. Além de morar relativamente próximo ao trabalho, na minha caminhada diária eu aproveitava para sentir a Cidade.
É verdade que hoje há muitos perigos (alguns nada ocultos), mas, dependendo da hora e do local, ainda é possível curtir o prazer que essa "velha senhora" é capaz de nos proporcionar.
Abraço.
pós-aniversário tive aula cedinho no Paissandu. mas valeu a companhia de vcs, o chope e toda conversa ao vento.;)
oi julio cesar.
o rio é uma cidade muito inspiradora, né?
eu penso que se morasse ai, escreveria muito sobre a cidade.
um beijo, voltarei pra te visitar!
É poético. Um texto ótimo.
Hábraços
Grande Julio...
estava lá também! Dá próxima vez vamos marcar!
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