terça-feira, agosto 02, 2005

Cultura, a velhinha defecando, filhotes de vira-lata, etc


















Eu, Elis e Liana, no Cais do Oriente, minutos antes de eu ver a velinha defecando.

"Sempre fico de olho nos ingênuos. Os ingênuos, românticos e sonhadores serão os futuros amargos, tiranos, mesquinhos e cruéis. Há sempre uma desilusão no meio do caminho.”


O detetive Lacerda, ao ouvir que um determinado suspeito era ingênuo, no meu romance policial, A Arte de Odiar.



Cultura, a velinha defecando e filhotes de vira-latas


A coisa aconteceu assim, um domingo desses, Eu, a Elis e a Liane, fomos ao Centro Cultural Banco do Brasil assistir à exposição de Iole de Freitas. Quatro esculturas gigantescas em metal, tubos de aço e acrílico, que ocupavam várias salas. No folder estava escrito que as obras abordavam conceitos de movimento, velocidade, transparência e leveza. Confesso que não consegui enxergar isso. Ao redor, as pessoas olhavam tudo compenetradas. Mas se eu conseguisse ler pensamentos, certamente iria encontrar coisas como "Qual terá sido o placar do jogo?"ou "Quais serão as pegadinhas de hoje no Faustão?" ou "Será que Lula não sabia mesmo de nada?" ou "Meu Deus! Na Cueca!" Depois , ainda fomos a uma exposiçao, na qual, em tvs, um jovem andava em círculos numa sala, um casal se agride de todas as formas, antes de se matarem, entre outras coisas.
Fomos então para o Cais do Oriente. Pouca gente, ambiente agradável, noite de lua cheia. Entre um petisco e outro, minhas amigas me davam força para criar logo este blog (Bala Perdida foi o nome sugerido pela Liane) E eu pensava...não sei, não...blog...diário na internet...mas eu tenho uma vida tão medíocre!
Quando saímos de lá, cada um foi para um lado e me vi andando pelo Centro da cidade a procura de um táxi. Eis que quando entro na rua do Carmo, lá estava ela. Uma velinha moradora de rua, agachando-se e fazendo, sob os pilotis de um prédio, aquilo que ensinamos aos nossos animais de estimação fazerem em locais apropriados. Pensei no absurdo da situação. Ela estava em casa, a rua era a sua casa. Logo, para ela o absurdo era eu ali, andando pelo Centro numa noitede domingo. Um gatinho se aproximou da velha, miando. E ela passou a acariciá-lo, como se estivessemesmo em casa. Sei que muitos vao me chamar de louco, mas vi uma certa poesia naquela cena. O Rio é a cidade da subversão da ordem. O certo e o errado, aqui, nem sempre faz sentido. Se você nao entendeu o que quero dizer, fique frio.
Logo em seguida, deparei com outra cena que exemplifica melhor o meu pensamento. Havia uma patrulha da PM parada junto à calçada, na rua da Assembléia, na algura da Elle et Lui. Os dois policiais estavam ao lado de um grupo de meninos de rua. Todos estava olhando para o chão. De longe pareciam estar rezando. Mas quando passei por eles, vi que o grupo olhava para uma cadelinha vira-lata que, entre papelões, amamentava três filhotinhos que deviam ter acabado de nascer. Por um momento, parei também paa apreciar aquela cena. Os policiais quedeveriam estar perseguindo meninosde rua, os meninosde rua que deveriam estar assaltando gente como eu e eu quedeveria estar fugindo dos meninos de rua. Todos ali, parados, olhando para a cadelinha amamentando seusfilhotes. Como nao ver poesia nisso?
Voltei para casa pensando em falar tudo isso pra alguém. Mas para quem. Só mesmo num blog conseguria expressar o que aquelas cenas significarma para mim. Naquela memsma noite, então, começava a nascer este blog.
Depois da poesia, tome bala
O episódio da velinha me lembrou um trecho de um dos contos do meu livro Crimes e Perversões. O que escrevi ali, foi baseado em uma outra cena que assisti, numa rua atrás da Praça Tiradentes. Treês putas fazendo paredinha para que uma quarta mijasse na calçada. Depois que o escrevi , achei este trecho sujo demais, pensei até em tirá-lo. Mas ao mostrar a uma amiga, ela falou: "Cara, isto poesia urbana!" A Marcinha mudou a minha visão e acabei o mantendo. Afinal de contas é um livro decontos policiais.
Confira e mande bala.
(Trecho do Conto Ronda, do meu livro Crimes e Perversões)
Na escuridão da rua Luiz de Camões, encontramos o Beléu. Conversava com uma mulher. A mulher se afastou assim que nos viu.
“O que que manda, sargento?”
“Jéssica. Ela esteve com você?”
“Não me lembro.”
Fiquei em silêncio, olhando nos cornos do vagabundo a minha frente. Beléu já me conhecia muito bem pra ficar de sacanagem. “Bate o congo.”
“Tá certo. Ela veio, sim.”
“Quando?”
“Hoje.”
“Atrás de quê?”
“Que fundamento é esse, brother?”
“Atrás de quê?”
“De grana!”
“E aí?”
A mulher que estava com o Beléu conversava alto, na esquina com a Imperatriz Leopoldina. Conversava com outra puta. Falava alto para chamar a atenção do Beléu. Não era uma mulher de perder tempo.
“Ela estava correndo atrás de grana.”, prosseguiu Beléu, “Só que eu estava zerado.”
“Sei.”
“Fui pedir a um camarada meu que é soldado do movimento, lá na Providência.”
“E aí?”
Esperei. Beléu olhou para as putas primeiro.
“O camarada da firma me arrumou algum.”
Esperei. Outras duas putas chegaram pela Imperatriz Leopoldina. Juntaram-se às outras duas. Passaram a conversar ruidosamente. A mulher que estava conversando com Beléu começou a falar mais alto que as outras. Falava e olhava para ele.
“É só isso, mano. Acho que ela foi arrumar a parada em outro ponto.”
“Que parada?”
“Oi?”
“Que parada ela foi arrumar?”
“A grana, mano!”
“E aí?”
“Só isso, mano.”
As putas foram para trás de um carro. Duas delas se agacharam e as outras fizeram paredinha para que as primeiras mijassem na calçada.
“E aí? Quanto ela queria?”
“Muito.”
“Muito quanto?”
“Oi?”
“Quanto ela queria?”
“Era muito. Não consegui arrumar.”
“E aí?”
“Hum?”
“Ela queria grana e tu arrumou o quê?”
“Fumo.”
“Pra quê?”
“Pra passar.”
As putas se revezaram. As duas que faziam paredinha, a mulher que esperava por Beléu e a outra, agora, se agacharam para mijar também. As outras duas, faziam paredinha para elas, ajeitando os shortes.
“Tu acha que a Jéssica tá passando fumo?”, perguntei.
“Oi?”
“Jéssica tá passando fumo?”
“Não.”
“Jéssica não está passando fumo?”
“Não. Ela só estava precisando de grana.”
Um homem bêbado entrou no beco no momento em que Beléu ia dizer mais alguma coisa. Ele esperou o homem passar. Mas não disse o que iria dizer.
“É só isso, mano.”
O homem bêbado brincou com as putas. E elas debocharam dele. Bêbados, viciados e qualquer um que não tem controle sobre si mesmo não merece respeito nas ruas. Todas riram do bêbado. Menos a que esperava por Beléu.
“Tudo bem. Vamos embora.”, falei.
O cabo Rodrigues deu a partida. Beléu se abaixou e falou na janela:
“Aí, vou te dar uma idéia: quando quiser falar comigo, mande recado pelo Branco, na moral, valeu, sangue? Se não tu vai embaçar minha parada.”
“Pau no teu cu!! Não aceito letra de vagabundo. Vá se fuder!”, falei.
“Tudo bem, doutor. Vá com Deus!”
A RP começou a andar. Ainda vi a puta que esperava pelo Beléu olhar para nós com ar preocupado. Porque uma puta pode até sustentar um vagabundo. Mas não um vagabundo que está devendo. Porque um vagabundo que está devendo, vai precisar de mais. E ela pode não ter para dar.
Quartos de hotéis são iguais
Dias são iguais
Os aviões são iguais
Meninas iguais
Não há do que reclamar
Tudo caminha
E as horas passam devagar
Num ônibus de linha
Passos no corredor
Alguém se aproxima
E uma voz estranha diz: "Bom Dia!"
Trecho de Brasília 53, faixa do CD Paralamas Acústico
Ouça a música e veja a foto
Ah, a Foto!
Em Floripa, alguém deixou a sua bike por alguns segundos, para apreciar o entardecer. E um raio de sol veio abençoá-lo por isto.Porque precisamos sempre arrancar poesia das coisas. Seja ao ver uma velinha defecando, uma vira-la amamentando ou um entardecer em Floripa.
E chega de falar em poesia. Tome bala!
Tiroteio
"Puta é uma palavra muito pequena para conter todas as minhas razões."
Odete Escarlate ao ser chamada de puta , na minha peça Esta Noite é Verão no Inferno
Uma puta sabedas coisas
"Mulheres não são para serem entendidas, são para serem comidas."
Lacerda, o detetive, em A Arte de Odiar
"O verdadeiro escritor nada tem a dizer. Tem uma maneira de deizer nada."
Rubme Fonseca, em O Caso Morel
"A Sinceridade é o único tabu nos dias de hoje. Ser sincero é a única coisa que ainda nos choca."
Domingos de Oliveira, em entrevista recente.
Porque foi a coisa mais inteligente que ouvi nos últimos tempos.
Portanto, meus queridos, sejam sinceros.
Aguardo comentários.

1 Comments:

Anonymous Anônimo said...

É, parece que você "emplacou" mesmo... Tem um pouco de cada coisa no seu BALA PERDIDA - isso é ótimo.
Pelo que percebo, você já tem vários livros escritos, não?
Eu só tenho um. E alguns outros apenas começados.

Abraço.

P.S. Gostei mais desse novo layout.

quinta-feira, agosto 04, 2005 12:25:00 AM  

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