quinta-feira, outubro 11, 2007

A arte de levar porrada

Numa cena do filme Eu, Christiane F., drogada e prostituída, sobre o drama de uma adolescente alemã que mergulha no mundo das drogas, ela está numa estação de metrô com uma amiga. Amanhecia e elas haviam acabado de deixar uma discoteca, onde o uso de drogas pesadas era total. Ambas haviam dito as suas respectivas mães que dormiriam na casa da outra. De repente um trem pára na estação. A mãe da amiga, que trabalhava à noite, salta e depara com a filha. Diante de uma Christiane F. perplexa, a mãe esbofeteia a sua amiga e a leva embora, depois de pedir que Christiane não a procurasse mais. Em off, a própria Christiane admite que aqueles tapas salvaram a amiga do mar de lama que ela cairia logo depois.
Há realmente porradas que vem para o nosso bem. E ontem levei uma.
Pela primeira vez, desde que criei este blog, há mais de dois anos, fui obrigado a passar cerol, digo, deletar um post. E por um vacilo meu. Sem ter o assistido, eu havia colocado que estava preocupado com as fotos e algumas cenas do filme Tropa de Elite - campeão de bilheteria desde a última sexta-feira aqui no Rio - em que mostrava certos exageros na atuação do Wagner Moura, na pele do Capitão Guimarães, o personagem principal. Eu temia que isso pudesse prejudicar o filme. Retiro tudo que eu disse e me sinto feliz ao escrever isso, pois parece que o cinema brasileiro vem mesmo encontrando o seu caminho. Tropa de Elite, como críticos e muitos blogueiros vem dizendo, é o melhor filme nacional dos últimos anos.


Para falar a verdade, eu não estava levando muita fé. Eu esperava um misto de violência gratuita com socialismo barato, cenas de heroísmo patético e clichês à rodo. Mas quebrei a cara feio. Graças à Deus. O que vi na tela, na tarde desta quinta-feira, foram 118 minutos de roteiro de primeira, ótimas atuações - embora haja, em nos momentos mais tensos - algumas caras e bocas - nenhuma pieguice, diálogos bem feitos, cenas visualmente impactantes e ação na medida certa, embora haja cenas de violência um pouco desnecessária. É isso o que dá confiar apenas em trailers e fotos.

Vi em Tropa a mesma qualidade e os atributos do que o cultuado Cidade de Deus, com menos sofisticação. Só que o longa do José Padilha vai mais longe e chega a ser obrigatório. Obrigatório para todos os cidadãos de bem que reclamam da violência, sobretudo no Rio. Ou seja, a grande maioria dos cariocas. Para todos aqueles que perguntam porque as autoridades não dão um basta na violência carioca, a resposta está ali. Dura, crua, sem rodeios.
Tanto o Cidade quanto o Tropa foram baseados em best-sellers. Não li nenhum dos dois. No caso do último muita coisa retratada não era de todo novidade pra mim, devido ao meu passado de policial. Fico imaginando o impacto dessas informações ao chegarem ao leigo.
O assunto violência urbana já é em si pesado. Mas quando é tratado com tanta realidade e frieza é uma porrada feia. Tropa de Elite não é um filme bonito de se ver. Mas é necessário. Eu e as pessoas na platéia fomos esbofeteados e precisávamos disso. Porque o filme não tenta procurar culpados entre bandidos e nem entre os policiais. Ele nem propõe um solução. Mostra apenas que há um sistema e que as coisas não funcionam devido a sua existência. E que nós somos os culpados por não fazermos nada para mudá-lo. Na verdade é porrada para todo lado. Para os políticos, para a polícia, para os usuários de drogas, para ONGS, para as passeatas pela paz, para a classe média e, literalmente, até o Papa. Porrada dura e necessária. Fico imaginando quando Tropa de Elite começar a viajar pelo mundo, mostrando o tal sistema. E é fácil entender as pressões que a fita tem sofrido, principalmente dentro da polícia carioca.
O impacto do filme na platéia é tão grande, que na seção em que eu estava na tarde de hoje, quando as luzes se ascenderam, ninguém se levantou. Algumas pessoas até esboçaram palmas tímidas. Puro nervosismo. É como se todos dissessem: "Meu Deus! Lá fora tem um esse mundo sujo e corrompido e nenhuma tropa de elite para me proteger. E agora?" Nessa hora me lembrei de uma entrevista da ex-ministra de economia do governo Collor, a Zélia, que disse: "Para os políticos o povo sempre foi um detalhe."
Quanto ao filme, depois de levar - merecidadmente - tanta porrada, só tenho que pedir desculpas e que esqueçam o post anterior. Ele já foi pra vala, digo, para o espaço.



Mas meu amor, vista-se passando um email para juliocorrea19@gmail.com. Só vinte realizinhos.

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4 Comments:

Blogger Milton T said...

Julio é um filme que pretendo ver mais para frente.

Bom fim de semana

abs

sexta-feira, outubro 12, 2007 7:30:00 PM  
Blogger Luma Rosa said...

Estão chamando os realizadores do filme para depoimento. Isso é Brasil! Beijus

sábado, outubro 13, 2007 12:29:00 AM  
Blogger Marcela said...

A sinceridade da consciência individual deve prevalecer sobre o apego às idéias e palavras que esboçamos.
Palmas para Júlio Cesar!
P.S: sobre o texto no blog superbly, trata-se de um trecho do livro "O estrangeiro", de Alber Camus. O protagonista Mersault é processado pelo homicídio de um sujeito que mal conhecia. Mas o que realmente se buscava condenar era sua alma - genuinamente, a alma de um assassino.
Forte abraço

sábado, outubro 13, 2007 1:57:00 AM  
Blogger Julio Cesar Corrêa said...

Luma,
é o tal sistema sobre o qual fala o filme.
bjus

Marcela,
sei reconhecer qdo estou errado. Seria uma injustiça se aquele post continuasse no ar
abração

sábado, outubro 13, 2007 11:57:00 AM  

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