Li hoje em alguns jornais que os americanos irão abrandar as medidas de verificação de bagabens nos aeroportos, em relação aos líquidos trasportados em bagabens de mão. Na volta da viagem, por exemplo, eu esqueci de guardar o meu deosodorante na mala e quando os agentes federais abriram a minha mochila, dancei. Tentei argumentar que o odor vindo da região obscura sob os meus braços era muito mais letal do que qualquer gás terrorista, mas não teve jeito. Um homem a minha frente na fila, teve um vidro de perfume confiscado. Mesmo que estivesse ainda na caixa lacrada. Ainda tentou argumentar, mas foi inútil. Os policiais o trataram como se ele carregasse um AK 47.
2. Lá estava eu numa manhã, fotografando o lindo prédio da Grand Central Station, quando um policial e um marine atravessaram a rua e foram me interpelar. Quiseram saber porque eu estava demorando tanto por ali. Argumentei que o trânsito na rua 42 estava intenso e estava tendo dificuldade para fotografar. Eles me perguntaram de onde eu era, quanto tempo ficaria na cidade, onde estava hospedado e que tipo de viagem eu estava fazendo - como se minha bermuda e meus chinelos havaianas não dissessem tudo. Me lembrei de alguns filmes americanos da época da guerra fria, em que a rigidez da KGB era ridicularizada. Agora havia uma certa semelhança naquilo tudo. A minha ficha demorou um pouco para cair e perceber que atrás da Central Station fica o predio da ONU e eu já havia ouvido na tv que haveria uma reunião importante no orgão e carros oficiais negros circulavam pelas principais avenidas, com batedores nervosos atrás. Os policiais só se tranquilizaram quando eu falei que era brasileiro. Vi sorrisos de complacência em seus rostos, que me deixaram intrigados. Me senti meio incomodado com a atitude dos policiais por me acharem tão inofensivo e insignificante. Afinal eu poderia estar ali para protestar contra os arroxos econômicos que os ianques vêm nos impondo; eu poderia estar ali para explodir uma bomba em protesto contra os desmandos do FMI ou por terem os americanos financiado o golpe de 64. Afinal, nós sequestramos um embaixador americano nos anos 60, ora bolas! Sei lá! Não queria ser tratado com tanto desprezo. Quase que lhes pedi que me respeitassem! Mas como todo brasileiro, me conformei e segui o meu caminho.
3. Eu havia chegado em Nova Iorque no momento em que a cidade ainda se lembrava e homenageava os que se foram no famoso atentado, há cinco anos. Não se falava em outra coisa. No local onde as torres caíram, está sendo erguido um outro complexo monumental que certamente terá toda a pompa norte-americana e está previsto para ser inaugurado em 2010. Uma emocionante exposição com fotos, textos, vídeos e objetos está no local da tragédia. Turistas e novaiorquinos fazem fila para visitar tudo.
4. Após visitar o local. Decidi pegar o metrô, já que achar táxi vazio e que aceite levar você é tarefa árdua em Nova Iorque. Ainda mais na hora do rush. A estação mais próxima era a da Fulton Street. E foi lá que deparei com a criatura subterrânea.
No momento em que fui depositar os meus dois dólares na máquina que fornecem os tickets, ela deu pau. As estações de metrô têm bilheteiras, mas elas não vendem bilhetes. Também não dão informações e nem auxiliam os usuários. Para falar a verdade, não sei o que elas fazem. De qualquer forma, diante da recusa da bilheteira em me auxiliar, olhei para a direita e vi um ser de aproximadamente 1,50 m. Pele morena e escamosa, cabelos muito curtos e braços meio atrofiados. Não consegui idenficar o seu sexo. O olhar pantanoso desviou-se do meu assim que percebeu que eu lhe pediria ajuda. Sua aparência era exótica e curiosa, sugeria alguma doença mental. Usava um jaleco azul-marinho que lhe identificava como "menor aprendiz". Devia ser um adolescente pobre que ganhava alguma bolsa para auxiliar os usuários do metrô. Talvez para fazer o que a bilheteira não fazia.
"Por favor, estou com problemas. A máquina parece que está fora do ar. Você poderia me ajudar?"
Com uma expressão de puro mal humor no rosto-não-americano, talvez mexicano ou portoriquenho, a criatura virou-se para mim e mandou:
"Por quê? Por que eu vou lhe ajudar."
Enquanto a surpresa e a perplexidade me impediam de ter qualquer reação, olhei para aquele ser e imaginei a sua existência miserável. Ele devia passar algumas horas de seus dias num apartamento escuro e fedorento, em algum lugar miserável, onde os losers da maior metrópole do mundo são obrigados a viver. Ser um excluído no Brasil é motivo de pena e complacência; na América é motivo de vergonha e desprezo. Na maior parte do dia aquela criatura habitava o subterrâneo mal iluminado, cheirando a algo parecido com mofo e onde no verão a temperatura pode chegar a cinqüenta graus. Milhares de pessoas passam por ali diariamente e ninguém nota a sua presença. Porque ela não era para ser notada. Sofrer desprezo e indiferença pareciam ser as suas principais atribuições. Ela devia receber uma ajuda de custo para ser ignorada. Os ratos do subterrâneo, pelo menos, metiam medo. Aquele pobre ser não era capaz de levantar nenhum sentimento em ninguém. Por isso, quando um incauto como eu, inocentemente se aproximava a uma distância imprudente, a sua língua peçonhenta e venenosa, entrava em ação. Era o seu instinto animal, era mais forte do que ela. Coitada. Felizmente, um outro usuário se aproximou para reclamar também e a criatura simplesmente nos mandou ir para outra estação. Poderíamos ter protestado, acho que a criatura suberrânea esperava que alguém se aborrecesse com ela, mas nós simplesmente lhes demos as costas e seguimos nosso caminho.
5. O assunto que mais têm se discutido nos EUA, depois do Iraque e o combate ao terrorismo, é, sem dúvidas, o problema dos imigrantes ilegais. E aí o contato com a criatura subterrânea me fez refletir a respeito. Na virada do século XIX para o XX, italianos e irlandeses, principalmente, chegaram a Nova Iorque e dali fizeram sua nova pátria. Ajudaram a cidade e o país a crescer e ninguém questiona a importância desses imigrantes, que retribuiram com o seu trabalho e o seu amor à acolhida recebida. Nova Iorque e outras cidades americanas hoje estão cheias de paquistaneses, mexicanos, indianos, brasileiros, venuzuelanos, bolivianos, africanos e etc, uma gente que não queria estar lá. Se pudessem, não estariam. Foram para a maior potência por falta de opção. Essa gente não contribui com nada. Só pensa em fazer um pequeno pé de meia e voltar para as suas terras de origem. Não querem e, muitas vezes, até odeiam ter que contribuir para o bem dos EUA. O fato de ter que depender de quem se odeia pode gerar um ódio muito mais destrutivo do que qualquer fanatismo religioso. Em resumo, acho que os americanos estão se dando conta de que inimigos tão poderosos quanto os Bin Laden da vida, podem estar escondidos na estação do metrô mais próxima.
6. Mas apesar da parnóia, apesar das criaturas subterrâneas, Nova Iorque vai seguindo cada vez mais linda. Foi um enorme prazer reencontrar ainda mais bonita e com a auto-estima lá em cima esta cidade que é minha grande paixção, depois do Rio, é claro! Parece que o verão se prolongou mais um pouco para que eu pudesse aproveitar ainda mais os prazeres oferecidos por essa cidade tão louca, estressada e maravilhosa. E eu não perdi tempo. Caminhei muito pelo Central Parque, onde artistas country dividiam a atenção com orquestras sinfônicas e a gente bonita correndo com seus ipods nos ouvidos. Fui ao MOMA ver telas imensas de Di Cavalcanti, Picasso e Monet. Fui comer um belo marcarroni em Little Italy, que estava eufórica devido à festa de San Gennaro. Andei sem rumo pelas ruas do Soho, Tribeca e Village, onde lojinhas bem transadas de novos artistas, vendem peças originais, ao lado de grande grifes. Curti lindos por-de-sol no Pier 17, onde artistas, dançarinos de hip hop e músicos de todos os tipos celebravam os últimos momentos do verão, à margem do East River. Me emocionei com a versão teatral de A Cor Púrpura na Broadway (Não percam se vier para o Brasil). Curti gospel em uma igreja petencostal no Harlem negro. Curti concerto de rock no que restou do CBGB. E compras, é clraro, já que praticamente metade de Nova Iorque estava em liquidação.
Foi realmente uma emoção reencontrar ainda mais linda esta cidade que enfrentou uma quase falência, vários períodos de apogeus e decadências e um atentado brutal. E foi ainda melhor sentir o meu amor por ela crescer ainda mais.
E depois...Sergipe!
A beleza da praia na foz do Rio São Francisco. Clique na foto para aumentá-la, já que ainda estou discutindo a minha relação com o blogger e só tenho podido postar fotos deste tamanho.
A beira da piscina natural, ainda na foz do São Francisco.
Ainda tenho muita coisa pra contar, mas vou contando aos poucos. E quanto às fotos, tem mais algumas no segundo Flickr ao lado. De vez em quando vou colocando outras mais.