domingo, setembro 18, 2005

UM CARA CHAMADO JIMI

“Será que vivi o bastante? Será que ainda terei muito a viver?
Não importa. Só sei que não estou vivendo hoje.”

Jimi, em I Don´t Live Today


FOI HÁ 35 ANOS ATRÁS...

Cretina! Aquela quinta-feira realmente me enganou. Chegou assim como quem não quer nada...eu tinha dez anos e estava convalescendo de uma hepatite, contraída na Praia Vermelha. Após o almoço, voltei para a cama, aonde, por ordens médicas, deveria ficar por tempo indeterminado, e só me levantar em casos especiais. E aos dez anos, se tem muitos motivos especiais. Em todo caso, segui à risca as determinações do Dr. Eudardo. O médico da nossa família. Os planos de saúde ainda não existiam.
Mas o telefone tocou e era a minha irmã (tenho uma irmã, que, na época, já tinha 21 anos). Estava no trabalho e queria falar comigo. Após muita insistência, minha mãe me chamou. Fui atender, intrigado. Que motivo especial seria aquele?
“Porra, Julio. Sabe quem morreu?”, minha irmã. Quem seria?, pensei. O Martinho, o namorado dela? Vovó Marina, que já estava velhinha? Tio Urbano que já não andava muito bom? Meu pai?, “O Jimi Hendrix, cara!!!!”
Era a quinta-feira, 18 de setembro de 1970 e Jimi Marshal Hendrix, havia mesmo morrido horas antes, devido a uma overdose de tranqüilizantes, em Londres. A notícia chegou no Brasil pouco antes das duas daquela tarde. O nosso primo João Régis havia ligado para a minha irmã e lhe deu a notícia chorando.
Há dois anos eu havia tido o meu primeiro contato com Jimi, quando o João havia importado – os discos estrangeiros costumavam sair com muito atraso no Brasil, na época – o LP Axis: Bold as Love. E foi um acontecimento. Ainda me lembro de estar sozinho no quarto da minha irmã, ouvindo If 6 was 9. Tem aquele momento em que a guitarra de Jimi pára de imitar os pássaros e ele começa a falar com a voz rouca. A maioria dos discos de rock ainda eram mono e a sua voz começou a se dividir entre as caixas de som, uma em cada lado do quarto, como se Jimi dialogasse consigo mesmo. O ambiente era iluminado somente por um abajur, as paredes eram cobertas por recortes de revistas e posters, dando um efeito psicodélico, típico da época. E a voz rouca de Jimi atravessava o quarto de lado a lado. Era a primeira vez que eu ouvia alguém falar durante a música. Era a primeira vez que eu ouvia um som como aquele. Se aquilo era possível, então tudo é possível. Hoje é ridículo, mas naquele momento, senti a minha cabeça abrir para diversas coisas. E quando eu recebi a notícia de sua morte, eu me lembrei disso.
A morte em si já foi algo traumático. Mas o pior foi a época em que ela aconteceu. Qual era a atmosfera naquele 1970? Bem, dias antes de Jimi morrer, Woodstock havia estreado no Rio. Ainda me lembro da minha irmã indo assistir o filme com os primos João e Ricardo, no Cine Carioca, na Praça Saenz Peña. Todos usando suas roupas hippies. Lá na América, Woodstock havia estreado em maio com protestos nas portas de alguns cinemas, devido aos preços exorbitantes. “O Rock virou comercio!”, gritavam os fãs. Hoje, ninguém mais duvida disso. Naquele mesmo mês de maio, vinha a notícia do fim dos Beatles. Os Stones haviam deixado a Inglaterra para um exílio de quase dois anos no sul da França, fugindo do massacre da imprensa inglesa, após a tragédia do Festival de Altamont, em dezembro de 69, nos EUA, quando quatro jovens haviam morrido. Bob Dylan estava ainda se recuperando do misterioso acidente de moto que teria sofrido, Jim Morinson, do The Doors estava preso e os Crosby, Stills, Nash and Young, estavam prestes a se desintegrar. Na mesma época, Nixon chamava o Camboja para a guerra do Vietnã, embora desde que havia assumido a presidência, em janeiro de 69, viesse prometendo acabar com o conflito. As universidades americanas pegaram fogo e quatro estudantes foram mortos pela Guarda Nacional, em Kent State, Ohio. Naquele verão, os EUA chegaram próximo a uma guerra civil, com violentos conflitos de rua e ataques terroristas. A atriz Jane Fonda foi presa, sob acusação de dar ajuda financeira aos Panteras Negras. O Festival da Ilha de Wight, na costa da Inglaterra, foi marcado por tumultos, com derrubada de cercas, confrontos com a polícia, prisões e artistas sendo vaiados. Quando o verão terminou, a maioria daqueles jovens que haviam investido muito no sonho dos anos 60, estava com o astral abaixo das minhocas. Suicídos, casos de overdose, violência, desilusão e desânimo, passaram a ser rotina. Foi quando a melancolia das canções de gente como Elton John, James Taylor, Joni Mitchel, The Carpenters e, mais tarde, Carol King, Carly Simon e Cat Stevens, começou a dominar as paradas.
Aqui no Brasil...bem por aqui, todos sabem o que acontecia.
Este era o clima que estava no ar, quando Jimi partiu.
A imprensa brasileira, não deu muito destaque à morte de Jimi. Afinal, durante uma época de ditadura militar, com forte censura, não era prudente dar destaque à morte de um guitarrista drogado. Houve algumas homenagens nas rádios. Jimi não tocava em AM, mas me lembro que a Mundial, a rádio da moda, no Rio, abriu espaço no seu Show dos Bairros para Hendrix. Me lembro ainda da emoção do Big Boy – também dj da Mundial - ao falar do maravilhoso negão que era um dos símbolos de uma era em que se acreditava ser possível a construção de uma sociedade alternativa.
Pode ser que muitos adolescentes e jovens de hoje chorassem a morte de Avril Lavigne, Robin Williams, Shakyra, Eneman, Britney Spears ou Mariah Karey. Mas seria apenas por gostarem de suas músicas ou por, de alguma forma, se identificarem com eles. Mas depois, certamente, esses adolescentes iriam se comunicar com seus amiguinhos no MSN ou pelo Orkut, marcariam um encontro no Shopping ou na academia, e logo esqueceriam o luto. E eles estariam errados? Não. Mas grande parte da juventude em 1970, estava comprometida, cada um ao seu modo, com o projeto de transformar um mundo que não estava legal. Os seus pais haviam falhado, não se podia mais acreditar no governo, no que lhes ensinavam na escola e nas instituições. Mas se confiava em Hendrix. Assim como nos Beatles, em Jim Morinson, nos Stones e nos Crosby, Stills, Nash and Young, Mas todos eles nos abandonaram naquele 1970.
E Jimi Marshal Hendrix morreu naquela quinta-feira safada.
Só nos restava nos conformar com a idéia de que pessoas como Hendrix são como o cometa Harley, que cruza o céu de séculos em séculos e deve-se agradecer a Deus por se estar na terra, quando isso acontece.
Dezesseis dias depois da morte de Jimi, era Janis quem partia. Mas isso é papo pra mais tarde.



Axis: Bold as Love. O meu primeiro contato com a música de Jimi.

Eram os anos 60, época em que as capas dos discos eram levadas a sério.

Have you ever been, have you ever been in the eletric ladyland?

Assim começava a poesia sonora de Eletric Ladyland, faixa título do album duplo lançado por Jimi em setembro de 1968, e que é considerado por muitos como o seu melhor trabalho. Na capa inglesa, putas londrinas contratadas por alguns xilings, para pousarem nuas.

2 Comments:

Anonymous Anônimo said...

é sempre prazeroso passar aqui e ler suas narrativas.
abração,
chico

domingo, setembro 18, 2005 1:40:00 PM  
Anonymous Anônimo said...

dor de cabeça...lendo um livro pra terça. mandarei as fotos. nem li seu conto/crônica, não vou mentir. depois lerei.

abraço. :*

domingo, setembro 18, 2005 9:29:00 PM  

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