sexta-feira, janeiro 06, 2006

Com Trilha Sonora

“Enquanto comíamos, ela me contou como decidiu separar-se: “Numa noite de tempestade, acordei com os trovões. Gilberto dormia. Fui para a sala e sentei-me ao piano. Comecei a dedilhar as teclas e acabei conseguindo tocar You’ve Got a Friend, Carole King. Lá fora, raios e relâmpagos, o ar elétrico sobre a cidade. E eu ali, no piano. Há anos eu vinha tentando tocar essa música e senti um prazer enorme, um prazer que se traduziu em emoção. Voltei para a cama decidida a só viver com um homem que me trouxesse prazeres como aquele, entende?”

O Lacerda, detetive do meu romance A Arte de Odiar, é foda! Ele não satisfeito em contar os seus causos, agora quer também dar sugestão de música. É mole?
Na verdade, o trecho acima é do A Arte...e foi baseado numa canção do álbum Tapestry, da cantora/compositora Carole King, que há 35 anos, seres abissais como o Lacerda curtiam.



Sempre achei que o artista precisa estar antenado com o seu tempo. Se ele, artista, conseguir captar o que está rolando no inconsciente coletivo ou no mundo que o cerca, e passar isso com talento, não há como sua obra não ser um sucesso. O problema acontece quando o trabalho está didaticamente ligado ao seu tempo. Ou seja, fica datado.
E foi isso o que aconteceu com Tapestry, o antológico álbum da cantora/compositora novaiorquina Carole King.
Tapestry é um trabalho datado. Mas há 35 anos vem emocionando gerações. Para melhor compreendê-lo é preciso entender os EUA em 1971. Bem, vamos lá. A guerra do Vietnã completava o seu sexto ano e havia um certo cansaço por parte do movimento pacifista, o pessoal que há cerca de 7 anos participava de protestos, manifestações, passeatas, panfletagens e conflitos com a polícia. Até mesmo os mais otimistas já começavam a desistir. O clima geral era de desilusão, cansaço, desânimo. Carole – uma compositora veterana na música pop – conseguiu expressar todo esse sentimento. Por isso, Tapestry é triste, feito para uma geração cansada de tumultos, protestos e revolta. Para uma geração que só queria estar no conforto e na paz do lar. Por isso a capa do Lp é emblemática, ao mostrar Carole na janela de casa cercada por seu gato e seu tricô. A melancólica Home Again é a que melhor dá uma idéia do clima da época. Foi feita sob medida para a geração que nos anos 60 havia caído na estrada ao sabor do destino e agora retornava a tudo que havia deixado pra trás. Mas também tem You´ve Got A Friend, a canção que ela havia composto para o amigo James Taylor, quando este estava na pior, sofrendo os percalços do vício da heroína. Só que agora, grande parte da juventude americana também estava triste, sentindo-se desamparada com a morte do sonho dos anos 60 e esta canção calou fundo, virou quase que um hino. Era cantada nos campus, nas festas, nos acampamentos, nos bares e se já existisse karaokê, não teria pra ninguém. Até hoje tem muito coroa que ainda se emociona quando a ouve. “Essa música parece que foi feita pra mim”, todos pensavam. Na verdade, todos gostariam que fosse para eles. Se alguém quiser fazer um estudo sociológico sobre aqueles tempos, You´ve Got a Friend terá que ser citada. No mesmo ano, James Taylor a lançaria em um compacto que venderia mais de 1 milhão de cópias em poucas semanas. Mas quer saber? Gosto mais com a Carole. A sua voz sofrida e carregada de angústia, consegue passar melhor a imagem de alguém mandando uma mensagem para um amigo em dificuldades.
Tapestry entrou na parada americana ainda em janeiro de 1971 e lá ficou durante 7 anos, conseguindo uma vendagem recorde que só seria quebrado em 1976. E quer saber? Merecidamente.

E o A Arte de Odiar parece que será o primeiro livro com trilha sonora, no Brasil.

11 Comments:

Blogger Jôka P. said...

"Jôka, você já é de casa !"

Adorei isso !
Então vou pegar uma cerva na geladeira, tá ?
:D

domingo, janeiro 08, 2006 2:00:00 AM  
Blogger Jôka P. said...

O relógio do blog tá com uma hora de atraso...

domingo, janeiro 08, 2006 2:01:00 AM  
Blogger Julio Cesar Corrêa said...

Jôka, você tb já é de casa. E quanto ao relógio, dá uma preguiiiiiiiiiiça acertá-lo. Daqui a pouco termina o horário de verão e ele fica certo de novo, tá? (rs)
gd ab

domingo, janeiro 08, 2006 8:22:00 AM  
Anonymous Anônimo said...

Julio, gostei muito deste post. A introdução é fantástica. Esse lance dessa mulher ao piano e sua decisão é o que há. Entendo-a perfeitamente e a apóio.
A continuação também foi muito bacana. Gostei muito. Aprendi. Obrigada.
Beijos.

domingo, janeiro 08, 2006 10:32:00 AM  
Blogger Alba Regina said...

JC, ' My life has been a tapestry of rich and royal...' Vou te contar, este é um dos discos que fazem parte da MINHA VIDA. Um Clássico no sentido da palavra...bom do início ao fim. E, diante dele só posso dizer que atualmente, raramente ( quantos mentes...)produzem discos como este...vou lá colocar o meu cd pra girar e lembrar que minha vida é muito boa!!! Bom Domingo!!! Beijão!!!

domingo, janeiro 08, 2006 11:25:00 AM  
Blogger Julio Cesar Corrêa said...

Valeu Palpiteira,
as palavras da Selma são de uma enorme sabedoria. Oito em cada dez mulheres deveriam decorá-las ou tê-las anotadas em sua agenda. Que bom que vc gostou. Volte sempre.
bjs

A. de B.,
Gosto tanto deste disco tb que, como sou uma criatura pré-histórica, ainda o tenho em LP com letras e fotos. Ele me marcou desde que foi lançado no Brasil, em 71.
bjs

domingo, janeiro 08, 2006 1:54:00 PM  
Blogger Alba Regina said...

oi jc...voltei pra te perguntar quem é a mulher na foto do post de primeiro de janeiro? ela é muito, mas muito parecida com uma grande amiga que não vejo a muito tempo...obrigada! um beijo!

domingo, janeiro 08, 2006 2:35:00 PM  
Anonymous Anônimo said...

OLá vi seu comentário lá no meu blog e vim retribuir a visita. Seja bem-vindo ao círculo de amigos da blogsfera.
Não conheço o disco mas já ouvi a cantora.Um abraço!

domingo, janeiro 08, 2006 5:26:00 PM  
Blogger Luma Rosa said...

Acho que ninguém toma decisões assim importantes no estalo. Assim como tentava tocar a música a tanto tempo, também amadurecia a idéia da separação.
Tenho esse cd da Carole e também: Colour of your dreams. Nunca procurei saber nada da cantora, só gostava da voz que por acaso ouvi em um loja de discos e isso não faz muito tempo. Agora com os ensinamentos do Lacerda, darei novo valor as suas músicas.
Boa semana! Beijus

domingo, janeiro 08, 2006 6:13:00 PM  
Blogger Julio Cesar Corrêa said...

A, esta foto eu peguei de uma revista espanhola.Não sei mais nada sobre ela. Curiosamente, aquela menina se parece tb com uma amiga minha tb.
bjs

Marília,
obrigado pela visita

Luma,
as palavras da Selma parecem meio loucas, assim, soltas, mas lendo o livro, vc entende o que essa mulher teve que passar para chegar até a esse amadurecimento emocional.
Depois, apareço lá no Luz pra um café
bjs

domingo, janeiro 08, 2006 10:58:00 PM  
Blogger Jôka P. said...

Tem razão... já vai acabar o horário de verão, aí o relógio do blog se acerta, né !
:D

segunda-feira, janeiro 09, 2006 3:36:00 PM  

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