Não vá para o túmulo sem eles
"Eu fui um cara legal. Eu juro! Nunca vendi extasy, nunca espanquei prostituta, sempre odiei Bush..."
"Mas me responda uma coisa, meu filho. Você ouviu Eletric Lady Land do Jimi?"
"Infelizmente...n-não."
"Tic-tic-tic-tic-tic-tic", Deus, balançando a cabeça, "Então, siga direto, dobre a direita e desça até o inferno. Próximo!"
Este diálogo abusurdo é o que sugere o título do livro mais comentado do momento, o almanaque 1001 Discos para se ouvir antes de morrer, que a Sextante lançou há algumas semanas. Como o tal livro (um tijolo com milhares de páginas) foi escrito por quem entende do assunto, digo, Robert Dimery e Michael Lydon, a tal "listinha" merece respeito. Dimery tem no currículo colunas nas revistas americanas Time out e Vougue, enquanto Lydon foi simplesmente um dos fundadores da Rolling Stone.
Mas os dois não trabalharam sozinhos. Foram reunidos mais de 90 críticos musicais em todo mundo para a empreitada.
O trabalho engloba o trecho dos anos 50 até os dias atuais e se você quer saber se aquelas figurinhas fáceis estão presentes, estão: Sgt. Peppers, What´s going on?, do Marvin Gaye, Dark side of the moon, do Floyd, The Rise and fall of Ziggy Stardust, do Bowie, etc. Mas há novidades como o London Calling, do The Clash, e os discos do The Stooges, a banda que praticamente criou o punk rock e da qual saiu o tresloucado Iggy Pop.
Quer saber se há brasileiros? Sim. Vários. O Caetano com o seu lendário Lp de 68 que tem Tropicália, os Mutantes, a Elis, Tom Jobin, Jorge Ben, entre outros. Mais o mais elogiado na lista foi um trabalho já comentado aqui, o Clube da Esquina, do Milton e do Lô Borges, que completou 35 anos de existência este ano.
Mas também há uns discos sem os quais qualquer um de bom gosto passaria a existência sem precisar ouvir, como os da Britney Spears, por exemplo, listados entre os 1001.
Na verdade, acho que cada um deve saber o que precisa ouvir. Mas já que todo mundo está fazendo sua listinha...não, não vou fazer lista nenhuma e sim indicar dois discos - que por sinal estão no almanaque - e que acho que você não deveria partir sem conhecer.
Eletric Lady Land foi lançado em setembro de 1968 e continua um clássico. Muita gente pensa que Hendrix era um artista do palco, mas ele era fundamentalmente de estúdio. Adorava passar horas e horas testando, experimentando, pesquisando. Foram vários meses de gravação num estúdio em Manhattans e o resultado foi um álbum duplo irrepreensível, com o melhor da que a música da época poderia oferecer. Tem de tudo: rock, soul, pop, blues, psicodelia e até um namoro com o progressivo, que ainda estava sendo gerado na europa. Ouvir esse disco hoje ainda é uma experiência única, uma gratificante experiência espiritual.
A faixa título, logo no início - essa que você deve estar ouvindo - já é um convite. Um idiota como eu, para fazer uma música sobre a Terra das Mulheres Elétricas, certamente apelaria para um clima tipo Boate Barbarella, em Copacabana. Mas Hendrix produziu esta verdadeira poesia sonora, com um arranjo quase angelical. Só um mestre conseguiria falar, com a delicadeza de uma dama, sobre mulheres elétricas.
E quando Jimi pergunta: Have you ever been in Eletric Lady Land?
Espero que você possa responder que sim. Senão...
"tic-tic-tic-tic-tic-tic"
Curiosidade: Para fazer a primeira capa do disco, um grupo de dançarinas de boates de strip-tease londrinas foram recrutadas. Elas ganhariam alguns xiilings para posar de roupa de baixo. Logo no início da sessão de fotos, decidiu-se que elas posariam como ganhavam a vida. As meninas fizeram traseiro-doce e se recusaram. O teatro durou até aumentarem a proposta financeira. E o resultado foi uma das capas mais lindas e imitadas da história da música. Infelizmente, Hendrix não gostou, pois temia que o puritanismo americano fosse lhe causar problemas e a capa lançada lá é a mesma que cobre o cd atualmente, bem mais careta, apenas com o guitarrista. Aqui no Brasil, na época, apesar do governo militar, o disco foi lançado com a capa britânica. E hoje está valendo ouro nas mãos dos colecionadores.
O álbum duplo de Milton e Lô Borges é um dos raros casos em que a contra-capa ficou mais famosa do que a capa em si.
O Clube da Esquina, lançado em 1972 nasceu de uma história de lealdade e amizade. Já contei tudo aqui, mas vale fazer um resumo.
No início daqueles tenebrosos anos 70, Milton era o único integrante do Clube da Esquina - grupo de amigos músicos que se reunia para beber, tocar e compor numa esquina da rua Paraisópolis, bairro de Santa Tereza, em Belô (Lô Borges, Fernando Brant, Wagner Tiso, Beto Guedes, entre outros) - que havia conseguido projeção nacional. E resolveu fazer um trabalho do qual toda a galera participasse. Foi alugada uma casa em Maricá, região litorânea do Rio, onde o Clube se hospedou por um bom tempo, preparando o Clube.
Os críticos conseguem identificar "inegáveis influências beatlemaníacas" no som do disco - Lô Borges era um beatlemaníaco. Sim, ela até existe, mas o Clube conquista você principalmente por soar como Minas com tempeiro urbano. Até hoje, quando ouço esse disco não posso deixar de imaginar as estradas, os campos, as colinas, as montanhas, as ladeiras, as igrejas...o disco cheira a Minas. Mas os arranjos são modernos e sofisticados. Em resumo, eles conseguiram fazer um trabalho de altíssimo nível técnico, dentro das possibilidades da época, sem perder o lirismo e aquela poesia roceira que só se encontra em Minas. Nenhum outro trabalho conseguiu tal eqülibrio.
Esse disco para mim tem um significado especial. Um primo meu foi preso logo após o lançamento. Como vários amigos dele já haviam sido presos e ele estava esperando a qualquer momento a visita dos homens da repressão, entregou o álbum para minha irmã, pois, caso fosse preso, não tinha muitas esperanças de sair vivo do Doi-Codi. Ele foi preso logo depois e esse disco ficou conosco. Meu primo consegiu sair vivo, mas ficou sem jeito de pedir o disco de volta. E hoje, apesar de já possui-lo em Cd, guardo com muito carinho o exemplar com uma dedicatória-despedida, que ainda me emociona. Mas se não tivesse saído vivo da prisão, meu a existência deste meu primo não teria sido em vão.
Curiosidade: Muitas lendas tem sido criadas em torno da capa deste álbum. Já se falou inclusive que os dois meninos seriam Milton e o Lô quando criança - o que seria um absurdo, já que entre os dois existe uma diferença de idade respeitável. Na verdade, são dois moleques fotografados á beira de uma estrada, próxima a Nova Friburgo. A foto foi feita para a capa principal, mas a gravadora não gostou, pois não trazia o nome do disco e nem dos artistas. Foi criada a capa convencional e esta virou a contra-capa. Mas os lojistas passaram expor o disco com a foto dos moleques e assim o disco ficou conhecido. Ninguém mais se lembra como é a capa principal.
Fico imaginando como estarão esses moleques hoje. Será que têm a idéia da sorte que tiveram em estar naquela beira de estrada na hora certa? Será que eles sabem que rodam o mundo, graças a um disco que ninguém deveria morrer sem ouvir?
Marcadores: música
3 Comments:
Curiosidade mata,não é JULIO. Arriscaria dizer que não sabem não.
Grande abraço!!
As capas parecem atuais, sem prazo de validade vencido. Ainda a pouco estava ouvindo Hey joe, aqui - http://www.jango.com/stations/27962;tunein?u=0&index=3&proxy_id=534916
pegue o convite! Beijus
O legal desse livro é que a lista das músicas facilita pra quem quiser baixar, porque 1001 álbuns não é coisa pouca não.
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