sábado, outubro 08, 2005

A VINGANÇA DO SUBÚRBIO


No filme Os Embalos de Sábado à Noite tem uma cena em que o bronco Tony Manero (John Travolta) demonstra para a sua paquera Stephanie (Karen Lynn Gorney) o seu orgulho de pertencer ao Brooklyn. E ela diz: “Ah, mas não é Manhattan! Não é Manhattan!”
O filme é de 1977.
A partir da segunda metade da década de 90, Nova Iorque sofreu uma volorização sem precedentes em sua história. Áreas, antes, desprezadas pelas imobiliárias, como o West Village, o Soho, Tribeca e até mesmo o Harlem, passaram a se disputadas pela classe média a preços inacreditáveis. O 11/9 baixou um pouco a bola do mercado, mas os preços voltaram a subir e há lugares, onde um quarto e sala não sai por menos de US$ 1 milhão. Isso forçou pequenos comerciantes, boêmios, artistas desconhecidos, estudantes e toda uma fauna que residia nessas áreas a atravessar a ponte do Brooklyn, atrás de alugueis e valores de imóveis mais acessíveis. Este fenômeno acabou levando mais arte, vida noturna, boemia e alegria para áreas, antes monótonas. A esnobe Stephanie certamente teria que mudar os seus conceitos hoje.
Nasci no subúrbio. Num lugar próximo ao Méier, chamado Lins de Vasconcelos. Mas desde muito cedo compreendi que, literalmente, a minha praia era a zona sul. Alguma coisa acontecia em meu coração, quando cruzava a Glória em direção à orla.
Finalmente, em dezembro de 1974, nos mudamos para o Flamengo. Era véspera de ano novo e eu estava feliz como nunca havia estado antes. Afinal, havia deixado o subúrbio.
Era verão e comecei a pegar onda. Fiz as minhas primeiras amizades. E meus primeiros amigos moravam no trecho entre o Leme e o Leblon. E quando falei onde morava, tive que ouvir: “Ah, você mora no subúrbio da zona sul.” Não é Manhattan! Não é Manhattan!
Puta merda, pensei.
E foi assim durante anos. Todos se referiam ao local onde eu morava como “depois do túnel.”
Mas isso foi há muito tempo. Dos anos setenta para cá, muita água rolou.
É realmente interessante o que acontece com as cidades, as pessoas parecem se moverem por ela como se fossem ondas.
Se não vejamos, o Rio no início do século passado. Houve um forte movimento migratório do Centro para os bairros mais próximos. A classe média começou a se espalhar pelo Catete, Flamengo, Botafogo, Urca, Laranjeiras e Cosme Velho. Também locais como Catumbi, Rio Comprido, Tijuca e São Cristóvão, passaram a serem procurados para abrigar os que ascendiam socialmente. Os demais ficavam pela periferia ou, pior, permaneciam no Centro, com seus becos fétidos, seus cortiços, suas ruas mal iluminadas e seus batalhões de ratos e baratas.
Quando o prefeito Pereira Passos fez o seu Bota Abaixo, a maior reforma pela qual o Centro passou até hoje, esperava-se que a classe média, ou uma parte dela retornasse. Mas não voltou, pelo contrário. Foi se afastando cada vez mais para os lados de Ipanema, Lagoa e Gávea.
Até a década de 70, quanto mais a classe média se afastava do Centro, os bairros próximos iam se desvalorizando e perdendo status. As obras do metrô vieram complicar ainda mais a situação da área do Catete, Gloria e adjacências.
Na segunda metade da década de 70, começou a corrida em direção à Barra da Tijuca e, nos anos 90, ao Recreio dos Bandeirantes. Então, a ordem era ficar o mais longe o possível da área central do Rio.
Mas foi justamente aí, que, silenciosamente e sem nenhum apoio público, os cariocas foram voltando a discutir a relação com o coração da cidade. Começou no sapatinho, ainda no início dos anos 80, quando o Circo Voador trocou o Arpoador pela Lapa, obrigando roqueiros da zona sul atravessarem o túnel. O Asa Branca veio trazer barras de cereais para a noite da Lapa que andava bastante anêmica. Hoje, vamos combinar, que a noite do bairro mais boêmio da cidade, é a mais concorrida. Nos anos 80, quem queria curitr uma diferente, tinha que ir ao Baixo Leblon ou ao Baixo Gávea. Hoje, meninos e meninas modernos, patricinhas e mauricinhos pegam o carro dos pais e rumam para as raves do Cais do Porto ou na Marina da Gloria. Ou desfilam pelo burburinho da Lapa ou pelo agito da rua da Carioca, que antes sonolenta, agora abriga as festas pagas no Íris ou no London Burning ou, se for o caso, no GLS Cine Ideal.
Eventos como o Arte de Portas Abertas, colocaram de vez Sanata Teresa no circuito cultural. Subir as ladeiras do bairro para almoçar, tomar umas ou participar de algum evento, já não é mais coisa de riponga ou de turista. É chique, é cool, é original, como as coisas suburbanas.
Logo depois do Circo Voador aterrissar na Lapa, em 1985, o Estação Botafogo abria as suas portas. Isso coincidiu com um boom de bares que ocorreu no bairro. Quem não se lembra dos saudosos TVBC e Razão Social? Hoje, quem tem saudade daqueles tempos, troca Ipanema ou o Leblon para dançar na festa Ploc ´80, no Espaço Marum no Catete. Enquanto isso, seus pais vão sambar no Carioca da Gema, no Sacrilégio ou no Rio Scenarium, todos na Lapa.
.Aliás, a área do Flamengo, Catete e Laranjeiras está vendo surgir vários bares novos. Tudo por causa do surpreendente sucesso do Belmonte e do Manoel Joaquim do Largo do Machado. Alguns restaurantes também fazem muita gente boa atravessar o túnel, como o Alcaparra, o Mamma Rosa e o Museumm. Há 20 anos, nenhum famoso iria deixar Ipanema ou Leblon para ir almoçar ou jantar no Flamengo. Mas basta ir ao Porção Rio´s para esbarrar com um rosto televisivo.
Quando, em 1989, o Centro Cultural Banco do Brasil foi inaugurado, pouca gente se deu conta da importância que o local teria para revitalizar o moribundo centro da cidade. Mas o CCBB veio mostrar que o Centro dá certo. A Casa França-Brasil veio em seguida. E puxou o bloco formado pelo Teatro da Justiça Federal e o Centro Cultural dos Correios. O Paço Imperial, o Centro Cultural Carioca, o Constituição e o Helio Oiticica vieram na carona. Hoje, o MAM que passou por uma revitalização, abriga eventos badalados como o Rio Fashion Week, atraindo uma legião de famosos.
Nos arredores, novos points culturais têm atraído para os “subúrbios” muita gente fina, como o SESC-Flamengo, o Centro Cultural Telemar, a Casa de Rui Barbosa, o Castelinho do Flamengo e o charmoso Museu da República. Se há 20 ou 30 anos atrás, você convidasse uma socialite para tomar chá numa casa no Flamengo, provavelmente iria ter que engolir um sorriso blasé e a pergunta: “Eu? Tomar chá além do túnel?” Pois, hoje os motoristas das madames mais chiques da cidade engarrafam o trânsito em frente a Casa Julieta Serpa. E há dias atrás, uma multidão de famosos e bacanas se acotovelou na inauguração do Casa Cor, no Catete.
Não sei se por coincidência, no domingo 25 de setembro, os cadernos de imóveis tanto do O Globo quanto do Jornal do Brasil, continham matérias sobre a grande procura por imóveis na área do Catete e da Gloria. As pessoas entrevistadas diziam estarem interessadas não só nos preços mais acessíveis, mas também pela proximidade do Centro e do agito da Lapa. Além de apostarem na revitalização desta área. Pode ser que seja uma tendência passageira e as ondas de migração urbana se mude para outros locais. Mas o certo é que hoje eu não preciso mais me sentir humilhado ao ouvir alguém dizer que moro “além do túnel”. Estou pronto pra estufar o peito e rebater: “Sou suburbano com muito orgulho.”
Pena que há muito tempo não me chamam de suburbano.

12 Comments:

Anonymous Anônimo said...

Mas o cara tem talento até para história!! Mermão, onde estão os jornais que não te contratam???

domingo, outubro 09, 2005 3:58:00 PM  
Blogger franka said...

aqui em sp é antes ou depois do rio pinheiros ou tietê.

domingo, outubro 09, 2005 10:26:00 PM  
Anonymous Anônimo said...

Olha quando eu morava na Tijuca entre 1960/1970, eu era vista como Tijucana,cafona;logo depois, meus pais se mudaram para o Leblon, onde morei até 1978 e isso atrapalhava para uma adolescente conviver com novas relações sociais no colégio, eu era renegada, porque não tinha uma estória de praia, grupos e etc. Acho tudo isso muito ruim, eu na época sofri muito.

Abraços

Moira

segunda-feira, outubro 10, 2005 5:00:00 PM  
Anonymous Anônimo said...

Julio, nossa seu blog é muito bom! :) mas claro, não deu tempo de ver nada ainda. Ando um pouco longe daqui, mas vou ler com calma viu? Agora sobre o Burt Bacharah eu conheço pouco na verdade, preciso conhecer mais coisas dele, pois o pouco que já ouvi, adorei!
Seja sempre bem-vindo pra Bagunçar.
Beijos!

segunda-feira, outubro 10, 2005 7:34:00 PM  
Anonymous Anônimo said...

Eu sempre tive muita simpatia pelo "subúrbio da zona sul", tanto que quando pude deixar a casa da minha mãe fui morar na Glória — onde vivi por 5 anos. Pena eu não ter podido continuar por lá, mas ainda pretendo voltar um dia.
Poder ir pé ao Centro ou ao Flamengo, para quem gosta de caminhar como eu, é o nirvana!...

Abraço.

segunda-feira, outubro 10, 2005 8:34:00 PM  
Blogger Jôka P. said...

Julio,
eu tinha um amigo que sempre dizia morar na Tijuca.
Jurava que era de lá.
Um dia descobri a verdade :
O cara morava em Olaria, e morria de vergonha disso.
Conclusão :
Assim como o negro é sempre o mais preconceituoso ( têm até aquelas t-shirts racistas escritas "100% NEGRO" , imagina eu com uma "100% BRANCO"... ??? ) e sempre que pode casa com a loura, o suburbano é eternamente o mais envergonhado de sua origem.
Assim que pode, vem morar na Zona Sul.
Eu até entendo.
Fui ao Méier duas vezes, e espero nunca mais voltar lá.
Os proprios amigos da Zona Norte, chamavam o bairro de Boca do inferno.
E eles têm razão.
Você tira um garoto do subúrbio, mas nunca tira o subúrbio de dentro dele.
:)
Abçs,
JÔKA P

segunda-feira, outubro 10, 2005 9:56:00 PM  
Anonymous Anônimo said...

Bom é morar onde se tem raízes, amigos, onde se conhece o jornaleiro da esquina, que até vende fiado se a gente saiu sem dinheiro. Onde estão as nossas memórias. Minhas raízes estão na Zona Sul, ruas que despertam lembranças: a rua em que passei a maior parte da infância, ou em frente ao colégio em que estudei, ou de uma casa que me lembra um/a amgio/a que há muito não vejo.
Preconceitos? Burrice. Basta lembrar que Copacabana já foi a Princesinha do mar e hoje é considerada bairro de velhos (acho que é por isso que estou morando aqui agora).
Barra? Deus me livre! Eles pensam que aquilo é Miami. Xiii, agora sou eu que estou sendo preconceituosa.

terça-feira, outubro 11, 2005 1:14:00 AM  
Anonymous Anônimo said...

júlio, não sou funkeira, nem tenho pretenções... rs
sou apenas uma curiosa sobre este universo carioca...
beijins

terça-feira, outubro 11, 2005 1:56:00 AM  
Anonymous Anônimo said...

legal velhinho!!! Tbem sou morador do flamengo e adoro.

grande abraço!

terça-feira, outubro 11, 2005 11:22:00 AM  
Anonymous Anônimo said...

É muito bacana essa reflexão sobre as mudanças que ocorreram na cidade do Rio de Janeiro.
Gostei bastante, concordo com o Vidal

terça-feira, outubro 11, 2005 5:56:00 PM  
Blogger Jôka P. said...

Passei pra agradecer o seu e-mail, Julio !
Bacanérrimo.
:)
Abç, JÔKA P.

terça-feira, outubro 11, 2005 10:45:00 PM  
Anonymous Anônimo said...

Excelente crônica!!!

quinta-feira, abril 03, 2008 9:18:00 PM  

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