Onde você estava quando o sonho foi alvejado à queima-roupa?
Lennon dando o autógrafo que selaria seu destino, ao lado do imbecil que o mataria menos de um minuto depois.
Eu estava estudando para a prova final da Cultura Inglesa, no dia seguinte.
Passava de uma e meia da manhã e eu ouvia a Rádio Cidade - a mais popular do FM carioca, na época. Nunca gostei de estudar ouvindo música. A música exerce tanto efeito em mim que me desconcentra totalmente.
Então por que eu estava ouvindo rádio enquanto estudava?Talvez fosse porque eu precisasse ouvir o Ivan Romero - o locutor mais famoso da Cidade, na época - interromper a programação para falar de uma notícia vinda da sucurssal do Jornal do Brasil, em Nova Iorque:
"Gente, ainda falta confirmar. A coisa está meio confusa, mas parece que John Lennon acaba de ser assassinado com cinco tiros."
Logicamente, meus estudos foram para a cucuia.
Alguns minutos depois, o Ivan interrompeu a programação novamente para confirmar o que ninguém queria crer: "Parece que é verdade, gente. Jonh Lennon está morto."
Tive a idéia de gravar as notícias que chegavam e guardo essa fita até hoje.
Corri para o telefone para ver se alguém estava acordado. Talvez alguém me dissesse que tudo não passava de brincadeirinha.
Eu estudava na PUC, na época, e minha turma havia combinado uma chopada na Pizzaria Guanabara naquela noite para comemorar o final do ano letivo. Eu havia passado por lá e voltei cedo para estudar.
Para piorar as coisas, minha vó - mãe do meu pai - havia falecido naquele mesmo fatídico 8 de dezembro e o clima era fúnebre lá em casa.
Voltei para o Baixo Leblon - que era o lugar mais badalado do Rio, naqueles tempos, era o que a Lapa é hoje.
Minha turma estava lá e o clima era de perplexidade. Algumas meninas da minha turma choravam. Um grupo numa mesa próxima entoava os refrãos de Merry Xmas, The War is Over. Os garçons nos abasteciam de chopes e informações que obtinham no rádio. De vez em quando, parava um carro, junto à muvuca na calçada e o motorista perguntava: "É verdade? Lennon está morto?"
Me lembro de um cara gordo e barbudo, em uma moto, que parou no sinal da Ataulfo de Paiva e gritou, meio bêbado: "Mataram o homem! Puta que o pariu!" E arrancou em alta velocidade, sumindo na noite quente.
Perto dali, - e eu ficaria sabendo no dia seguinte pelos jornais - o Caetano Veloso havia parado para comprar o JB na famosa bancoa que fuincionava em frente à farmácia Piauí. Um taxista o viu e gritou: "Caetano, mataram o homem, Caetano!"
Perplexidade, tristeza, raiva, pesar. Eu, milhões de jovens em todo o mundo, os garçons da Pizzaria Guanabara, o motoqueiro bêbado, o taxista, Caetano veloso. Todos unidos na mesma dor.
Na manhã seguinte, só nos restou confirmar tudo nos jornais. Fico imaginando uma tragédia dessas acontecendo hoje em dia, com a internet. Seria mais fácil obter informações, é óbvio. Mas, em compensação, não haveria aquela cumplicidade, aquela união em torno da estúpida morte de um ídolo - caso você ainda não saiba, Lennon foi morto ao dar um suposto autógrafo mal dado, para um fã que o esperava na frente do seu prédio, na parte oeste do Central Park.
Só nos restava acompanhar a longa vigília dos fãs em frente ao Dakota Building, onde Lennon & Yoko viviam. Enquanto outros fãs se suicidavam ao redor do mundo, que havia ficado mais triste após aquela noite terrível.
Yoko decidiu não fazer velório e nem enterro. E pediu que fãs ao redor do planeta organizassem vigílias para pedir luz ao espírito do ex-Beatle. A maior delas ocorreu no Central Park. No Rio, houve uma pequena multidão se reunindo no Jardim de Alah, em Ipanema.
Mas quanto mais se rezasse, quanto mais se chorasse, quanto mais se sofresse, nada iria mudar a estupidez que foi a morte de John Lennon.
Me dei mal na prova da Cultura Inglesa no dia seguinte. Mas nada importava. Lennon havia sido assassinado.
Aprendi inglês mais tarde. Mas Lennon jamais iria voltar. Daqui a algumas horas, irão se completar três décadas daquela morte estúpida. Perdi o contato com a minha turma da PUC e nem sei por onde andam os outros personagens daquela noite tristíssima - com a exceção do Caetano, é claro. Mas tenho a certeza de 30 anos depois, nenhum deles se refez daquela madrugada.
Você não sabe ou não se lembra do nome do imbecil que puxou o gatilho contra Lennon? Relaxe! Ele não merece mesmo ser lembrado. No mínimo por ter me feito me dar mal na prova de inglês. No máximo, por ter liquidado o sonho de milhões de jovens em todo o mundo. E isso custa caro.
* O que você está ouvindo é gravação de alguém que, perplexo, lá em Nova Iorque, começou a percorrer as rádios em busca de notícias, naquela madrugada gelada e triste. Algum dia, eu mostro aqui as gravações que fiz. Isso foi tirado daqui.
* Para ver também como a notícia da morte de Lennon conseguiu interromper uma partida de baseball, em Nova Iorque, naquela noite, mergulhe aqui.
É amanhã, hein!
Marcadores: música
4 Comments:
Muito bom, embora eu tivesse pouco mais de três anos, tenho certeza que devo ter me emocionado através das emoções dos meus pais, que gostavam muito dele.Agora ao ler seu post, realmente fico pensando. Como a vida de tantas pessoas muda, simplesmente por conta de uma grande besteira. Uma pena, mas a vida é exatamente isso, um amontoado de casualidades, não é?
Eu tinha 5 anos quando minha mãe chegou chocada em casa, logo depois, ela alugou uma fita de vídeo cassete com toda a história do amor de John e Yoko. Seu post me fez sentir saudade da minha mãe... engraçado isso.
Amanhã é o grande evento, mais uma vez parabéns, Julio.
Noite de luz.
Rebeca
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Eu tinha chegado da escola, acho. Estava na sexta serie, em uma escola perto da minha casa, no Rio ainda.
Lembro da minha tia dizendo para minha mae, na casa da minha avo( todo mundo morava no mesmo bairro)
- Voce viu eu mataram o John Leoon?
- Vi..que absuro..um pacifista....
Continuaram conversarndo ate que eu interrompi.
- Quem e John Lennon?
Ouvi a explicacao e soube,pela primeira vez, que ele existia.Anotei no meu diario, e coloquei o nome do assassino, David Chapman, no texto.
Eu soube da morte do John quando acordei no dia seguinte e peguei o jornal na porta de casa. Quase tive uma parada cardíaca!
Sim, eu lembro do nome do ser endemoniado que atirou no John: Mark Chapman. Não vou esquecê-lo. Como não se deve esquecer o nome "Judas".
No texto você diz que a foto foi tirada um minuto antes dos tiros. Na verdade, foi horas antes. O John estava saindo para uma entrevista e depois jantar, quando esse verme pediu o autógrafo no Double Fantasy. E ficou esperando ele voltar, ouvindo os demônios que o incitavam a fazer aquela estupidez.
Estive diante do Dakota, em 1997, e fui no jardim Strawberry Fields. Lá encontrei a Yoko e tirei uma foto com ela.
Carpe Diem. Aproveite o dia e a vida.
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