Línguas
Outro dia, fui almoçar com uma amiga, que trabalha na seleção de recursos humanos de uma empresa,digamos, top de linha. O assunto não foi necessariamente sobre, mas falamos muito sobre nossos trabalhos.
Ela me disse estar selecionando apenas candidatos jovens e que sejam fluentes em, no mínimo, três idiomas, sendo o inglês, obrigatoriamente, um deles.
Voltei pra casa tentando não deixar a auto-estima cair, já que só falo dois idiomas e estou prestes a completar quarenta e nove verões.
Na verdade, as grandes empresas atualmente não estão mais selecionando e, sim, excluindo. A competição é cruel, os empregos se transformam em objetos cada vez mais raros e o número de candidatos aumentam a cada dia. Por isso, as exigências tendem mesmo a crescer.
Saber falar um idioma - além de falar bem a sua própria língua - é um dever de todos os que querem sobreviver no mercado. De preferência o inglês.
Saber falar um idioma - além de falar bem a sua própria língua - é um dever de todos os que querem sobreviver no mercado. De preferência o inglês.
Mas existe uma outra língua que acho fundamental.
E acabei me recordando de um fato que me ocorreu há muitos anos, mais precisamente na noite de sexta-feira, 19 de abril de 1991.
Um dos maiores amigos que tive na vida era um cara chamado Alberto. Gente da melhor qualidade. Costumávamos nos encontrar para o happy hours animadíssimas, mas não muito longos, porque o Alberto era o que se chama hoje de workaholic.
Pior do que o Alberto era o Francisco, outro amigo nosso. Nunca tinha hora para sair do trabalho, levava serviço pra casa e nunca tinha tempo para um chope. Falávamos somente por telefone.
Por isso, naquela noite achei um milagre dos céus quando o Chico aceitou o convite para sair conosco.
Fomos para um bar no Centro e ficamos horas bebendo e dando muitas risadas. Betão e Chico estavam surpreendentemente relaxados e não olharam para o relógio em nem um momento.
Estranhamente, quando chegou lá pela uma e meia da manhã, falei que iria embora. O sábado seria de sol no Rio e eu queria pegar uma praia. Quando deixamos o bar, mais um milagre: a mulher do Chico havia acabado de chegar da europa e ele insistiu para que fôssemos a sua casa ver as fotos e conversar mais. E aconteceu outro milagre: o Alberto quis ir. E eu, o mais light dos três falei que precisava ir dormir, numa total inversão de papéis.
Nesse caso, o Alberto decidiu voltar comigo. Estávamos sem carro e ficamos procurando táxi. o Centro do Rio era mais deserto naquela época e os táxis não apareciam. Sugeri que fôssemos para a Rio Branco, onde as chances de encontrar um amarelinho seriam maiores. O Alberto insistiu em ficar parado num ponto, a espera de um ônibus.
"Relaxa, cara! Vamos ficar aqui botando a conversa em dia."
Eu não reconhecia o Alberto naquela noite.
E quando, dias depois, o Chico me ligou para dar a notícia da morte do nosso grande amigo, num trágico acidente de carro, a primeira coisa que veio a minha mente foi o seu estranho comportamento naquela noite. E a ficha caiu: era a vida, com o seu idioma muito sutil, me pedindo para que eu aproveitasse aquela que seria a última noite em sua companhia.
As empresas já há algum tempo descobriram que a intuição pode ser um instrumento valioso na guerra do mercado. Não é a toa que as mulheres estão ocupando cada vez mais cargos executivos. Mas parece que, ao contratarem, ainda não estão levando muito em conta as noções deste idioma, que é o mais difícil de todos e só se adquire com a experiência. Experiência essa que eu não tinha naquela noite de sexta-feira, 19/04/91.
É lógico que ainda não há um teste para se apurar a capacidade intuitiva do candidato, mas acredito que alguém com mais de quarenta tenha mais intimidade com essa linguagem tão pouco conhecida e que nenhum cursinho ensina.
E do alto dos meus quarenta e nove anos, tenho dito.
Marcadores: Vida moderna
2 Comments:
Fiquei todo arrepiado,JULIO.
Que coisa!!
Eu só falo mesmo a lingua nativa e ,talvez por isto mesmo,é que depois de só trabalhar por conta no comercio,agora me vejo totalmente fora do mercado.
Não arrumo colocação e sinto-me um peso pra sociedade.
Fogo!!
abração!
Do, o mercado está cada vez mais cruel e exclui sem dó nem piedade.
abração
Postar um comentário
<< Home