Aos que não se encaixam neste mundo...
Passou batido, mas nunca é tarde para lembrar.
No último dia 7 de julho, morria o cantor/compositor e músico inglês Syd Barret. Para quem nunca ouviu falar dele, Barret, em 1965 fundou um grupeto chamado Pink Floyd, que mais tarde seria uma das bandas mais populares e talentosas da história do rock. Na verdade, Barret teria sido um dos grandes nomes da música popular mundial, ao lado de gente como Lennon, MacCartney, Bowie, Neil Young e outros. Teria sido. Caso não tivesse exagerado no LSD e se transformado, não em um maluco beleza, como diaria o Raulzito, mas num vegetal ambulante, um passageiro numa viagem sem volta.
Syd era genial. E parecia não se sentir muito a vontade nesse mundo.
Seria muita pretensão a minha querer me comparar a Syd Barret. Mas ele e eu tínhamos em comum o desconfortável sentimento de falar uma linguagem diferente da mairoria das pessoas. Eu confesso que me sinto assim boa parte do tempo e sei o quanto dói. Sabe aquela cena de A Beleza Americana, em que um jovem tem a sensibilidade de filmar um saco plástico "brincando no vento", pela calçada? Aquele personagem era especial. Não superior, mas diferente. Pode ser que eu esteja pirando na batatinha, sei lá! Mas a verdade é que eu e a realidade não mantemos uma relação muito amistosa.
E o que fazer, quando você nasce diferente do que a sociedade encara como normal?
Pois a morte de Barret aconteceu mais ou menos na mesma época em que o psicanalista Rubem Alves, publicou na Folha De São Paulo, um texto chamado Saúde Mental, que procura dar algum alento aos que, como eu, não conseguem se encaixar muito bem neste mundo.
Aí está, na íntegra, o texto que vale a pena ser lido. Seja você normal ou não.
Por Rubem Alves - Saúde Mental
Fui convidado a fazer uma preleção sobre saúde mental. Os que me convidaram supuseram que eu, na qualidade de psicanalista, deveria ser um especialista no assunto. E eu também pensei. Tanto que aceitei.Mas foi só parar para pensar para me arrepender. Percebi que nada sabia.Eu me explico. Comecei o meu pensamento fazendo uma lista das pessoas que, do meu pontode vista, tiveram uma vida mental rica e excitante, pessoas cujos livrose obras são alimento para a minha alma. Nietzsche, Fernando Pessoa, Van Gogh,Wittgenstein, Cecília Meireles, Maiakovski. E logo me assustei. Nietzsche ficou louco. Fernando Pessoa era dado à bebida. Van Gogh matou-se. Wittgenstein alegrou-se ao saber que iria morrer em breve: nãosuportava mais viver com tanta angústia. Cecília Meireles sofria de uma suavedepressão crônica. Maiakoviski suicidou-se. Essas eram pessoas lúcidas e profundas que continuarão a ser pão para osvivos muito depois de nós termos sido completamente esquecidos. Mas seráque tinham saúde mental? Saúde mental, essa condição em que as idéias comportam-se bem, sempre iguais,previsíveis, sem surpresas, obedientes ao comando do dever, todas as coisasnos seus lugares, como soldados em ordem unida, jamais permitindo que o corpofalte ao trabalho, ou que faça algo inesperado; nem é preciso dar uma voltaao mundo num barco a vela, bastar fazer o que fez a Shirley Valentine (seainda não viu, veja o filme) ou ter um amor proibido ou, mais perigoso quetudo isso, a coragem de pensar o que nunca pensou. Pensar é uma coisa muito perigosa... Não, saúde mental elas não tinham. Eram lúcidas demais para isso. Elas sabiam que o mundo é controlado pelosloucos e idosos de gravata. Sendo donos do poder, os loucos passam a seros protótipos da saúde mental. Claro que nenhum dos nomes que citei sobreviveria aos testes psicológicosa que teria de se submeter se fosse pedir emprego numa empresa. Por outrolado, nunca ouvi falar de político que tivesse estresse ou depressão. Andam sempre fortes em passarelas pelas ruas da cidade, distribuindo sorrisose certezas. Sinto que meus pensamentos podem parecer pensamentos de louco e por issoapresso-me aos devidos esclarecimentos. Nós somos muito parecidos com computadores. O funcionamento dos computadores, como todo mundo sabe, requer a interaçãode duas partes. Uma delas chama-se hardware, literalmente equipamento "duro",e a outra denomina-se software, " equipamento macio". O hardware é constituído por todas as coisas sólidas com que o aparelhoé feito. O software é constituído por entidades " espirituais" - símbolosque formam os programas e são gravados nos disquetes. Nós também temos um hardware e um software. O hardware são os nervos docérebro, os neurônios, tudo aquilo que compõe o sistema nervoso. O softwareé constituído por uma série de programas que ficam gravados na memória. Domesmo jeito como nos computadores, o que fica na memória são símbolos, entidadeslevíssimas, dir-se-ia mesmo "espirituais", sendo que o programa mais importanteé a linguagem. Um computador pode enlouquecer por defeitos no hardware ou por defeitosno software. Nós também. Quando o nosso hardware fica louco há que se chamarpsiquiatras e neurologistas, que virão com suas poções químicas e bisturisconsertar o que se estragou. Quando o problema está no software, entretanto, poções e bisturis não funcionam. Não se conserta um programa com chave de fenda. Porque o software é feitode símbolos, somente símbolos podem entrar dentro dele. Assim, para se lidar com o software há que se fazer uso dos símbolos. Porisso, quem trata das perturbações do software humano nunca se vale de recursosfísicos para tal. Suas ferramentas são palavras, e eles podem ser poetas,humoristas, palhaços, escritores, gurus, amigos e até mesmo psicanalistas. Acontece, entretanto, que esse computador que é o corpo humano tem umapeculiaridade que o diferencia dos outros: o seu hardware, o corpo,é sensívelàs coisas que o seu software produz. Pois não é isso que acontece conosco?Ouvimos uma música e choramos. Lemos os poemas eróticos de Drummond e o corpofica excitado. Imagine um aparelho de som. Imagine que o toca-discos e os acessórios,o hardware, tenham a capacidade de ouvir a música que ele toca e se comover. Imagine mais, que a beleza é tão grande que o hardware não a comporta ese arrebenta de emoção! Pois foi isso que aconteceu com aquelas pessoas que citei no princípio:a música que saia de seu software era tão bonita que seu hardware não suportou. Dados esses pressupostos teóricos, estamos agora em condições de ofereceruma receita que garantirá, àqueles que a seguirem à risca, saúde mental atéo fim dos seus dias. Opte por um software modesto. Evite as coisas belas e comoventes. A beleza é perigosa para o hardware. Cuidado com a música . Brahms e Mahler são especialmente contra indicados. Já o rock pode ser tomado à vontade. Quanto às leituras, evite aquelasque fazem pensar. Há uma vasta literatura especializada em impedir o pensamento. Se há livros do doutor Lair Ribeiro, por que se arriscar a ler Saramago? Os jornais têm o mesmo efeito. Devem ser lidos diariamente. Como eles publicam diariamente sempre a mesma coisa com nomes e caras diferentes,fica garantido que o nosso software pensará sempre coisas iguais. E, aos domingos, não se esqueça do Silvio Santos e do Gugu Liberato. Seguindo essa receita você terá uma vida tranqüila, embora banal. Mas comovocê cultivou a insensibilidade, você não perceberá o quão banal ela é. E, em vez de ter o fim que tiveram as pessoas que mencionei, você se aposentarápara, então, realizar os seus sonhos. Infelizmente, entretanto, quando chegartal momento, você já terá se esquecido de como eles eram.
E na quinta-feira tem mais uma do meu grupo teatral...
O GRUPO AUTORES EM CENA
CONVIDA VOCÊ
PARA LEITURA DA PEÇA
“POR AMOR DE SEU NOME”
DE
O GRUPO AUTORES EM CENA
CONVIDA VOCÊ
PARA LEITURA DA PEÇA
“POR AMOR DE SEU NOME”
DE
ANA CLARA SANTIAGO
DIREÇÃO DE LUIZ ANTÔNIO PILAR
COM ATORES DA CIA. DE TEATRO EM BLACK E PRETO
DIA 27 DE JULHO
21:30
ESPAÇO CAFÉ CULTURAL
Rua São Clemente, 409 – Botafogo
Entrada Franca
Estacionamento em frente
DIREÇÃO DE LUIZ ANTÔNIO PILAR
COM ATORES DA CIA. DE TEATRO EM BLACK E PRETO
DIA 27 DE JULHO
21:30
ESPAÇO CAFÉ CULTURAL
Rua São Clemente, 409 – Botafogo
Entrada Franca
Estacionamento em frente
25 Comments:
O texto do Rubens Alves é perfeito,JULIO. Realmente a impressão que temos é que qto mais pensamos e refletimos,menos felizes tendemos a ser.
Eita mundão todo errado este,viu.
Grande abraço!
Realmente nos faz pensar.
Engraçado D.O. mas não estou conseguindo acessar o seu blog. Mudou alguma coisa?
gd ab e ot semana
Amigo Julio! Ótimos textos, o seu e o do Rubem... lembro-me de ter me sentido assim, desde sempre. Felizmente não esqueci dos meus sonhos, comovo-me (e faço questão de) com palavras e com música, e ainda, no dizer de José Gomes Ferreira, estou sempre espantada de existir. Sucesso para o seu grupo teatral! Beijão
Pois é, Giulia. Somos loucos, mas somos felizes. Aliás, num mundo como esse,desconfio do que é "normal".
bj pra ti
sinceramente jc, seu post dominou meu domingo...assim, pq pink floyd foi o primeiro lp de "rock" que comprei..."dark side of the moon" e depois me acompanhou e acompanha até hj por ser um clássico moderno.
dps este texto sobre sanidade mental e observar que todas, todas as pessoas q admiro não possuiam esta tal sanidade mental...e as que vou descobrindo dps descubro q tbm não possuiam...acho q é pq minha sanidade mental é mínima mesmo. e dou graças a deus por isso...como ele disse " pensar é uma coisa perigosa." obrigada jc.
um beijo. ;)
Também me senti mais...normal? De jeito algum. Me senti mais feliz com a minha anormalidade depois de ler este texto, Alba.
bjs
Vim ler seus textos... colocar em dia a leitura...
Tudo superbacana, Julio.
Você não faz por menos.
Um abraço.
É UMA PENA LEMBRARMOS DOS GRANDES, APENAS QUANDO MORREM. AINDA BEM QUE O N.YOUNG CONTINUA PRODUZINDO...DEVIA TER ESPERADO PARA COMPOR MAIS ALGUMA DO BUSH, COM A GUERRA DO LÍBANO, POIS É EVIDENTE QUE ESSA GUERRA TEM INTERESSES NAS TERRAS FÉRTEIS DO LÍBANO E UM ATAQUE INDIRETO CONTRA O IRÃ...., COMO DISSE NA PRÓPIA FOLHA O PROF. DA FGV DOUTOR EM POLÍTICA INTERNACIONAL E MEU VIZINHO,..SALEM HIKMAT NASSER.http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz2207200609.htm
Valeu, Jôka
Milton, a música que o Neil fez contra o Bush, Let´s Impeachmant the president é realmente dez.
gd ab
Vi o Pink Floyd nascer!!! Agora choro pela morte de seu fundador... a escolha do texto de Rubem Alves foi perfeita. Abração.
Post maravilhoso...
Eu entrei, após a morte do Barret, em umas mais 3 comunidades dele!
no orkut há várias novas, diante do falecimento dele!
Ah, eu também me identifico com o carinha do vídeo de American Beauty! hehe
abs
queria ter ido, mas gripei e fiquei de cama todo final de semana. puxa. vc foi?
Júlio, estou danada. Não me encaixo no mundo, nem nesse texto. :)
Beijo. Boa semana.
Cláudio,
Syd Barret realmente merecia ser postado junto com o texto do Rubem.
gd ab
Valeu, Dudu.
gd ab
Cristiano,
eu, ídem.
gd ab
Elis,
acabei não indo também. Estive na FLAP.
bj
Cláudia,
tá danada mesmo, em dose dupla! Mas vc é normal. Nem lá, nem cá.
bj
Vivas meu caro!
excelente esse texto do Rubem...mas sinceramente, nao posso concordar com ele quanto ao rock...nao consigo compreender essa atitude elitista de que considera a musica erudita "acima" de outras...'e estranho...no meu modo de conceber musica...um beethoven seria impossivel nos nossos dias...tentemos imaginar frank zappa no sec. 18...a musica 'e produto da epoca...sendo assim...ligadas a ela indissociavelmente. temos a musica propria do nosso tempo...ela nao melhor nem pior que a de outras epocas...ela 'e diferente. me parece obvio. mas isso aqui ja ta virando um post...melhor seria continuar isso no rasgamortalha...abraco
Jorge,
com certeza. Talvez o único pecado que o Rubem cometeu foi esse. Mas a gente perdoa diante da qualidade do seu texto. Mas esse papo rock x música erudita é papo para muitos chopes. Quanto custa um táxi até a Nova Zelândia? rs
Daqui a pouco vou lá no Rasga
gd ab
Que isso Júlio, justamente o que te torna interessante é essa sua "anormalidade". Por favor...
Qto a leitura da peça no dia 27 próximo: MERDA!
Valeu Leila, vc não existe!
bj
esse disco do erasmo que voce falou no rasga...'e muito bom mesmo...a musica favelas e moteis 'e uma perola...!mas nao tenho aqui...vou mandar outra do erasmo...valeu?
Valeu Jorge! Vou ouvir.
gd ab
Miltão,
Syd Barret foi uma grande figura, talentoso e trágico.
Estou discutindo a relação com o meu teclado.
gd ab
Buenas.
Julião, ter uma linguagem diferenciada não é ruim. Pode ter certeza disso.
Já tive contos rejeitados sob a alegação de que eram bons demais, mas a temática era ofensiva à política editorial e tal. Não me importei, continuo escrevendo, vou publicando e vou agregando pessoas bacanas por conta da literatura. Assim como você, que já considero um amigo.
Boa sorte com teu conto,
Precisamos conversar um dia desses sobre a Bagatelas e tal. Eu estou sempre no aguardo da tua ilustre presença.
Grande abraço do amigo distante.
Luiz, vou dar entrar no MSN hj à noite. Vc também já é meu irmãozinho das letras.
gd ab
Infelizmente para mim é impossível não pensar nas coisas do mundo,e concordo com texto,quanto mais refletimos mais ficamos loucos e desestimulados com alguns fatos da vida...
Vivemos uma cultura onde para sermos virmos como “alguém” precisamos ter tudo que nos é imposto, herdado. E o "futuro" que dizem que precisamos ter nem sempre é o que queremos. Temos direito à individualidade, não temos que sem escravos de padrões, temos nosso ritmo e nossas peculiaridades. Gostam de nós pela utilidade e não pelo que somos, por isso não deveríamos nos importar tanto.
A criação familiar, as convenções sociais e dogmas religiosos nos criam como gado e quando vemos que não queremos aquilo, nos sentimos perdidos. Aí é a hora de buscar o que realmente queremos. Não temos a obrigação de sonhar o sonhos dos outros (ainda que nisso se perca dinheiro e apoio).
Não temos obrigação de sermos perfeitos, nem máquinas.
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