Zuzu
Por volta das 8 horas da manhã de 14 de maio de 1971, um opala seguia pela avenida 28 de setembro (hoje bouleavard), no bairro boêmio de Vila Isabel, quando foi cercado por dois outros veículos de cor preta. Homens de terno escuros saltaram destes dois últimos veículos, já com armas em punho, e tiraram do opala um jovem de boa aparência, que não demonstrou reação. Os homens eram membros do CISA, Centro de Informações da Aeronáutica. Um deles tomou a direção do opala, enquanto o jovem bonitão era levado para um dos carros de cor preta. Foi a última vez que o jovem bonitão foi visto em público.
Na zona sul, no outro lado da cidade, uma mãe deve ter recebido um e-mail da sua intuição materna: "Aconteceu aquilo que você mais temia."
Na zona sul, no outro lado da cidade, uma mãe deve ter recebido um e-mail da sua intuição materna: "Aconteceu aquilo que você mais temia."
A mãe aflita em questão era a maior estilista do país, a mineira ZuLeika Angel Jones, que na época tinha uma coluna de moda no O Globo. Seu filho Stuart Edgard Angel Jones, que havia completado 26 anos em 11 de janeiro, estava na clandestinidade desde 1969 e podia ser preso a qualquer momento. Seu retrato constava em um cartaz colado em muros e postes pela cidade. Também em aeropostos e outros locais públicos. Seu crime? Ter largado o curso de economia na UFRJ para integrar o grupo de luta armada Movimento Revolucionário 8 de outubro, que lutava contra o regime militar. Ele era casado com Sônia Maria Morais Angel Jones, estudante de administração e economia na UFRJ, militante da Aliança Libertadora Nacional e que, na época estava exilada na frança, após ter sido presa numa panfletagem no feriado de 01/05/69, na Praça Tiradentes e libertada em agosto do mesmo ano.
Com a entrada de seu filho na luta armada, Zuzu começou a se aproximar de autoridades do governo, inclusive costurando para a primeira dama, Yolanda Costa e Silva. Também passou a manter contato com importantes autoridades internacionais, para o caso de vir a precisar delas. Foram dois anos de angústia até o e-mail da intuição.
Quando foi preso, Stuart estava indo se encontrar com Alex Polari, outro integrante do MR-8, com quem teria um ponto - como os guerrilheiros chamavam seus encontros - às 10h. Mal sabia que Alex havia sido preso na véspera. Bastante torturado, concordou em levar os militares ao local do ponto. Mas para despistar ele disse que o horário marcado seria às 8h. Para falta de sorte dos dois, Stuart apareceu mais cedo.
Levado para o CISA, ao lado do então Aeroporto Internacional do Galeão, foi submetido a uma sessão de torturas cruéis, comandadas pelo famoso Brigadeiro Burnier. Por fim, Stuart foi amarrado à traseira de um jeep e arrastado pelo pátio, com a boca presa ao cano de descarga do veículo (vá respirar fumaça de óleo diesel!, como escreveria Chico Buarque em sua Cálice).
Todo esse ritual sangrento foi presenciado por Alex Polari, atrvés de uma pequena janela na porta da cela onde se encontrava. Dias mais tarde, Alex fez chegar a Zuzu uma carta em que contava a forma como Stuart havia sido morto. Imediatamente Zuzu dedicou-se a um outro tipo de desfile. Percorreu órgãos da imprensa, aqui e no exterior, denunciando a morte do seu filho querido. O governo do general Médici, que jurava que não havia tortura no Brasil, ficou irado. Um processo foi aberto para apurar as denúncias. Zuzu comparecia às audiências, na Auditoria Militar, usando elegantes vestidos negros e um ainda mais elegante véu negro encobrindo o seu rosto. "Estou de luto pelo meu filho." , dizia à imprensa. Furiosos, os militares continuavam negando a morte do estudante. Os cartazes com sua foto continuavam a ser espalhados cinicamente pela cidade. Zuzu continuou a sua luta. Chegava a fazer pequenos discursos em lugares públicos, irritando ainda mais os militares. Ela chegou a ser convidada a visitar o sinistro DOI-CODI, no sombrio quartel do Exército na rua Barão de Mesquita. Lá encontrou dependências limpas e nenhum sinal das torturas que, hoje se sabe, eram praticadas ali. No final da visita, Zuzu virou-se para o comandante que a acompanhava e disse: "Sr. comandante, demita o seu oficial do dia! Ele é um incompetente! Ele não sabe nem armar uma mentira. O senhor acha que irei acreditar nessas camas com lençóis esticadinhos deste jeito?"
A farsa teve fim em setembro do mesmo ano, quando um reltório da marinha foi divulgado, dizendo que Stuart havia sido morto num tiroteio com membros da repressão, em 05 de janeiro de 1971. Mas o corpo estranhamente não fora encontrado. A Aeronáutica negava qualquer envolvimento e o fato de que Stuart tivesse passado por suas dependências.
Zuzu lançou-se então em outra luta: recuperar o corpo do seu filho, que nunca seria encontrado. Há suspeitas de que tenha sido jogado na Baía de Guanabara de um helicóptero da aeronáutica.
Com a imprensa brasileira ainda sob os rigores da censura, Zuzu passou a distribuir cartas a autoridades internacionais, explicando a sua luta. O senador Edward Kennedy chegou a levar o caso ao congresso norte-americano, o que deixou Médice roxo de raiva. Zuzu conseguiu o apoio também de artistas como Liza Minelli, Joan Crawford, Kim Novak, Veruska, Jean Shrimpton e Margot Fontein. Em 1972, chegou a fazer, em Nova Iorque, um desfile de roupas com desenhos de tanques, armas e muitos anjos. Símbolos da repressão que se vivia por aqui e também do seu filho.
Nessa época, Sônia, a viúva de Stuart volta clandestina ao Brasil e promete ajudar Zuzu a esclarecer a morte do marido e localizar o seu corpo. Mas pouco pôde fazer, pois foi presa juntamente com Antônio Carlos Bicalho Lana, em novembro de 1973, numa viagem de ônibus entre São Vicente e São Paulo. Ambos foram mortos sob tortura, num caso ainda não esclarecido. Assim como Stuart, os dois constam na lista dos desaperecidos políticos.
Zuzu também passou a ser perseguida, enquanto continuava sua luta incansável. Recebia telefonemas anônimos, teve a correspondência violada, o telefone grampeado e era seguida nas ruas por carros suspeitos. Aconselhava as filhas a sempre andarem pelo meio da rua à noite, para o caso de precisarem fugir.
Chegou a ser detida em 1975, na porta do hotel Sheraton, na zona sul do Rio, ao interpelar o Secretário de Estado dos EUA, Henry Kinsinger, em visita ao Brasil. Zuzu conseguiu entregar-lhe uma carta na qual contava o seu martírio. Os militares chamavam-na de louca e continuavam a negar que Stuart tivesse morrido sob torturas.
Depois desse episódio no Sheraton, Zuzu passou a temer pela própria vida e começou a enviar cartas a amigos dizendo que se "algum acidente vier a acontecer comigo, os culpados serão os mesmos que tiraram a vida do meu amado filho."
O último a receber a tal carta foi Chico Buarque, que pouco pôde fazer, pois a censura não dava trégua à imprensa. Apenas compôs Angélica, canção lançada anos mais tarde.
Zuzu morreria uma semana depois, por volta das 3h da madrugada de 14 de abril de 1976. Ela havia saído de uma festa e espatifou o seu carro na atual Auto-Estrada Lagoa-Barra, próximo à entrada do Túnel que hoje leva o seu nome, em São Conrado. Não foram encontrados sinais de derrapagem, não estava chovendo e várias testemunhas garantiram que ela não havia bebido nada na festa. Mesmo assim, a perícia fechou o laudo como "vítima de acidente automobilístico". E ponto final. Ninguém discordava da perícia naquela época. Foi mais um fato sinistro numa época sinistra.
Ufa! Você acha que a vida de Zuzu daria um filme? Pois é justamente isso que acabou de acontecer. Zuzu Angel é o drama que o cineasta Sérgio Rezende deverá estrear em 04 de agosto, com Patrícia Pilar na pele da protagonista, Daniel de Oliveira como Stuart e Leandra Leal como Sônia.
Uma bela homenagem a essa brasileira que é um exemplo de coragem e, por isso mesmo, tem feito muita falta, nessas três décadas de sua ausência.
Luz pra você, Zuzu.
31 Comments:
Gostei de conhecer um pouco sobre ela. Nunca havia dado a devida atenção. Quero ver esse filme.
Beijo e Boa Páscoa.
Muita luz pra vc tbém, sempre. Somente ela nos tira da escuridão.
Cláudia,
Zuzu Angel merece todo o nosso respeito e admiração.
Ótima Páscoa pra vc tb
bj
Ei, psiu!!! Vim aqui pra dizer uma coisa a vc:
Olha à sua direita.
Não viu? Então à sua esquerda.
Nada??!!?!? Quem sabe esteja atrás!!?
Também não encontrou? Já sei...
Está na sua frente, olhando pra você.
Agora viu? Ah! É a criança que habita em você.
Brinque com ela, hoje é seu dia.
Beijos
Meu querido,
tomara o filme reproduza com fidelidade a vida dessa mulher fantástica que morreu por lutar, por ser contra as regras impostas,por não se deixar acomodar em uma cadeira enquanto um regime doentio ceifava vidas.Bela homenagem a sua.
Feliz Páscoa!!!
beijossssssssssssss
Márcia,
Zuzu merece
feliz Páscoa pra vc tb
Cenas do passado que deixam para o resto da vida...
Feliz Páscoa, amigo!
Corringindo: que deixam MARCAS para o resto da vida. E ainda bem que estamos em outros tempos e isto já não acontece!? mais.
Júlio, li o seu comentário no blog da Mônica Montone.
Abraços.
Julio, quase perdia um outro comentário seu. Aquele no ACIDENTE EQÜINO. Também gosto de fábula, esta mistura gente/animal com personalidade humana. Gosto tanto que tenho diversas historinhas infantis, quase todas fábulas. Tenho que inventar outro blog pra publicar. Gosto sobretudo deste "non-sense", a classificação que um outro blogueiro deu ao meu estilo,esta mistura do irreal e fantástico.
Meu amigo, você é um grande comentarista. Parabéns.
Zuzu foi uma grande estilista e uma mulher corajosa.
A filha dela, a Hilde é uma pessoa muito bacana, que me deu força quando precisei.
Luz para as duas !
E Felizes chocolates pra você !
abçs,
Jôka bP.
Júlio, por isso que por mais complicado esteja o momento político, ainda é melhor porque vivemos numa democracia. Se fosse na ditatura, a maioria dos bloguistas já estavam na lista negra do regime militar.
Zuzu merece todas as honras e homenagens pelo seu talento como estilista e pelo seu incansável trabalho como mãe pelo direito de poder enterrar seu filho. Imagina o sofrimento dela em não saber onde o filho foi colocado depois de morto. Sou contra a luta armada, mas naquela época se fez necessário pelas atrocidades que os militares faziam nas dependência dos DOI-CODI. As pessoas passavam a ter sua vida devastada e perseguido por bobagens. Ter livros da esquerda era considerado crime. Espero que tenhamos nos livrado definitivamente deste tido de regime e gente. Por isso não caio no engodo que na época dos militares era melhor. Nananinão! Pessoas inocentes ou não eram assassinadas sem ter direito nenhum.
Pretendo ver o filme. É importante conhecermos a nossa história recente.
Bjos.
Oi, Julio! Sempre escuto falar de Zuzu, mas nunca soube bem sua história... legal esse post! Abraços e ótima páscoa!
É uma história e tanto...
Boas pácoa!!!
http://dudve.blogpost.com/
http://cartasintimas.zip.net
Rubo,
Valeu e ótima Páscoa pra vc tb.
gd ab
Jôka,
pessoas como Zuzu fazem falta. Ot Páscoa pra vc tb
gd ab
Vera,
se fosse naquela época negra, eu já estaria no Pau de Arara há muito tempo, lá do DOI-CODI.Imagine um cara com um blog chamado Bala Perdida!
Zuzu foi uma grande mulher que merece toda nossa admiração e respeito.
Ot Páscoa
bjs
Alexandre,
eu tinha que fazer essa homenagem a Zuzu. Ela merece.
gd ab
Edu,
concordo
grande Páscoa e grande abraço
Oi, Julio. A história dela é de certa forma um resumo da história política brasileira durante as décadas da ditadura. Tomara que o filme seja bem feito. Os atores são ótimos, né?
Beijo pra ti e boa Páscoa.
Luciane,
ótima Páscoa pra vc também.
bjs
Pelo visto uma boa opçãona sétima arte! Belo post e aproveitei para alimentar teu mascote! Beijos
Ana,
com certeza este filme fará justiça à grande personalidade que foi Zuzu.
Ótima Páscoa pra vc e o Nestor manda um bj
Muitas famílias se calaram naquela época. Eu ainda criança lembro de um primo chegando em casa pra ficar escondido. Não sabia muito bem o que estava acontecendo mas já começava a tomar consciência das injustiças que eram praticadas pelo regime militar. Nada aconteceu ao meu primo, hoje escreve livros didáticos sobre a história do Brasil e do mundo.
O cinema é o melhor meio, pra aqueles que têm preguiça de ler, receberem informações sobre a História.
Já vi em entrevista a Elke Maravilha falando da luta da amiga e mentora.
Vou ver esse filme!!
Feliz páscoa!! Beijus
Luma,
curiosamente eu tive um primo que foi perseguido e com ele aconteceu muita coisa. Foi torturadíssimo no DOI, em 72. Ainda me lembro do desespero da família para tentar saber notícias suas. Foi uma barra. Por isso tenho muito interesse na história dos perseguidos políticos e irei assistir o filme com certeza
Ótima Páscoa pra vc tb
Acabei de ler um comentário seu lá no luz, dizendo que discorda de alguns pontos de vista meu. Gostei disso!! Ás vezes gosto de rotina!!
Beijus
Tenho certeza que será uma obra brilhante,JULIO.
FELIZ PASCOA à vc e aos seus.
Grande abraço!!
Luma,
eu só estava aproveitando a maior vantagem dos blogs, ou seja, poder opinar, concordando ou não com o autor. Ainda mais num blog inteligente como o seu. É um prazer. E gosto muito de receber os seus comentários aqui tb. Mesmo que eles não concordem com o que expresso nos posts.
bjs
DO,
Zuzu merece.
Ot Páscoa tb
gd ab
Julio, querido, o texto tá grande e eu preciso nanar, risos... Amanhã passo aqui e leio [gosto muito de ler você!!!!]...
Por ora, deixo apenas meu convite para que vá receber uma rosa lá no Fina Flor.... Eu a deixei para pessoas como você!!!
Beijos e uma ótima semana,
MM
Mônica,
bons sonhos!
Vou lá no Fina Flor daqui a pouco
bjs e ot semana tb
Julio: obrigado por lembrar. São apenas algumas décadas as passadas mas muitos esqueceram e muitos nem tiverem notícia. É importante, muito impoertante que se conte e reconte estas histórias tão triste para que nunca mais se repitam.
Anna,
eu não podia esquecer, assim como ninguém deve esquecer que já houve um tempo em que as pessoas davam a vida por este país.
bjs
Oi, Julio Cesar,
tempos sinistros, vivemos naquela época.
Todos sabiamos desas coisas, elas não conseguiam ficar escondidas, mas era tudo negado. Tive um monte de amigos perseguidos e alguns exilados.
Foi uma barra muito pesada.
Filmes como esse, sobre a Zuzu, são bastante necessários para que aquelas coisas nunca mais vicejem.
Abração
fernando cals
Fernando,
com certeza foram tempos negros que não deveriam voltar jamais.
Daqui a pouco vou observar lá no Observador
gd ab
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