sábado, fevereiro 11, 2006

A volta da que nunca partiu



Numa fria manhã de domingo, no início de junho de 1981, eu ia começar a folhear a edição do New York Times (eu estava aprendendo inglês, na época, e costumava ler revistas e jornais estrangeiros para treinar), quando uma pequena nota na primeira página me chamou a atenção. Falava de um misterioso virus que vinha vitimando centenas de homossexuais norte-americanos. Naquele momento, fiquei apenas curioso. Como em plena década de 80 ainda podia haver doenças misteriosas?
Anos mais tarde, já com o apelido de cancer gay, a doença chegou ao Brasil. Aqui e lá fora a maior parte da população estava indiferente, já que o tal vírus só parecia correr atrás de homossexuais. "Mas como? Um vírus com preferências sexuais?", pensei com os meus botões.
Mas a tranqüilidade durou pouco. Hemofílicos heteros começaram a cair doentes e logo os cientistas provaram que qualquer um poderia contrair a tal doença, que pouco depois foi batizada de AIDS. Bastava fazer sexo sem proteção, usar drogas injetáveis ou doar sangue. E o pânico explodiu. Meu Deus! Pode-se pegar AIDS pelo ar? Se eu apertar a mão de alguém contaminado, eu danço? Mosquito transmite a praga? E se algum contaminado espirrar perto de mim? Posso ir à manicure? Posso tomar banho de mar? Posso me tatuar? Enfim, muitas dúvidas e os cientistas tinham poucas respostas. Isso aumentou o medo, a confusão. E também o ódio contra os gays, tido como os mensageiros da morte. Em cidades como São Francisco e Nova Iorque, passou a ser comum bares gays serem invadidos por bofes irados, munidos com bastões de baseball, dispostos a matar os parasitas transmissores do mal. Eu morava em São Paulo nessa época e me lembro que alguns jornais aconselhavam aos gays a nunca andarem sozinhos à noite. As novas gerações não têm noção do que se viveu naqueles meados dos anos Reagan, dos anos José Sarney. Ambos, recusaram, inicialmene, a doar dinheiro para campanhas de prevenção da AIDS, dizendo que só pegava a doença quem era promíscuo ou degenerado. Nem a morte de famosos (do ator Rock Hudson ao Cazuza a lista é grande) sensibilizou o coração das autoridades.
Em 1986 surgiu o AZT, droga que retardava a ação do vírus, mas que trazia sequelas e terríveis reações adversas. Depois, com o tempo, foi-se tomando mais cautela ao ir para cama e os números de novos casos da doença foram caindo. O avanço da medicina foi aumentando a sobrevida dos doentes (de cerca de 5 anos em 1988, para cerca de 15 em fins dos anos 90). Os coquetéis de drogas, surgidos em 1996, trouxeram não só um aumento na sobrevida, mas uma melhoria na qualidade de vida dos pacientes.
Com todos estes avanços, muita gente - principalmente a nova geração que não foi jovem nos anos 80 e não passou pela provação de ter que encarar o medo da possibilidade de se infectar no auge da sua vida sexual - passou a acreditar que já haviam descoberto a cura para a peste. O que contribuiu ainda mais para isso foi o fato de que enquanto o número de casos decrescia no primeiro e segundo mundos, eles triplicavam, principalmente na África. O Brasil felizmente foi uma exceção. Mas como a mídia, sobretudo a norte-americana, não está nem aí para os africanos, de uma hora para a outra, a AIDS saiu dos noticiários, reforçando a idéia de que os mais jovens não deveriam se preocupar mais com o vírus.
A fatura disso está sendo cobrada agora com a volta do crescimento - embora ainda tímido - dos casos em todo o mundo. Os homossexuais, os adolescentes, mulheres e populações carentes são hoje os que estão na berlinda.
Com isso, os shows beneficentes para arrecadar din-din para pesquisas que finalmente descubram uma droga para acabar com a família HIV (sim, porque o puto do vírus se dividiu em vários tipos ao longo dos anos), voltaram a rolar, após de alguns anos sumidos. O útimo foi este We all Have AIDS...if one of us does, que foi matéria da correspondente do O Globo em NY, em 11.02.06. Mergulhe aqui, porque se você pensava que ela havia ido, tenho péssimas notícias. Ela nunca se foi.
"Somos apenas uns homens
E a natureza traiu-nos
Adeus: vamos para frente
Recuando de olhos acesos
Nossos filhos tão filhos
Fieis herdeiros do Medo"
C. Drumond
E já está no ar o A Arte de Odiar, blog sobre o meu romance policial. Dê uma olhada e comente.

7 Comments:

Blogger Taia said...

Olá, não sabia que me visitava...
Seja bem vindo.
Triste o caso do Ivan e eu mesmo só conheci a Beth agora, mas em horas como estas todo carinho é bem vindo.
Um abraço e baterei ponto por aqui!

segunda-feira, fevereiro 13, 2006 6:42:00 PM  
Blogger Julio Cesar Corrêa said...

Seja bem-vinda, Taia
bjs

segunda-feira, fevereiro 13, 2006 6:52:00 PM  
Blogger Milton T said...

Obrigado Júlio, seja bem vindo!
Abraços!

segunda-feira, fevereiro 13, 2006 6:53:00 PM  
Blogger Vera F. said...

Júlio, primeiro lugar obrigada pela visita ao verdes. Voltes sempre que quiser, a porta fica sempre aberta.
Felizmente no Brasil temos um dos melhores programas de tratamentos para os Aids, no mundo. E somos reconhecidos por ele. O governo quebrou patentes e pode dar remédios de graça. Uma pena que tem gente porque acha que tomando o coquetel pode continuar a não se prevenir. Isso é ignorância. Assim, só se consegue é alimentar o vírus e daqui a pouco o coquetel não vai dar resultado.
Sinto que esse coquetel não tenha chegado a tempo de salvar Cazuza e Renato Russo, os poetas da minha geração. Acho que a sua tbm, não?
Boa semana.
Bjos.

segunda-feira, fevereiro 13, 2006 7:10:00 PM  
Blogger Julio Cesar Corrêa said...

Milton, voltarei lá e obrigado pela visita
gd ab

Vera, minha geração, sim. Infelizmente, no exato momento em que respondo ao seu comentário, a ignorância deve estar fazendo mais uma vítima.
bjs e obrigado pela visita

segunda-feira, fevereiro 13, 2006 9:19:00 PM  
Anonymous Anônimo said...

Olá Julio. Tudo bem? Fiquei feliz que tenha "descoberto" o meu blog. Volte sempre que as portas, digo, as janelas estarão sempre abertas.
Sobre o vírus da Aids, há ainda muito a ser dito e muita camisinha pra ser usada. Embora se diga o contrário, acredito que já haja a cura para essa pandemia. Como conseguem os remédios para fazer com que a vida dos portadores fique melhor? Tomara que isso não seja utopia minha. Acredito, ainda, que há falta de interesse em fazer com que as pessoas se curem da doença, pois como se sabe é uma doença de laboratório, portanto havendo interesses comerciais por trás.
É realmente uma pena.
Abraços!
Volte sempre!
:D

segunda-feira, fevereiro 13, 2006 9:48:00 PM  
Blogger Julio Cesar Corrêa said...

Priscila, obrigado pela visita e vou voltar com certeza ao Hopes.... Quanto à Aids, ainda há realmente muita coisa a ser esclarecida. Infelizmente ainda há muita gente que pensa que a cura foi descoberta e está indo pra cama desprotegido. E a ignorância continua matando.
Um bj e dê um abraço a este pessoal maravilhoso de SC.

segunda-feira, fevereiro 13, 2006 9:54:00 PM  

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