quinta-feira, abril 29, 2010

As voltas que a arte dá

A cena gay de Nova Iorque é abalada por uma série de assassinatos brutais. Para tentar estancar a barbárie, a polícia encarrega um dos seus homens para servir de isca. O tira com as mesmas características das vítimas tem a missão de frequentar clubes de gays para tentar atrair o psicopata. Consegue. Mas acaba descobrindo suas tendências homossexuais e passa a matar também.
Preconceitos a parte, uma puta história, concorda?
Bem, que não dá para se fazer um bom filme sem uma boa história, a gente está krek de saber. Mas acho um pecado se desperdiçar uma boa sinopse. E esse parece ter sido o erro de William Friedkin em Cruising (Parceiros da Noite), que foi lançado finalmente em DVD por aqui recentemente.

Em 1971, o diretor norte-americano William Friedkin finalmente conseguia seu primeiro sucesso mundial, o policial Operação França. O produtor do filme, Phillip D´Antoni, mostrou a Friedkin o romance policial lançado no ano anterior pelo jornalista do The New York Time, Gerald Walker. Tratava-se de Cruising, que contava a história de um psicopata que pegava suas vítimas em bares gays de Nova Iorque e as assassinava barbaramente, chegando a mutilar os seus corpos.
Friedkin não se mostrou interessado e nem sequer leu o livro. Pode parecer uma atitude homofóbica, mas o diretor de Operação França, assim como a maioria dos cidadãos héteros de classe média, não estava nenhum pouco interessado em saber o que acontecia dentro dos bares gays. Até que uma série de acontecimentos mudou sua cabeça.
Tudo começou, o jornal Village Voice publicou que a polícia novaiorquina estava tendo dificuldades para encontrar o serial killer que estava caçando suas vítimas em clubes homossexuais, na parte oeste da cidade.
Por coincidência, o diretor acabou conhecendo um policial que lhe contou que havia sido obrigado a frequentar a cena gay da cidade para servir de isca para o tal psicopata. Friedkin achou a história apenas interessante. Mas quando ficou sabendo que o tal assassino era um médico que havia participado como figurante do seu grande sucesso de 1973, O Exorcista, o diretor começou a pensar a respeito.
Naquela época, o movimento pelos direitos dos homossexuais já havia crescido bastante e o estilo de vida gay já era visto até com simpatia em muitas cidades norte-americanas. E uma nova vertente desse pequeno mundo de minoria estava começando a ficar popular entre os gays: os clubes de sadomasoquismo.

Em Nova Iorque eles funcionavam no extremo oeste do Greenwich Village. Uma região escura, suja, sombria e sinistra, conhecida por MeatPacking, devido aos enormes galpões de empacotamento de carnes que eram trazidos dos vários frigoríficos da região. Bem diferente do que é hoje, onde as ruas limpas e bucólicas, abrigam cafés charmosos, atelier chiques, restaurantes caros, boates badaladas e lojas de grifes top de linha, como a de Stella McCartney, Diane Von Furstemberg, Alexander McQueen e lojas famosas como a novíssima filial da Apple Store, por exemplo. As fotos acima foram tiradas em maio de 2009, a última vez que por lá passei.
Os bares sadomasoquistas e o ambiente ameaçador do filme são definitivamente coisa do passado.Eram outros tempos, Nova Iorque era outra Nova Iorque (mais hardcore) e a AIDS ainda parecia ser uma ameaça distante.

Os clubes de sadomasoquismo geralmente pertenciam à mafia. O próprio Friedkin precisou negociar com membros da máfia para conseguir filmar nesses lugares, que tinham nomes que lembravam saloons do velho oeste, como Ramrod, Cock Pit e Eagle´s Nest.
Não era um lugar para rapazes efeminados ou bichas caricatas que, mais ou menos, já eram aceitas no cinema. Ali usava-se couro, trajes de cowboys ou fardas de policiais, levando-se ás últimas consequências o fetiche de ser um homem atrás de homens de verdade. Poucos anos antes, o grupo Village People havia feito piada dessa ilusão, ao incorporar as imagens de um cowboy, um policial, um operário e um índio - figuras que representavam as figuras da verdadeira virilidade americana - enquanto não escondiam sua escandalosa homossexualidade. O mesmo fez o nosso Ney Matogrosso, pouco mais tarde, quando cantava: "Menino, eu sou é homem. Menino, eu só é homem e como sou!", enquanto rebolava.
Mas ali nos clubes do West Village, a coisa era levada a sério. Uma bichinha nunca seria admitida e a maioria dos frequentadores pareciam ter deixado a namorada ou a mulher em casa para uma escapada mais hardcore. Era uma negócio perigoso, afinal dois homens fingindo ser homens, entre quatro paredes, enquanto tentam extrair/provocar prazer e dor um ao outro, pode ser fatal e os atos de violência não eram raros. E ainda haviam as drogas, que são sempre bem-vindas quando se quer viver uma fantasia. Além do mais, esses lugares pareciam o habitat propício para doentes, surtados e problemáticos de todos os tipos, já que polícia fechava os olhos para não ter problemas com a máfia. Era tudo do que um serial killer precisava.
Na verdade, a maioria dos gays não via a cena sadomasô com bons olhos e Friedkins teve alguns problemas no desenrolar das filmagens. No início, a comunidade gay pensou que o fime seria uma boa propaganda sobre seu estilo de vida - afinal, era tão raro Hollywood mover suas câmeras para eles! - , mas depois, a ficha caiu e todos perceberam que a puritana sociedade americana poderia interpretar que todos os gays frequentavam baicuas como aquelas e chegavam ao orgasmo surrando ou sendo surrados por seus parceiros.
Os gays fizeram de tudo para interromper as filmagens, em meados de 1979. Desde promover passeatas à usar espelhos contra o sol, jogando os focos de luz diretamente nas câmeras de filmagem ou tocando músicas bem altas perto das locações. O diretor foi obrigado a colocar bem no começo do filme uma tarja onde se lia que o que seria mostrado ali refletia apenas o estilo de vida de uma pequena parcela dos homossexuais.

Cruising estreiou nos EUA há trinta anos, em fevereiro de 1980, e foi logo arrasado pela crítica. Recebeu censura R (só para adultos) - muitos minutos de filmagem foram cortados para que o filme não recebesse censura X, ainda mais rigorosa - e gerou muita polêmica na imprensa. Praticamente todos os críticos e integrantes da comunidade gay acharam o filme homofóbico e que até poderia estimular a violência contra homossexuais.
Cruising até hoje continua proibido na África do Sul, no Irã e na Finlândia.

Foi ainda no meio de toda essa polêmica que o filme estreou no Brasil, em maio de 1981. Apaixonado por filmes policiais e fã de Friedkin desde Operação França, corri para assisti-lo. Ainda mais quando li sobre a história. "Isso deve ter dado um puta filme", pensei.
E voltei pra casa decepcionado. Friedkin estava irreconhecível. Exageros, roteiro nada criativo, interpretações caricatas, clichês e muito psicologismo barato. Isso tudo me surpreendeu muito mais do que as prórprias cenas de sexo e violência (e olha que algumas são bem pesadas!). A idéia que se tem ao assistir Cruising ainda hoje, é de que estamos diante de uma obra feita por um diretor iniciante ou de um filme B. Nem de longe nos lembra a uma obra deste diretor consagrado e premiado.

Fiquei tão decepcionado com o filme que o deletei da minha memória. Queria me lembrar de Friedkin como o diretor de Conexão França e Viver e Morrer em Los Angeles.
Mas então qual o motivo deste post? O motivo é que Cruising virou cult. E pelo mesmo motivo que o fez ser tão detestado.

 Na verdade os defeitos de filmagens que William Friedkin cometeu e que me indignaram, hoje parecem risíveis e acabamos gostando de Parceiros da Noite da mesma forma que gostamos de aberrações cinematográficas como A Invsão das Aranhas Gigantes; Pink Flamingo; Carrie, a Estranha ou Rock Horror Show ou mesmo O Exorcista do próprio Friedkin. Muita gente adora cantar Odair José ou The Fevers ou Lady Zu em karaokês, mas nunca compraria ou baixaria uma música sequer deles. Porque em karaokês a gente só quer se divertir com artistas que não são mesmo para serem levados a sério. O mesmo deve acontecer quando alugamos o DVD de Parceiros da Noite. Relaxe! Esqueça que ele foi feito por um dos mais conceituados diretores do cinema e tenha uma ótima diversão.
Não é a toa que o filme tem sido cultuado principalmente pelas novas gerações. Eles nunca ouviram falar em William Friedkins e nem viveram o pesadelo da AIDS e também perderam o oba-oba que rolava antes.

Atualmente a cara feia de Richard Cox, na pele do psicopata que fez muita gente sentir calafrios, é risível. Afinal, alguém leva a sério um marmanjo vestido de policial num clube gay e falando com uma voz cavernosa, após eliminar mais uma vítima: "Você me obrigou a fazer isso"? E a cena do negão usando apenas cueca e chapéu de de cowboy dentro da delegacia? É pateticamente surreal (foto abaixo).
Mas ele assassinava rapazes com dezenas de facadas! Sim, mas essa nova geração assistiu terroristas loucos jogarem aviões contra duas torres na maior cidade do mundo e liquidar milhares. Essa garotada vê o absurdo de balas perdidas ceifarem cidadãos pacatos ou pais jogando seus filinhos do alto de prédios só porque a criança chorava demais. O mundo mudou. Viva o mundo! Violência pouca hoje em dia é bobagem.
E as cenas de sexo-masoquista-gay que tanto nos escandalizaram, faz a geração my space/twitter/facebook rolar de rir. Eles cresceram assistindo Will & Grace + Brokenback Moutanin, têm acesso a qualquer informação sobre o mundo gay a poucos toques no teclado; eles assistem namorados deixarem seus pares para ficar com pares do mesmo sexo e já não se escandalizam ao saber que seu amiguinho tem pai & pai ou mãe & mãe.
Até os gays parecem ter se rendido ao filme.  Raymond Murray, editor da enciclopédia de filmes gays Images in The Dark, chegou a ressaltar a importância documental do filme para as novas gerações que não puderam presenciar o grau de promiscuidade que rolava na era pré-AIDS e avaliar o estrago que a doença fez.
Cruising voltou ao cartaz nos EUA no verão de 2007 e chegou a ganhar matérias que o tratavam como "uma curiosidade interessante" em revistas como a New Yorker. 
Outro aspecto do filme, ao meu ver, é a trilha sonora (da qual você deve estar ouvindo algumas músicas). No final da décade de 70, enquanto o filme era rodado, Sid Vicious morria de od no Hotel Chelsea e o movimento punk nova iorquino dava seus últimos suspiros. Friedkin optou por este tipo de música, talvez por ser a trilha sonora mais adequada para clubes em que frequentadores são amarrados em instrumentos de tortura para serem molestados na frente de todos. Sorte nossa! Porque algumas músicas só encontramos nesta trilha, como é o caso de canções da obscura banda Germs, de Los Angeles, que acabaria logo depois.

Enfim, quando o filme estreou aqui no Rio, me lembro que um crítico do JB disse: "Se você não foi violentado num sanitário público, não assista Parceiros da Noite." Exagero? Certamente. Mas a arte também pede para não ser levada tão a sério. Descontada, é lógico a diferença de qualidade, é claro, Cidadão Kane causaria hoje o mesmo impacto que obteve na época da sua estreia? Não. Parceiros da Noite vale, pelo menos, como uma curiosidade. Primeiro por que uma coisa não podemos negar: ele foi baseado numa ótima idéia. E também vale como registro histórico de uma época em que ainda nos chocávamos e nos escandalizávamos com coisas que hoje nos fazem rir.

*Este post também é uma homenagem ao protagonista do filme, Al Pacino, que completou setentaninhos no último dia 24.
Grande parte das informações sobre o filme foram colhidas na Tia Wikipedia .

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segunda-feira, abril 19, 2010

Músicas que podem lhe ser úteis - XI


Você quer uma promoção? Ou está precisando de uns dias de férias antecipados? Quer um aumento de salário? Ou quer ser transferido para aquele setor onde não se faz nada? Ou quem sabe quer tudo isso junto?
Bem, você também tem aquele chefe que escolhe aquele tipo de gravata que nem o Bozo usaria, certo? O coitado é alvo de piadinhas e comentários assassinos pelos corredores, não?
Pois, então decore esta musiquinha do Jorge Ben, que é a segunda faixa da sua obra prima A Tábua de Esmeralda, lançado em 1974, auge da carreira do mestre do swing.
Tudo o que tenho a dizer sobre este disco antológico já falei em Há 33 Anos O Samba Invadia As Coberturas Duplex da Vieira Souto.
Pois bem, não custa nada levantar a auto-estima do coitado. Então, quando o seu chefe chegar com sua gravata que todos odeiam,  sem medo de ser feliz, levante-se e cante bem alto:

Lá vem o homem da gravata florida
Meu deus do céu... que gravata mais linda
Que gravata sensacional
Olha os detalhes da gravata...
Que combinação de côres
Que perfeição tropical
Olha que rosa lindo
Azul turquesa se desfolhando
Sob os singelos cravos
E as margaridas, margaridas
De amores com jasmim
Isso não é só uma gravata
Essa gravata é o relatório
De harmonia de coisas belas
É um jardim suspenso
Dependurado no pescoço
De um homem simpático e feliz
Feliz, feliz porque... com aquela gravata

Qualquer homem feio, qualquer homem feio
Vira príncipe, simpático, simpático, simpático
Porque... com aquela gravata
Ele é esperado e bem chegado
É adorado em qualquer lugar
Por onde ele passa nascem flores e amores
Com uma gravata florida singela
Como essa, linda de viver
Até eu, até eu, até eu, até eu, até eu,...

Duvido que você não consiga o que quer.
Isso se os seus colegas de trabalho não lhe enforcarem com a dita cuja primeiro.

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segunda-feira, abril 05, 2010

Parabéns! Pá! Pá! Pá! Parabéns! Pá! Pá! Pá! Pelo seu aniversário!...

O meu blog preferido está fazendo quatro aninhos. Tudo bem, eu já cansei de falar do New York Daily Photo aqui. Mas é que não me canso de falar deste site que resume tudo aquilo que sempre esperei de um blog: a troca de informação com originalidade e criatividade.
No caso do NYDP, ele vai mais além. Ele é feito por alguém que, ao invés de falar de sua vidinha medíocre - como a maior parte de nós, blogueiros -, preferiu demonstrar seu carinho por sua cidade, nem que precise apontar os podres de uma metrópole cheia de problemas como Nova Iorque.O mais interessante no NYPD é que, ao invés de se deter nos pontos turísticos ou dar dicas de lugares da moda, ele mostra o pitoresco, o desconhecido, o inusitado, as mazelas e o que o novaiorquino faz para encontrar alguma qualidade de vida na maior megalópole do planeta, como mostra a foto acima (Reparem no sininho da felicidade pendurado na escada de incêndio).
Visito o NYDP todos os dias, não por que a cidade focolaizada é Nova Iorque - cidade da qual até gosto muito, mas pela qual não morro de amores -, mas por que poderia ser qualquer lugar do mundo. Sabem por quê? Graças a uma coisa chamada sensibilidade. E outra chamada generosidade. E outra chamada talento.
Ao  Brian Dubé, criador do blog, meus parabéns.
E sabem porque ele não fala de sua vida? Porque não precisa. Precisa?

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